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Indicações Metodológicas para o estudo da fotografia como fonte histórica

3. A INCORPORAÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO DE DIFERENTES FONTES NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

3.4 Indicações Metodológicas para o estudo da fotografia como fonte histórica

A fotografia entendida como documento consiste no testemunho de uma materialidade vivida, nos informa a respeito de aspectos como: os modos de viver, de se relacionar, de se vestir, de se organizar, dentre outros. Para além desses aspectos, a fotografia também pode ser caracterizada como monumento, ou seja, representa e se constitui na imagem que a sociedade quis eternizar, a forma como queria ser lembrada. Segundo Mauad (1996), sem esquecer que a fotografia é um documento e, portanto, um monumento que informa sobre o passado, ela também marca certa visão de mundo.

Em pesquisas históricas, a fotografia é utilizada como fonte, como documento e como monumento. Entretanto, ressaltamos a necessidade de sistematizar suas informações, estabelecendo metodologias de análise para a compreensão de suas mensagens, como também do momento em que foi produzida. Dessa forma, tratamos essa questão como indicações metodológicas por entendermos ser esse um aspecto ainda em elaboração, pois não há um modelo para análise das imagens fotográficas como fonte de pesquisa, entretanto alguns aspectos da sua natureza devem ser considerados.

Tomemos como exemplo inicial o paradigma indiciário desenvolvido por Ginzburg (1989), no qual se dedica aos vestígios marginais, a face externa de histórias que não se mostram, e que se pretende desvendar. O autor discute e utiliza o método indiciário como um refinado trabalho de pesquisa empírica ou de documentação que vai muito além do visível. Segundo Ginzburg (1989, p.177), “[...] a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto e tal conexão é possível”. Em suas reflexões o autor sugere como afirma Ciavatta (2012, p.44), “[...] que o historiador se volte para detalhes marginais a fim de desvendar seus significados sociais e a partir deles interpretar universos culturais diferentes”. Assim, também na

análise fotográfica encontramos indícios que voluntária ou involuntariamente são materializados a partir de um sistema de representação visual que se tornou presente nas primeiras décadas do século XIX.

A partir da abordagem de Ginzburg podemos traçar um paralelo com a nossa proposição, pois reconstituir o processo que determinou o documento fotográfico foi a meta que estabelecemos desde o início, com o fito de compreender a cena registrada, instante da ocorrência do fato e da gênese do próprio documento; isso significa realizar a operação inversa, buscando detectar os elementos estruturais do documento – o objeto – a imagem, enquanto um resíduo que nos veio do passado, um fragmento visual da realidade tomado em determinado lugar e época (KOSSOY, 2007, p. 39).

Não se trata, portanto, de produzir a compreensão de algo como a visão verdadeira, mas, uma visão referente ao significado cultural desse objeto a partir de determinadas escolhas metodológicas e teóricas. Dessa forma, a imagem fotográfica e sua representação se tornam indiciárias na medida em que possibilitam a descoberta de pistas aparentemente insignificantes, a primeira vista sem importância. Como assevera Kossoy, “Trata-se dos indícios existentes na imagem (iconográficos), e que, acrescidos de informações de natureza histórica, geográfica, geológica, antropológica, técnica, a carregam de sentido” (KOSSOY, 2007, p.41). A partir do momento que esses aspectos que contenham informações como o lugar e época que procedem, assim como qual a intenção do autor, e ou a tecnologia na produção do material fotográfico, as pesquisas que tomam a fotografia como fontes estarão compreendendo além do aparente da vida registrado na imagem fotográfica. Peter Burke (2004), quando se trata análise de imagens, sugere as reflexões de Ewin Panofsky, um dos principais representantes dos iconografistas e membro da Escola de Warburg, na qual defende três níveis de interpretação imagética:

O primeiro desses níveis era a descrição pré-iconográfica, voltada para o ‘significado natural’(...). O segundo nível era a análise iconográfica no sentido estrito, voltado para o ‘significado convencional’ (reconhecer uma ceia como a Última Ceia ou uma batalha como a Batalha de Waterloo).

Ao primeiro nível, identificamos um caráter voltado à compreensão, identificação e descrição das formas mais primárias tendo em vista a análise de objetos e eventos como árvores, refeições, prédios, pessoas, dentre outros. Ou seja, uma descrição pré-iconográfica. Entretanto como afirma Panofsky (2012, p.55), “[...] é impossível chegar a exata descrição pré-iconográfica ou identificação primária do tema,

aplicando, indiscriminadamente, nossa experiência prática a uma obra de arte”. Nessa perspectiva, ao segundo nível nos reportamos a questão iconográfica com a função classificatória das imagens. A grande contribuição, segundo o próprio autor do método consiste na importância em desenvolver a categorização, que pressupõe muito mais que a familiaridade com os objetos e fatos que adquirimos com nossa experiência prática. A esse respeito afirma Panofsky (2012, p.53):

A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens [...] é um estudo limitado[...]. Ao fazer este trabalho, a iconografia é de auxílio incalculável para o estabelecimento de datas, origens e, às vezes, autenticidade; e fornece as bases necessárias para quaisquer interpretações ulteriores. Entretanto, ela não tenta elaborar a interpretação sozinha.

Panofsky desenvolvia reflexões na tentativa de reforçar a ideia de que as imagens são parte de toda uma cultura e não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura. A esse pensamento associa-se a iconologia, o terceiro e principal método desenvolvido por ele.

[...] um método de interpretação que advém da síntese mais que da análise. E assim como a exata identificação dos motivos é o requisito básico de uma correta análise iconográfica. Também a exata análise das imagens, estórias e alegorias é o requisito essencial para uma correta interpretação iconológica [...] (PANOFSKY, 2012, p.54).

Dessa forma, o autor defendia a ideia de que para se analisar uma imagem, o pesquisador precisa ir além do nível iconográfico, cabendo a ele a tarefa de desconstruir as ideologias materializadas nas produções fotográficas. Como afirma Boris Kossoy (2009, p.23), é necessário “Decifrar a realidade interior das representações fotográficas, seus significados mais ocultos, suas tramas, suas ficções, as finalidades para as quais foi produzida é a tarefa fundamental a ser empreendida”.

Ao refletirmos acerca da materialização da fotografia como fonte, percebemos os constantes equívocos conceituais quando não se percebe a mesma como uma representação elaborada culturalmente, esteticamente e tecnicamente. Ou seja, cada material fotográfico produzido não pode ser compreendido desvinculado do seu processo de construção e representação. Essa trajetória metodológica que buscamos em nossa pesquisa leva em consideração o processo de análise e ‘desmontagem’ da imagem desenvolvido por Boris Kossoy. Na desmontagem do

processo de construção que teve o fotógrafo ao elaborar uma foto, a objetiva constatação de existência de determinado assunto será nosso ponto de partida. A decifração da imagem fotográfica será desenvolvida através da análise iconográfica e da interpretação iconológica.

Através da análise iconográfica buscamos detectar seus ELEMENTOS CONSTITUTIVOS (fotógrafo, assunto, tecnologia) e suas COORDENADOAS DE SITUAÇÃO (espaço, tempo). Tentávamos, assim, estabelecer um paradigma visando a reconstituição do processo que originou a representação, a partir de indicadores constantes nas imagens fotográficas (...) elementos icônicos que compõem o conteúdo da imagem: o assunto registrado. De outra parte (...) sua compreensão interior. (...) foi proposta uma interpretação iconológica – empregando a denominação de Panofsky - para a decifração daquilo que o fragmento visual não tem explícito em seu conteúdo (KOSSOY, 2007, 46-47)

Em resumo, o caminho metodológico de análise e interpretação foram equacionados de forma a compreendermos exatamente a representação no espaço e no tempo, identificando seus elementos constitutivos, seu conteúdo e a aparente representação, informações preciosas para a reconstituição histórica. Como assevera Kossoy (2007, p.52): “Toda fotografia tem atrás de si uma história; é este o enigma que procuramos desvendar”.

Ajudar a resgatar o invisível é o papel da intertextualidade, da busca de outras visões, outras linguagens e outros discursos sobre o mesmo objeto. Nesse sentido, tendo como ponto de análise as ideias representadas a partir da fotografia como fonte para a pesquisa histórica, buscaremos avançar a partir dos critérios aqui defendidos, desenvolver considerações sobre o trabalho com imagens fotográficas no ensino de história, transformando a fotografia num artefato que informa e revela concepções de mundo que as sociedades quiseram eternizar.

Defendemos a ideia de que a fotografia, especialmente no ensino de história, pode ser utilizada como um instrumento de conhecimento e seu estudo por consequência nos leva a refletir sobre a visualidade das sociedades. Esperamos que as imagens sejam reconhecidas e entendidas como suportes das relações sociais, como forma de comunicação transmitidas pelos códigos culturais de produção e recepção. Por meio de uma análise sistematizada será possível oferecer informações sobre a cultura, o contexto histórico-social seu sentido e os significados que colhemos ao contemplá-las.