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A sociologia da experiência como sociologia da ação e do indivíduo: As lógicas da

Capítulo 4 INCURSÕES ACERCA DA ANÁLISE DA ESCOLA SEGUNDO A SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR

4.3 A sociologia da experiência como sociologia da ação e do indivíduo: As lógicas da

ação

Segundo Dubet (1994), a sociedade enquanto "conjunto" social é uma justaposição de três grandes tipos de sistemas: comunidade, mercado e a cultura. Cada um destes sistemas é fundado numa lógica própria, e define-se num campo e num espaço particulares. Com isso, o autor observa que geralmente as comunidades são locais, nacionais, étnicas; o mercado é internacional e, por fim, a cultura nos tempos atuais é a cultura dos indivíduos, em que cada experiência social resulta da articulação aleatória entre estas três lógicas:

- a integração: o indivíduo é definido pelos seus vínculos na comunidade; - a estratégia: o indivíduo é definido por seus interesses num mercado;

- a subjetivação: o indivíduo é um sujeito crítico frente a uma sistemática de produção/ dominação, de afastamento do social.

Essas lógicas autônomas e não hierarquizadas, ao contrário da ideia clássica de sociedade em que Estado-Nação articulava a comunidade, o mercado e a cultura, são reconhecidas como categorias analíticas de identidade, oposição e totalidade, que inspiram sua tipologia da ação. Toda formação social é definida pela co-presença de uma capacidade de integração comunitária opondo o 'nós' aos 'outros', de um sistema de convivência regulada e de uma cultura, definindo a capacidade crítica e a capacidade de ação voluntária. Nesse sentido, é melhor, “falar em “experiência” do que em “ação” para destacar mais a autonomia de cada uma destas lógicas” (DUBET, 1994, p. 112).

A partir da ideia de experiência social, manifesta nas ações dos indivíduos, será apresentado um recorte da esquematização das três lógicas citadas acima, a partir de quatro critérios: a forma da identidade do ator, a natureza das relações sociais, o que fundamenta a ação dos atores e a que tipo de visão de sociedade, de sistema social se refere.

4.3.1 Lógica da integração

A lógica da integração ou também denominada de socialização corresponde à função conhecida de integração social, fartamente trabalhada pela Sociologia Clássica. Segundo essa lógica, a escola atua para favorecer a integração dos indivíduos em uma sociedade nacional, local, étnica, impondo a aprendizagem de conhecimentos e de valores. Ela diz respeito às exigências impostas por cada tipo de sociedade e está presente em expectativas de pais que desejam que os/as filhos/as aprendam na escola comportamentos que os/as integrem à sociedade em que vivem, aos grupos sociais aos quais pertencem.

4.3.2 Lógica da estratégia

Nessa lógica, os indivíduos buscam concretizar seus projetos de educação dos/as filhos/as, em uma sociedade concebida como mercado, ao definir expectativas viáveis e caminhos para prover a esses/as filhos/as condições de participarem da concorrência. Como a escolarização constitui uma das estratégias para encaminhar a prole na vida, os pais e mães atentos a essa concorrência avaliam as alternativas que se apresentam em termos de escolarização, considerando aquelas que parecem mais interessantes e viáveis para eles. Assim, optam por escolas em que a dimensão utilitarista seja a baliza. Por que investir em um curso que, de antemão, sabe-se que não propiciará um bom emprego no futuro? Os pais e as mães, nesse sentido, visam à aquisição de um capital escolar diferencial que dê mais chances ao jovem e à criança na carreira escolar, na vida social e em um mundo de trabalho competitivo.

4.3.3 Lógica da subjetivação

Aqui, o eixo guarda relação com o processo de subjetivação. Para Touraine (1994, p. 166), o processo de subjetivação é a “construção por parte do indivíduo ou do grupo, de si mesmo como sujeito”. Essa seria uma das marcas da sociedade contemporânea. Como argumenta, não podemos afirmar que vivemos em um mundo de sujeitos, porém essa tendência está resente, mesmo que de forma latente, imersa na vida ordinária, na rotina das instituições convencionais, no entorpecimento das práticas cotidianas, submetida por poderes que negam a sua liberdade de se autoconstruir e, assim, construir a sociedade.

Para Touraine, a subjetivação pode ocorrer no contato com outros sujeitos, nas intervenções de mediadores, nas práticas educativas, etc... Diz respeito a valores e atitudes que compõem o horizonte do processo mais amplo de educar. O indivíduo não é definido apenas por seus pertencimentos (socialização) e interesses (instrumentalização). Ele não é só adaptação: constrói-se criticamente frente às lógicas anteriores e frente à sociedade.

Nesse sentido, Dubet e Martuccelli (1996) falam de subjetivação. Isso supõe admitir a existência de uma dimensão cultural que poderia ser entendida como uma lógica da convicção que estabelece um enfrentamento com as duas lógicas definidas anteriormente. Os indivíduos sociais buscam dar sentido à escolarização no enfrentamento de tais lógicas. Profissionais da escola ao optarem, alunos/as, pais lidam com a necessidade de articular aquelas lógicas. A situação ideal é aquela em que se consegue coordenar as três ordens de lógica – o jovem escolhe realizar um curso cujos objetivos lhe permitem competir profissionalmente em sua vida futura, ao mesmo tempo em que atende a seus interesses em termos de cultura e saber.

Entretanto, é fundamental lembrar que esse processo não se faz de forma autônoma, independentemente dos condicionantes sociais. Há situações em que as lógicas entram em conflito, como no caso de um indivíduo cujos interesses o encaminham para um curso superior que não favorece inserção no mercado de trabalho ou que conduz a uma profissão pouco valorizada. Ou, em outra direção: um aluno do Curso de Pedagogia que rejeita os objetivos institucionais que organizam o currículo, porque está interessado apenas na obtenção de um diploma de nível superior que lhe propiciará melhoria salarial. Nesse caso, a lógica instrumental se impõe.

Enfim, na lógica de subjetivação, o indivíduo pode afirmar-se como sujeito crítico, na distância ou no engajamento, na tensão "entre cultura e relações sociais, entre comunidade e mercado". O que sustenta essa lógica é a historicidade, no sentido de capacidade que uma

sociedade tem para construir as suas práticas a partir de modelos culturais e através dos conflitos. Isto é, de dar um sentido a suas práticas. Se a socialização aparecia como recurso imposto pelo sistema, o jogo de interesses como forma de manipulação pelo sistema, a historicidade, sob sua forma de tensão dialética, de "reflexibilidade", constrói-se na luta contra o afastamento e dominação social.

Cada lógica da ação remete a um sistema, a um tipo de explicação social que coexiste com outras formas de explicação, na diversidade. Numa mesma realidade social, podemos encontrar processos de socialização, mecanismos de jogo e tensão dialética. O fato de que a sociedade parece coesa não significa que seja um sistema. A diversidade das lógicas de ação convida a aceitar uma diversidade de tipos de explicações e a conceber a sociedade como um todo desprovido de referência (DUBET, 1994).

A experiência social não é algo sem relações com o sistema social: o indivíduo constrói a experiência que lhe pertence, a partir de lógicas de ação que não lhe pertencem, e que são dadas pelas diversas dimensões do sistema que vão se separando na medida em que a imagem clássica de unidade funcional da sociedade se desfaz. Desse modo, as experiências sociais são "combinações subjetivas de elementos objetivos", combinação de vários tipos de ação. Mas como podem estas lógicas ser articuladas com um dos modos de explicação da sociedade? Por quais tipos de mecanismos?

Num sistema integrador, é a socialização - reprodução que funda a lógica de integração. Seja sob forma de educação ou sob forma de controle social, ela orienta as condutas e a ação social. Num sistema de interdependência, a racionalidade do indivíduo é submetida a vários tipos de coerções e é limitada. Mas o mercado pré-existe e "a otimização da escolha é fixada pela distribuição dos recursos". A ação articula “a racionalidade dos atores com regras e situações que dificultam o jogo e fazem uma distribuição desigual das capacidades de jogar” (DUBET, 1994, p. 147).

A experiência social é a atividade, o trabalho pelo qual o indivíduo pode construir uma identidade social, quando articula as diversas lógicas de ação nas quais ele está engajado. Em outras palavras, é este trabalho que aproxima o indivíduo de uma representação do sujeito, e é este trabalho que se torna objeto de uma sociologia da experiência. Mas como isso acontece? E quais são os mecanismos que tornariam possível a passagem da experiência dos indivíduos à ação coletiva?

Segundo Dubet (1994), na experiência social, as tensões existentes entre as diferentes lógicas de ação (quando há encontro ou oposição entre elas) afetam o indivíduo provocando, segundo a expressão de Weber (1991), um "desencantamento", tornando-o um "indivíduo

dissociado". Qual seria, então, o "trabalho do indivíduo", sua tarefa, para enfrentar esta situação? Ante as tensões existentes entre lógicas de ação e diante das interfaces que se criam (sentimento de pertencer, ao mesmo tempo, a uma e a outra, por exemplo, lógica de integração e estratégia), o indivíduo tenta definir suas afinidades, seus vínculos. É a construção de uma "identidade", a "apresentação de si "feita de tensões e sofrimentos, mesmo que disfarçados ou "rotinizados". O indivíduo pode tentar questionar esta situação, dar-lhe um sentido. A partir do estranhamento em relação ao sistema (sentimento de não conseguir ser o que se espera dele), por meio de um movimento de distanciamento, ele pode criar uma postura crítica, construir uma "identidade social profunda" construindo a experiência social como sendo sua experiência. É uma atitude geradora de conflitos, de oposição ao afastamento social, de reivindicação de autonomia, que só é possível através de uma forma de engajamento por parte dos indivíduos, o que Dubet (1994, p. 186) denomina de “introdução da subjetivação nas relações sociais”.

Assim, segundo Wautier (2003), são os indivíduos que articulam as diferentes dimensões da ação, procurando dar sentido a suas condutas, reconstruindo sua identidade dissociada. Essa construção da experiência social está no cerne da ação coletiva em geral e dos movimentos sociais em particular. E o “êxito da ação coletiva não está apenas [...] na fusão da consciência individual e da consciência coletiva: ele procede também de uma autonomia individual mais forte, de uma subjetividade afirmada” (DUBET, 1994, p. 186).

Tal situação ele ilustra na análise da experiência da exclusão dos jovens das periferias urbanas e na experiência escolar; ou seja, “o sentido da experiência social não é mais 'dado', nem pela vida social, nem pela unidade do sistema, é o produto de uma atividade” (DUBET, 1994, p. 222). Isto é, a experiência social não só é construída, manifestada nos discursos dos indivíduos, mas ela é uma atividade crítica, uma reconstrução que só é possível porque o indivíduo não é totalmente socializado e porque ele é capaz de construir um projeto de vida para além da procura de realização pessoal, ele é capaz de ser alguém que, apesar de viver sua liberdade na angústia (diante das consequências de suas escolhas), quer ser autor de sua própria vida.