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A INDUSTRIALIZAÇÃO DE PIRACICABA/SP E A GÊNESE DO SETOR DE BENS DE CAPITAL: DA OFICINA A

GRANDE EMPRESA INDUSTRIAL CAPITALISTA

No bojo das discussões sobre o desenvolvimento regional encontramos uma vasta gama de abordagens, cada qual a sua maneira, explica e evidencia as características prioritárias dos seus recortes espaciais. É nesta complexidade que se encontra fixado este primeiro capítulo, ou seja, pretendemos nele proporcionar uma interpretação do desenvolvimento regional e suas articulações, procurando dar conta de uma abordagem totalizadora. Esta pretensão, no primeiro momento, parece descabida àqueles que desconhecem o método marxista de análise, entretanto, buscamos interpretar as transformações sociais e econômicas ocorridas na região de Piracicaba/SP (Alta Paulista) mediante essa abordagem e reconhecendo sua complexidade, almejamos aproximar o máximo possível de uma visão ortodoxa do marxismo13.

A totalidade é a força motriz que conduz o processo histórico, o qual é igualmente a força. Mas, uma força movida pelos imperativos da totalidade, que se extinguem quando a realidade social é por seu intermédio modificada,transferindo às formas geográficas uma função (SANTOS, 1978). O processo “morre” quando atinge seu objetivo, porém, no mesmo momento, outro processo surge e move os anseios da sociedade (totalidade), tornando-o contínuo e mutável, numa dinâmica dialética entre a totalidade e suas partes constitutivas. Assim, a relação com o todo é fundamental por condicionar as determinações das formas objetivas de todo objeto, por conseguinte, toda mudança essencial se manifesta como transformação de relação para com a totalidade, consequentemente, como mudança da própria forma de objetividade (LUKACS, 1981).

Portanto, quando nos debruçamos sobre o nosso objeto de estudo percebemos que a variação contínua entre as relações do geral com o

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Quando nos referenciamos ao marxismo ortodoxo estamos reafirmando o método marxista, o qual apresenta elementos interpretativos que dão luz à realidade concreta, segundo Lukacs (1981, p.60), “a ortodoxia, em matéria de marxismo,

refere-se ao contrário e exclusivamente, ao método”, ainda de acordo com o mesmo

autor, “esta ortodoxia não é a guardiã de tradições, mas a sentinela avançada e

anunciadora da relação entre o momento presente e suas tarefas com referencia à totalidade do processo histórico” (LUKACS, 1981, p. 81).

particular determina as características únicas das diversas formações sociais e das suas regiões específicas. Desta forma, vamos buscar compreender como o município de Piracicaba/SP, localizado na média Depressão Periférica paulista, transfigurou-se ao longo do tempo, quais as determinantes da totalidade que influenciaram dialeticamente suas formas, ao ponto de ser capaz de originar um processo considerável de industrialização, com destaque para as indústrias de bens de capital ligadas ao setor bioenergético.

A ideia central a ser desenvolvida é mostrar como uma cidade/região se transmuta ao longo do tempo, passando de relações de produção essencialmente pré-capitalistas para relações predominantemente capitalistas. O resultado é uma alta concentração do setor industrial, tornando-se um espaço dotado de características modernas no que tange o desenvolvimento da capital industrial brasileiro. Sendo assim, o recorte temporal vai da gênese (século XVIII) até meados do século XX, mesmo sabendo da arbitrariedade desse corte, temos consciência que o mesmo indica características da atualidade, apesar de não as sustentar profundamente, pois tal realidade passou por intensas transformações sociais e econômicas de várias intensidades. Entretanto, abre janelas para os próximos capítulos que lhe seguem14·.

Contudo, ao destinar forças para se realizar um trabalho de “retrospectiva”, devemos inseri-lo em uma história do presente, pois uma análise do passado só é socialmente válida quando ajuda as “forças em desenvolvimento a se tornarem mais conscientes de si mesmas e, portanto, mais concretamente ativas e operosas” (GRAMSCI, p. 37, 2002). O julgamento deve ser feito no sentido de contribuir com o presente, a necessidade de voltar à gênese está na permanência de substratos concretos ainda interferindo no curso homogêneo das forças capitalistas. Desse modo, Marx (p.58, 2011) reitera que “a própria sociedade burguesa é só uma forma antagônica do desenvolvimento, nela são encontradas com freqüência relações de formas precedentes inteiramente atrofiadas ou mesmo dissimuladas”. Por meio dessa afirmação, a chave interpretativa deve ser analogamente estruturada a

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A parte inicial destina-se a analisar as relações de produção pré-capitalistas que entram em contradição pelo avanço das forças produtivas, causando a dissolução de parte das relações menos desenvolvidas até que as relações capitalistas predominem. Tal processo evidencia a noção de transição, que é criteriosamente desenvolvida por Karl Marx, Maurice Dobb e Brenner. Esses estudiosos baseiam-se na observação do movimento constante das contradições, identificando, assim, as relações pré- capitalistas nas diversas dimensões que esta atinge no interior da formação social.

partir do estudo detalhado do homem, pois é dele que se compreende o macaco, ou seja, o desenvolvimento histórico se baseia no fato de que a última forma considera as formas precedentes como momentos até a sua constituição (MARX, 2011).

Tais sedimentos são mais latentes em formações sociais que apresentaram o chamado processo de revolução passiva, isto é, transferência de modos de produção feita “por cima”, sem a adesão ou com adesão mínima das massas, gerando uma realidade espacial complexa. Por fim, o presente esforço não resultará em grandes mudanças de barreiras analíticas, não tem a pretensão de solucionar problemas de grande envergadura dentro ou fora da Geografia. Entretanto, assume de início o objetivo de contribuir e de ser útil no quadro geral deste trabalho, sendo integrador e complementar dos capítulos seguintes, para que o todo demonstre as contradições existentes na sociedade brasileira, que mesmo transparecendo um parque industrial diversificado e moderno, ainda patina no desenvolvimento tecnológico e nas exportações de maior valor agregado.

Desta forma, o primeiro capítulo demonstrará e analisará o processo de desenvolvimento da indústria de bens de capital de Piracicaba/SP, que passa pelas diversas fazes da “evolução” produtiva, partindo de uma forma simples, quase uma manufatura, para o estágio de uma grande empresa industrial capitalista altamente diversificada e com gerência especializada. Desse modo, nosso desafio é mostrar como e quando essas estruturas produtivas evoluíram e quais eram os fatores correlacionados a elas que mais influenciaram nesse processo.

1.1.AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E ECONÔMICAS QUE LEVARAM A CONFORMAÇÃO DO CAPITALISMO NA REGIÃO

Uma interpretação geográfica do processo de desenvolvimento de uma localidade só será realmente significante quando realizada como parte de um estudo regional (e esta região vista em correlação com outras escalas). No caso, a apreensão mais profunda da evolução da formação espacial do município de Piracicaba/SP deve ser buscada forçosamente nas relações sociais de produção que dirigiram a vida da

Capitania Real de São Paulo15. Assim, “sua existência se liga intimamente à vida da zona capitaneada por Itu, nos primeiros tempos; e depois disso à vida da zona de povoamento principiando, dos campos de Araraquara, do centro-oeste paulista, para qual Piracicaba serviu por muito tempo de boca-de-certão.” (NEME, p.23, 1974).

Nos seus primórdios, Piracicaba/SP era totalmente dependente das relações com a vila de Itu, com a qual apresentava dependência social, econômica, religiosa, administrativa e jurídica , sendo o local de origem de seus primeiros moradores. Mas, no curso de sua história, passa a orientar e a comandar o povoamento de todo imenso território que se estende pelos dois lados do rio Tietê a jusante (NEME, 1974). É a partir de seus primeiros moradores, organizados pelo capitão- povoador16, que se direcionaram as novas incursões para o sertão, pelos caminhos dos Campos de Araraquara e do roteiro da Vacaria até alcançar os cursos de água dos rios Grande e Paraná, ambiente que, até então, era pouco habitado e onde se encontrava fugitivos e posseiros em vida isolada (NEME, 2010).

No ano de 183617, Piracicaba contava com uma pequena vila de doze quarteirões e com 10.291 habitantes espalhados por um extenso território que compreendia os distritos de Limeira, Rio Claro, Santa Bárbara e Pirassununga18. No entanto, as pessoas eram distribuídas desigualmente sobre esta área, que estava posta aos cuidados da Câmara Municipal de Piracicaba (NEME, 2010).

Paralela e articulada a esse contexto, a povoação de Piracicaba se relacionava intensamente com alguns núcleos de povoamento

15A Capitania Real de São Paulo até o final do século XVIII era constituída por um vasto território, o que valeria dizer hoje aproximadamente, em uma porção territorial que poderia ser composta pelas cidades de Cuiabá/MT ao Norte/Oeste e ao Sul a cidade de Lajes/SC.

16 O capitão-povoador foi Antonio Correa Barbosa, segundo Mario Neme (1974, p. 23,), esse “abre estradas por terra. Manda desmatar, suas funções crescem tanto em

importância que se torna atrabiliário, prepotente. Mais que isso, insubordinado.”

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Vale a pena lembrar que Piracicaba era denominada por Vila Nova da Constituição, em homenagem a constituição do ano de 1822, que tinha como precedentes as reuniões das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa de 1821 a 1822.

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Algumas localidades se tornaram importantes municípios do Estado de São Paulo, com grande concentração populacional e grande dinâmica econômica, como, por exemplo, o município de Rio Claro, com uma população de 186.253 habitantes e com concentração industrial de 620 estabelecimentos e o município de Limeira, com 276.022 habitantes e com concentração industrial na ordem de 1.362 estabelecimentos (SEADE, 2010).

avançados, como a colônia militar de Iguatemi no interior do atual Estado do Mato Grosso do Sul e com a zona mineradora de Cuiabá, ambas se interligavam por precários caminhos terrestres (picadão) e pelos cursos das águas dos rios interioranos (PERECIN, 1994). Portanto, discutir a formação de Piracicaba é revisitar elementos de uma formação regional, que até os dias de hoje apresenta similitudes e ligações socioculturais muito próximas (vide mapa 01).

Mapa 01. Localização da região de Piracicaba no contexto do século