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A INDIVIDUAÇÃO COMO UMA EXPERIÊNCIA CARACTERISTICA DA SEGUNDA METADE DA VIDA

A individuação como um acontecimento próprio da segunda metade da vida foi constatado pelos inúmeros casos em que Jung atendeu. A maioria que vinha lhe procurar para tratamento, normalmente encontrava-se na segunda metade da vida desejando redescobrir a si mesmos e o sentido para suas vidas116. Mas não foi somente os casos que ele atendeu que o fez pensar que a individuação era uma experiência da segunda metade da vida. O seu próprio confronto com o Inconsciente se deu também nessa fase da vida. Jung diz que:

115 Cf. Maroni, Ed. Moderna, 1998, p. 53.

116 “No seio de minha clientela que provém, sem nenhuma exceção, dos meios cultos, figura um

número considerável de pessoas que me consultaram, não porque sofressem de uma neurose, mas porque não encontravam um sentido para suas vidas ou porque se torturavam com problemas para os quais a filosofia e a religião não traziam qualquer solução” (JUNG, 2003, p. 81).

Foi no início da segunda metade da minha vida que comecei o meu confronto com o inconsciente. Foi um trabalho que se estendeu por longos anos e só depois de mais ou menos vinte anos cheguei a compreender em linhas gerais os conteúdos de minhas fantasias (1963, p. 177).

O desenvolvimento psíquico do ser humano está dividido em dois momentos: a primeira fase que seria do zero aos trinta e cinco anos de idade e a segunda fase seria a partir dos 35 anos. É óbvio que não dá para estabelecer uma exatidão do tempo em que tal desenvolvimento terá início na vida de cada pessoa. Quando se trata de indivíduos cujo amadurecimento é dinâmico e variável de um para o outro pode ocorrer eventualmente algumas mudanças. Mas em termos gerais esse processo de individuação se dá na segunda metade da vida podendo ocorrer antes do trinta e cinco ou até mesmo depois. Há um certo pensamento de que Jung não tenha dado muita importância ao primeiro ciclo ou momento do desenvolvimento humano, o que não é verdade. Stein diz:

Em oposição aos que supõem que as mais importantes características do desenvolvimento psicológico e do caráter ocorrem na infância e nada mais de grande importância acontece depois disso, Jung viu o desenvolvimento como contínuo e as oportunidades para promover em ainda maior desenvolvimento psicológico como uma opção ao alcance de pessoas de qualquer idade, incluindo a meia-idade e a velhice (1998, p. 154-155).

Para Jung o desenvolvimento da psique é em todos os momentos por demais importante. Não há desprezo pelos primeiros anos de vida. De forma alguma. Mas ele afirmou que a plena expressão e manifestação da personalidade leva uma vida inteira para se processar e que na segunda metade da vida, a tendência é ocorrer com maior solidez.

Para dar uma pequena idéia do desenvolvimento na primeira fase da vida, pode-se dizer que quando a criança nasce ela não se diferencia dos pais e do seu ambiente. Com o crescente amadurecimento tanto físico quanto cerebral

começa a distinguir o seu corpo dos objetos do mundo circundante e a nascer a consciência do eu que a diferirá de seus pais.

Começam atuando como indivíduos com a competência para exercer o seu auto-domínio, para controlar num razoável grau, os seus meios ambientes, e para conter as emoções e fluxo do pensamento conforme requerido pelos padrões sociais do comportamento (Ibid, p. 155).

Pode-se dizer então que nessa primeira fase da vida a energia psíquica e existencial está voltada para o meio externo: estudos, posições sociais, trabalho, dinheiro, fama, conquistas etc. Dir-se-ia que essa fase é de adaptação do ego e da persona aos ditames da vida social e dos papéis a serem desempenhados. Nessa fase da vida se é mais consciente no sentido de que a atenção do ego está direcionado para o mundo externo.

Quando se fala então em individuação, deve-se ter em mente que ela é um processo muito mais amplo que essa primeira diferenciação que se faz tanto dos pais quanto do mundo circundante. É muito maior do que essa inicial tomada de consciência como um sujeito em busca de realizações. A individuação seria a criação de novos valores, de um novo padrão de vida caracterizado agora pela conquista de si-mesmo. Um olhar para dentro de si-mesmo, pois as coisas que foram conquistadas na primeira fase da vida não preencheram o desejo pelo significado da vida. Jung descobriu que aqueles que estavam nessa segunda fase da vida tendiam a desenvolver propósitos pela integração muito maiores do que pelas realizações, estavam mais em busca de harmonia com a totalidade da psique.

Seria a metanóia117, a inversão da direção da energia psíquica: do mundo

117“O termo metanóia tem um significado particular na psicologia analítica, já que é inseparável de

dois outros conceitos: compensações e totalidade. Na proposição de Jung, tudo o que não podemos ou nos recusamos a viver conscientemente, passa a ser vivido compensatoriamente no inconsciente. Quando, então, vivemos uma metanóia – uma inversão da energia libidinal – o mundo até então vivido compensatoriamente é mobilizado energicamente e parte dele sofrerá um processo de diferenciação e tornar-se-á consciente (MARONI, 1998, p. 44).

externo para o mundo interno inconsciente.

Num período mais avançado da vida talvez não se precise romper totalmente com os símbolos que significam contenção. Mas é bem verdade, também, que se pode estar possuído daquele divino espírito da insatisfação que leva todo homem livre a enfrentar alguma nova descoberta ou a viver de alguma nova maneira. Esta mudança pode tornar-se especialmente importante no período que vai da meia-idade à velhice, época em que as pessoas se perguntam sobre o que vão fazer ao se aposentarem – trabalhar ainda, divertir-se, viajar ou permanecer em casa (JUNG, VON FRANZ, 2002, p. 152).

Esse espírito de insatisfação ativa a busca processual do núcleo criador psíquico que só pode entrar em ação se o ego se desembaraçar de todo projeto ambicioso externo em benefício de uma forma de existência mais profunda e mais fundamental. Não significa que o mundo externo será diluído ou dissolvido diante dessa nova perspectiva, mas que a energia estará voltada para o mundo interno. É bom que se diga que mesmo que a energia psíquica esteja voltada na primeira fase da vida para o externo, o ser mais profundo de cada homem, o Self sempre se faz presente por meio de sinais, insinuações, tanto em sonhos como em acontecimentos, mostrando suas intenções e, ao mesmo tempo, preparando a pessoa para a futura e verdadeira direção da existência onde se move o fluxo da vida. Aqui cabe dizer que esse processo de individuação não é forçado por algo ou por alguém externo ao indivíduo. Ele é um processo espontâneo podendo por isso a pessoa chegar ao Self sozinho, sem uma análise. Tanto que Jung dizia que a função da terapia e do terapeuta é facilitarem a realização do processo daqueles que foram em busca de uma auxílio. Serem facilitadores somente uma vez que a psique por sua própria natureza tende a se integrar e se harmonizar. O papel da clínica junguiana na individuação é de remover aquelas defesas que estejam dificultando além do normal a espontaneidade natural para essa integração.