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Capítulo 4 INCURSÕES ACERCA DA ANÁLISE DA ESCOLA SEGUNDO A SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR

4.2 O indivíduo e a experiência social

Segundo Dubet (1994), a diversidade das lógicas de ação e as exigências de individualização que aparecem nas condutas sociais hoje, são as formas tomadas pela experiência social moderna, anunciadas por Weber19 e Simmel. Dubet, em sua obra En la

17 Entendido como um conjunto de elementos, entre os quais haja alguma relação. Como também disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam estrutura organizada (FERREIRA, A. B. de H., 2004, p. 678). O sistema também pode ser representado pelas instituições jurídicas, políticas, partidárias, eleitorais, culturais, econômicas, etc. (BOBBIO, N. 1986).

18 Segundo Dubet, existem três lógicas da ação no sistema escolar em que se orienta o sentido da escolarização para os diferentes indivíduos sociais. Esse tema será apresentando na sequência.

19 Weber em sua Teoria da Ação Social apresenta que toda conduta humana é dotada de um significado subjetivo (sentido) dado por quem a executa e que orienta essa ação. A explicação sociológica busca compreender e interpretar o sentido da ação social, não se propondo a julgar a validez de tais atos nem a compreender o agente enquanto pessoa. Compreender uma ação é captar e interpretar sua conexão de sentido, somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia. A ação social gera efeitos sobre a realidade, pois toda ação modifica alguma coisa, causa reação positiva ou negativa. Esse processo ação-reação causa efeitos que contribuirá para modificar a realidade.

Tipos puros de ação:

Ação racional com relação afins: ação que visa a atingir um objetivo previamente definido, ele lança mão dos meios necessários ou adequados, ambos avaliados e combinados tão claramente quanto possível de seu próprio ponto de vista. Uma ação econômica, por exemplo, expressa essa tendência e permite uma interpretação racional. Ação racional com relação a valores: ação orientada por princípios, agindo de acordo com ou a serviço de suas próprias convicções e levando em conta somente sua fidelidade a tais valores. Por exemplo, não se alimentar de carne, orientado por valores éticos, políticos e ambientais.

Ação tradicional: quando hábitos e costumes arraigados levam a que se aja em função deles. Tal é o caso do batismo dos filhos realizado por pais pouco comprometidos com a religião.

Ação afetiva: quando a ação é orientada por suas emoções imediata, como por exemplo, o ciúme, a raiva ou por diversas outras paixões. Esse tipo de ação pode ter resultados não pretendidos, por exemplo, magoar a quem se ama (WEBER, 1991, p. 13-14).

escuela: sociologia de la esperiencia escolar (1998), retoma a ideia dos tipos puros de ações

sociais de Weber para discorrer acerca da experiência escolar e dos sentidos das lógicas da ação. A fragmentação da experiência social era o fundamento mesmo da modernidade (a figura emblemática é o estrangeiro), em contraposição à homogeneidade funcional e à institucionalização das condutas. A experiência social se apresenta, assim, como capaz de dar sentido às práticas sociais. Ela designa as condutas individuais ou coletivas dominadas pela heterogeneidade de seus princípios constitutivos e pela atividade dos indivíduos que devem construir o sentido de suas práticas no meio desta heterogeneidade.

A separação da objetividade social e da subjetividade individual cria uma <autonomia moral>: o trabalho, a natureza, a autoridade, a religião, a arquitetura, amor... constituem formas nas quais a experiência individual não se reconhece nunca totalmente. Não se trata apenas da cisão do privado e da grande sociedade, [...], mas de uma clivagem aninhada no próprio seio da ação individual. [...] No entanto, a tragédia da cultura não é forçosamente vivida como um drama, ela manifesta-se mais frequentemente em modo de nostalgia, de sonho de uma adesão à comunidade, que se perdeu. É por esta razão que o estrangeiro surge como a figura emblemática da modernidade: apesar da sua <errância>, ele permanece na <metrópole>, na sociedade. O estrangeiro não é aquele que pertence à outra cultura, ele está, no próprio coração da sociedade, separado dela pela individualidade, por uma <reserva> e por uma indiferença que o protegem. Está aí o preço do desenvolvimento da subjetividade. O declínio do indivíduo da sociologia clássica não aparece como sinal da crise da modernidade, mas como o mecanismo de separação da subjetividade, separação inscrita nesta modernidade mesma (DUBET, 1994, p. 75).

A partir das indicações acima, Dubet (1994, p. 16, 17, 18), evidencia três traços essenciais que aparecem nas mais diversas condutas sociais. O primeiro “é a heterogeneidade dos princípios culturais e sociais que organizam as condutas”. Ou seja, a identidade social, construída a partir desses princípios, não é um ser (posição social), mas, um fazer, um trabalho, uma construção, uma "experiência". Enquanto na concepção clássica da ação, a personalidade (o indivíduo) é determinada pelos papéis (normas, meios), nesse caso, o papel é produzido pela personalidade, isto é, uma nova capacidade de "gerenciar" a experiência. O segundo traço “é a distância subjetiva que os indivíduos mantêm com o sistema”. A pluralidade das lógicas de ação presente na experiência social é vivida como um problema e produz uma atitude de distanciamento, de mal-estar. Os indivíduos precisam explicar a si mesmos como constroem suas práticas, sua adesão (relativa ou não) a papéis e valores aos quais eles não conseguem aderir completamente. Essa distância crítica (passível de reflexividade), quando ocorre, define a autonomia dos indivíduos, torna-os sujeitos, já que os

indivíduos não podem ser enclausurados nos seus papéis, observa o autor. Enfim, o terceiro traço sublinha o fato de que a construção da experiência coletiva recoloca o conceito de afastamento do social20 no cerne da análise sociológica.

Com o declínio da ideia clássica de sociedade, não existe mais um "conflito central", nem movimento social capaz de agregar os indivíduos num projeto comum. O que há são explosões sociais localizadas e o afastamento das questões sociais ocorre quando as relações de dominação impedem os atores de terem o domínio sobre sua experiência social. Dubet (1994) dá o exemplo dos jovens das periferias urbanas, em que a experiência social surge como uma maneira de construir o mundo, ao mesmo tempo subjetiva - é uma representação do mundo vivido, individual e coletiva - e cognitiva - é uma construção crítica do real, um trabalho reflexivo dos indivíduos que julgam sua experiência e a redefinem.

Segundo Dubet (1994), a sociologia da experiência social visa a definir a experiência como uma combinatória de lógicas de ação, constituindo assim a subjetividade e a reflexividade.

Em sendo a experiência social uma combinatória, segundo Dubet (1994), sua análise impõe três operações intelectuais essenciais, a saber:

- A primeira é de ordem analítica, em que o objetivo é isolar e descrever as lógicas da ação presentes em cada experiência concreta. Nessa perspectiva, o autor retoma Weber (1991) ao combinar vários tipos puros da ação que se colocam como importantes. Para Dubet (1994), os tipos puros da ação se apresentam misturados na mesma experiência social e que de algum modo envolve ou motiva os indivíduos. Ainda segundo o autor, dificilmente uma experiência social é identificada como um tipo puro de ação, a experiência social do indivíduo acaba abarcando geralmente mais de uma, conforme descrita por Weber (1991) e citada anteriormente.

- A segunda operação tem vista compreender a própria atividade do indivíduo, ou melhor, como ele combina e articula as diversas lógicas. Desse modo, o indivíduo não se filia a um tipo puro tão somente, mas ele se constitui numa espécie de intervalo entre os tipos de ações sociais. As experiências sociais, segundo Dubet (1994), são sempre construções históricas ou “tipos históricos” constituídos a partir da combinação dos “tipos puros” desenvolvido por Weber. Dubet (1994, p. 112) afirma, a partir de Raynaud, que “o tipo ideal ‘puro’ é

20 Tenho substituído no decorrer do texto a expressão “alienação” usada por Dubet (1994), pelas expressões “afastamento do social”, ou “falta de consciência da sociedade”, para não precisar aqui fazer uma discussão de cunho marxista em relação aos seus conceitos e concepções teóricas.

antidialético, não contraditório, ao passo que o tipo histórico pode, quanto a ele, ser complexo, até mesmo contraditório.”

- A terceira operação intelectual consiste em elevar a experiência de ordem individual para o sistema, visa a “[...] compreender quais são as diferentes lógicas do sistema social mediante a forma como os actores as sintetizam e as canalisam tanto no plano individual como no plano colectivo” (DUBET, 1994, p. 112). Mesmo considerando que o sistema social é o resultado das ações sociais dos indivíduos, uma ação social nunca é pura ação social individual, mas é constituída na teia das relações sociais. Isso implica afirmar que nem tudo é possível no interior de uma lógica de ação social e, também, que a natureza do sistema em que os fatos sociais são operacionalizados pode ser atingida pela via indireta da experiência dos indivíduos.