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De imediato, vale dizer um pouco sobre quem foi Viktor Frankl*. Por quê? Porque sabendo de sua formação acadêmica e de sua história de vida compreender-se-á porque o tema do sentido da vida ocupou os setenta e cinco anos de sua vida. Segundo Angerami,

(...) Frankl foi um dos autores que mais escreveu sobre a temática do “sentido de vida”, sendo que sua obra foi enredada a partir de sua experiência como prisioneiro de guerra, quando no campo de concentração refletiu o “sentido de vida” num contraponto direto com a perspectiva da morte (1985, p. 61).

Antes de comentar sobre sua estada de três anos em quatro campos de concentração, seria interessante dizer que ele foi médico, cuja especialidade era a neurologia, considerado na história da ciência, o descobridor da terceira via da escola psicanalítica de Viena76. Ao dizer isso, situa-se Frankl numa determinada

relação com Freud e Alfred Adler. Freud seria o mestre, Adler um discípulo dissidente e Frankl um dissidente de Adler. Franz Kreuzer caracteriza sua relação com esses pensadores da seguinte forma:

Viktor Frankl, que procura o sentido, viveu espiritualmente o mundo de Sigmund Freud, com quem ele se correspondia, que publicou um de seus escritos, e com quem ele se encontrou apenas uma vez. Então ele voltou-se para Alfred Adler, recusando-se, porém, a ser um discípulo acrítico, sendo banido por Adler (1990, p. 9).

Mesmo Frankl tendo se separado deles, Freud e Adler exerceram fortes contribuições sobre sua vida. Frankl é considerado o criador da Logoterapia

*Fundador da Logoterapia, conhecida por “terceira via de psicoterapia” de Viena, Viktor E. Frankl nasceu em 1905 na Áustria. foi doutor em medicina, filosofia e professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Viena. Interessou-se precocemente pela Medicina, fez estudos paralelos em Filosofia e passou a ser amigo e leitor crítico de Freud, Karl Jaspers, Wilhelm Reich, Heidegger, Adler e outros pensadores com quem discute e reformula suas idéias (FRANKL,1990). Essa informação foi extraída do livro “A Questão do Sentido em Psicoterapia” 1990, p.8.

que dentro de uma tradução literal do termo seria a terapia através do sentido. Sua Logoterapia seria a cura pelo sentido. Ela é um sistema que está baseado em três princípios fundamentais: a busca de um significado, o sentido da vida e a liberdade do querer, ou seja, a coragem. Ela está classificada dentro das categorias da psiquiatria ou da psicologia humanística. A expressão cura começa a mostrar um certo tom religioso em suas postulações. Em seu livro “A Presença Ignorada de Deus”, fica evidente que a logoterapia é uma psicologia que sem perder o rigor científico, introduziu a noção de transcendência no homem. Franz Kreuzer77 diz que Frankl tinha consciência da proximidade que se estabelecia entre sua teoria e a religião. Muito mais do que isso, sabia da posição problemática que assumia com isso num século sem deuses78. Mas proximidade entre sua teoria e a religião tinha

os seus limites, pois acreditava serem duas áreas separadas uma da outra. Muito embora a logoterapia reconhecesse a dimensão religiosa do homem, ela defendia que, quanto ao terapeuta, médico ou quem quer que seja que se importe com a alma, deveria manter uma certa neutralidade frente às questões religiosas, neutralidade no sentido de respeitar as crenças do paciente, de não interferir no que para este é verdadeiro e não no sentido de desprezar ou ignorar.

A Logoterapia não teve como intuito se tornar um substituto para a religião. Frankl mesmo dizia que a função da religião era salvar a alma, enquanto que a logoterapia buscava a cura da alma79.

Não resta dúvida de que sua teoria caminhava em direção a religião, enquanto um fenômeno humano presente e persistente na história. O inconsciente

77Cf. essa informação no livro “A questão do sentido em psicoterapia”, 1990, p.9.

78No segundo capítulo ao falar do contexto histórico do fim do século XIX, percebeu-se nitidamente

essa questão da ausência dos deuses uma vez que se proclamava naquela época tanto a morte de Deus quanto a não pertinência das instituições religiosas para o homem. Frankl se depara com esse cenário mesmo estando no século XX.

espiritual defendido por ele, essa religiosidade inconsciente ou ainda, o inconsciente transcendental estavam todos incluídos na dimensão religiosa do homem. Para Frankl essa dimensão religiosa é a que busca e encontra um sentido, um significado para a vida. Ver-se-á mais adiante, num diálogo entre suas idéias e as de Jung, que esse sentido pertence às questões últimas da alma humana, sendo visto como valor de sobrevivência para o indivíduo.

Nessa questão da importância que Frankl dá à religiosidade no homem ligada ao sentido de vida, pode ser entendida a partir do fato de que ele percebeu que os resultados logoterapêuticos eram aumentados através da via religiosa. Não somente isso. Ele, citando Albert Einstein, dizia que a própria indagação sobre o sentido da vida já era uma atitude religiosa. A atitude religiosa é a crença no meta-sentido. No seu pensamento, a religião poderia ser entendida como a realização de uma “vontade de sentido último” ou o próprio ser que encontra o sentido último em Deus e sente-se ancorada no absoluto80.

(...) a logoterapia encontra sua legitimidade no fato de que ela não se ocupa apenas da vontade de sentido; mas também da busca de um sentido final, um meta-sentido. E a fé religiosa é, em última análise, a crença no meta-sentido (FRANKL, 1978, p. 257-258).

Angerami diz: “Frankl faz uma convergência em sua obra trazendo Deus para a reflexão e compreensão do homem. Deus é visto como sendo o “inconsciente em sua manifestação mais suprema” (1985, p. 61). Na verdade, com isso, Frankl e Jung ampliaram o conceito de inconsciente freudiano ao tentar mostrar empiricamente que muito além de um inconsciente impulsivo presente no homem, há um inconsciente espiritual que anseia por se realizar. Isso quer dizer que não há somente uma sexualidade inconsciente, como há igualmente uma religiosidade inconsciente. Aqui, de certa forma, já se estabelece uma relação das idéias de

Frankl com as de Jung, ou seja, a admissão de que haja uma dimensão espiritual no inconsciente do homem. Aqui se vê também a aproximação que estes dois estudiosos fizeram entre a ciência e a teologia, entre Deus e o inconsciente, a identificação existencial do homem com Deus81. A neurose, segundo o ponto de vista deles, é em muitos casos um reflexo da ausência do sentido, e somente a redescoberta do sentido pode servir como o motivo de cura. Frankl faz uma afirmação muito forte quanto a essa religiosidade inconsciente:

Embora seja certo que o homem não pode ser compreendido senão a partir de Deus, não é menos certo que frequentemente o acesso a Deus só pode ser encontrado a partir do homem. Se tivermos de indicar a outro o caminho que leva a Deus, não podemos tomar por base o racional mas o emocional. No fundo de nosso ser há uma aspiração tão irresistível que não pode ser referida senão a Deus (1978, p. 274).

Dessa forma, como se vem construindo o seu pensamento, Frankl associa Deus ao sentido de vida, o emocional como o caminho para perceber a existência de algo que supera o homem e que está na hierarquia dos valores mais altos do que o eu. Seria uma relação com algo que não é uma coisa, mas alguém, uma pessoa que supera a própria pessoa, sendo então, uma super-pessoa. Essa mesma idéia de relação se vê em Jung quando este se refere ao Self. O self é este algo de constituição transcendente, que aponta para um valor que está acima na hierarquia dos demais valores e anseios humanos. Assim, o sentido não pode ser dado, mas deve ser encontrado, não deve ser somente encontrado, mas que pode

81 Está sendo citado o termo Deus dentro do pensamento da Frankl por isso pensa-se ser necessário

dizer o que é que ele entende por isso. É necessário lembrar da definição que foi feita nos dois primeiros capítulos em Jung pois já ajudará em muito a compreensão por haver enormes semelhanças. Frankl diz assim: “Embora não aderindo a credo ou confissão, tenho-me inclinado de novo nos últimos anos, para a tese que por muito tempo defendi e tive a oportunidade de expressar, em 1946, em Artzliche Seelsorge, de que talvez a melhor maneira de definir Deus seja como o interlocutor de nosso diálogo interior mais íntimo. Na prática, isso quer dizer que quando alguém, na sua mais completa solidão e com o máximo de honestidade para consigo mesmo, pensa e fala no plano da interioridade, está se dirigindo verdadeiramente a Deus (tibi cor meum loquitur). Pode ser crente ou ateu, pouco importa, porque “operacionalmente” Deus se define como aquele com quem, de uma maneira ou de outra, nós falamos” (1978, p. 258).

ser achado. Esse encontro dá-se em si-mesmo. Para Frankl é a coragem e a responsabilidade pela própria existência em atribuir um sentido apesar das circunstâncias. Para Jung, tal sentido será também a partir de uma coragem e de uma responsabilidade em individuar-se: ou seja, buscar encontrar um sentido de acordo com o que se é verdadeiramente lá dentro de seu ser.

Quando o homem não acha ou não encontra esse sentido, ele adoece mesmo que tudo ao seu redor esteja em ordem. Embora as coisas estejam completas ao seu redor, a pessoa sofre daquilo que Frankl chamou de “Vazio existencial”. Tanto Jung como Frankl souberam entender e deixar muito claro que nem todas as neuroses tinham como causa a falta de sentido. Mas afirmaram também que em muitos outros casos as pessoas estavam neuróticas porque mesmo tendo tudo ao seu redor, a alma delas não havia encontrado um significado para viver. O contrário também era verdadeiro como se verá adiante na experiência que Frankl teve nos campos de concentração: pessoas que perderam tudo, que caminhavam para a morte, onde as coisas ao redor estavam desestruturadas, mas que mesmo assim enfrentaram tudo com a dignidade que pertence somente àqueles que encontraram sentido em algo para as suas vidas.

Esse é um dos motivos pelos quais o tema do sentido da vida vai surgir e permanecer nos escritos dele.