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Eliade nasceu na Romênia em 1907 e foi para Paris após a 2ª Guerra Mundial. Em 1957 foi nomeado professor de história das religiões na Universidade de Chicago, onde permaneceu até a sua morte, 1986. Suas obras incluem história das religiões, filosofia e poesia. São consideradas obras clássicas com um forte impacto no pensamento contemporâneo tendo servido de base para trabalhos e fonte de pesquisas para numerosos estudiosos interessados no campo do fenômeno religioso. Como historiador das religiões, prestou um grande serviço à humanidade, especialmente àquelas pessoas e àquelas ciências interessadas no estudo da religião. Mostrou que nas culturas mais primitivas e arcaicas pode-se perceber a presença dos sentimentos e dos comportamentos religiosos. A visão do comportamento do homo religiosus e seu universo mental não pode ser confundida e muito menos confinada à história do cristianismo. Ela é antes desse, e somente o contato com as culturas arcaicas, folclóricas é que se pode reconhecer as infinitas situações ou comportamentos religiosos do homem.

Segundo a Revista Viver mente&cérebro,

São numerosas as afinidades entre a psicologia de Jung e a história das religiões praticada por Mircea Eliade. Eles foram assíduos freqüentadores das conferências interdisciplinares de Eranos, em Ascona, o que lhes permitiu travar uma intensa troca de idéias ao longo dos anos 50. Tinham em comum temas específicos de estudo, como o xamanismo e a alquimia [...] (2002, p. 60).

Eliade trabalhou com a perspectiva do homo religiosus, ou seja, a de que o indivíduo tem uma tendência a experimentar sentimentos religiosos. A religião para ele é uma função da mente humana adquirida e elaborada no decorrer da história dos homens. O homem é religioso por uma questão histórica, pois os seus ancestrais tiveram experiências religiosas primordiais, comportamentos religiosos que foram transmitidos inconscientemente. Em outras palavras, Eliade advoga que as experiências religiosas são vivenciadas por já existirem a priori no inconsciente da humanidade. Vê-se aqui, uma correlação com a idéia dos arquétipos(determinadas disposições que existem a priori) proposta por Jung, ficando claro as trocas que ambos fizeram no campo da religião. Falando sobre o fato do homem ser religioso, Eliade diz:

Além do mais, grande parte de sua existência é alimentada por pulsões que lhe chegam do mais profundo de seu ser, da zona que se chamou de inconsciente. Um homem exclusivamente racional é uma abstração, jamais o encontramos na realidade. Todo ser humano é constituído, ao mesmo tempo, por uma atividade consciente e por experiências irracionais. Ora, os conteúdos e as estruturas do inconsciente apresentam semelhanças surpreendentes com as imagens e figuras mitológicas [...] os conteúdos e estruturas do inconsciente são o resultado das situações existenciais imemoriais [...] e é por essa razão que o inconsciente apresenta uma aura religiosa (2001,p. 170-171).

A expressão aura vem do latim “aura” que significa sopro, brisa, zona luminosa em torno de um objeto. Ao utilizá-la, fica evidente que para Eliade a religião está “oculta” nas trevas do inconsciente do homem59; significa dizer que as possibilidades de vivenciar uma experiência religiosa estão presentes nele mesmo. Com isso, ele acredita na existência de uma unidade fundamental das experiências religiosas em todas as religiões, a saber: a relação com a divindade, com um ser que é transcendente, algo que é irracional, não humano, impossível de ser definido. O fenômeno religioso, das manifestações religiosas só podem ser apreendidos dentro

da escala religiosa, ou seja, pelos sentimentos.Eliade diz: “Querer delimitar este fenômeno pela fisiologia, pela psicologia, pela sociologia e pela ciência econômica, pela lingüística e pela arte, etc, é traí-lo, é deixar escapar precisamente aquilo que nele existe de único e de irredutível, ou seja, o seu caráter sagrado” (2002, p.1) A relação que pode ser estabelecida entre o homem e a divindade ocorre a partir das hierofanias, que na acepção mais larga do termo, significa qualquer coisa que torna manifesto tudo quanto é sagrado, ou que algo de sagrado se nos revela.

Este sagrado não é o Deus dos filósofos e nem o da teologia, não é uma idéia, ou uma noção abstrata, ou ainda uma alegoria moral. Pelo contrário, é um poder terrível que se apodera do homem. A expressão terrível é no sentido de causar espanto e silêncio na pessoa que a vivencia. Essa noção terrificante do sagrado está marcada pelo conceito que Rudolf Otto descreveu. Percebe-se uma íntima relação de Eliade com Otto na utilização dos termos empregados para conceituar o sagrado e a religião. Em seu próprio livro, Eliade dá a seguinte explicação:

Na obra Das Heilige, Rudolf Otto esforça-se por clarificar o caráter específico dessa experiência terrífica e irracional. Descobre o sentimento de pavor diante do sagrado, diante desse mysterium tremendum, dessa majestas que exala uma superioridade esmagadora de poder, encontra o temor religioso diante do mysterium fascinans, em que se expande a perfeita plenitude do ser (2001, p.16).

Embora mais adiante sejam dadas explicações também sobre Rudolf Otto e Jung, de imediato, pode-se dizer que para esses três, o sagrado se manifesta sempre como uma realidade inteiramente distinta das coisas e das realidades naturais impondo-se à consciência, provocando um sentimento de temor. Ao dizer que o sagrado repousa “oculto” no inconsciente, Eliade quer mostrar que a religião ou sagrado é uma expressão natural e corrente da alma humana que até pode ser camuflada, mutilada, degradada, mas que o homem jamais poderá extirpa-

la de si mesmo. Ela o possui ainda que este não se dê conta. O homem de forma geral:

[...] conserva os vestígios do comportamento do homem religioso. Faça o que fizer, é um herdeiro. Não pode abolir definitivamente seu passado, porque ele próprio é produto desse passado. É constituído por uma série de negações e recusas, mas continua ainda a ser assediado pela realidade que recusou e negou (ELIADE, 2001, p.166).

Enfim, Eliade colaborou para a noção do sagrado em Jung; por outro lado, sempre manifestou o seu encanto pessoal e teórico pelo fundador da psicologia analítica que, segundo ele, o maior mérito foi o ter “ultrapassado a psicanálise Freudiana partindo da própria psicologia e ter assim restaurado o significado espiritual da Imagem” (ELIADE, apud, Rev. Viver mente&cérebro, 2002, p. 60)60.