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As crianças brasileiras estão em toda parte. Nas ruas, à saída das escolas, nas praças, nas praias. Sabemos que seu destino é variado. Há aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras, simplesmente usadas. Seus rostinhos mulatos, brancos, negros e mestiços desfilam na televisão, nos anúncios da mídia, nos rótulos dos mais variados gêneros de consumo.

"História das Crianças no Brasil" (PRIORE, 2007, p. 08).

De acordo com a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990) que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º: "Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade".

A infância e a adolescência, além de nomear um período de vida do homem, devem ser compreendidas em diferentes aspectos. Há diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais que corroboram para diferentes conceitos de infância e adolescência de acordo com o espaço e o tempo que ela ocupa. É necessário considerar o contexto e as referências ao entorno da infância para uma aproximação do conceito, pois está articulada a época, classe social e etnia (PRESTES, 2008). Até os anos 80 no Brasil, a infância e a adolescência eram contempladas especialmente pela prática de irregularidades, que focava a punição da conduta como objetos de medidas judiciais como prescrevia a já revogada Lei nº 6.697/1979 (BRASIL,1979), chamada de Código de Menores. Foi considerado por muitos

doutrinadores de Código Penal de Menores, pois praticamente não lhes assegurava direitos.

A política social implícita no ECA, aprovado pelo Congresso Nacional pela Lei 8.069/90, mais do que regulamentar as conquistas em favor das crianças e adolescentes na Constituição Federal, veio promover um importante conjunto de revelações que extrapolam o campo jurídico, desdobrando-se e envolvendo outras áreas da realidade política e social do Brasil. A primeira foi a concepção de que as crianças e adolescentes são definidos como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”, ou seja, que estão em idade de formação e por isso necessitam da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da sociedade e do Estado. Crianças e adolescentes são definidos como “sujeitos de direitos”, significando que não podem mais ser tratados como objetos passivos de controle por parte da família, do Estado e da sociedade (BRASIL, 1990; FROTA, 2002). O ECA foi criado a partir de amplas discussões e estudos de diferentes segmentos da sociedade. Reforça a proteção integral de todas as crianças e adolescentes, assegurando-lhes a condição de pessoas em desenvolvimento e que gozam de direitos e deveres, marcando um novo paradigma que coloca crianças e adolescentes como sujeitos de direitos (CARBONERA, 2000).

É importante que, no processo de desenvolvimento humano, crianças e adolescentes tenham acesso ao convívio com adultos acolhedores, preferencialmente familiares; ao sentimento de pertença a um grupo social; à educação formal; às ações de promoção, proteção e recuperação da sua saúde; ao desenvolvimento e à qualificação profissional; e à possibilidade de realização de seus projetos de vida, reconhecendo os fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que influenciam sua exequibilidade (BRASIL, 2014).

Para Gomes e Costa Filho (2013), mesmo com os avanços já alcançados no Brasil, verifica-se ainda uma situação social deplorável em relação à infância e adolescência. A exploração do trabalho infantil, os abusos e exploração sexual ainda demandam uma atuação séria e constante por parte, sobretudo, do governo e da sociedade. Constatam-se também muitas crianças e adolescentes vivendo em condições de extrema pobreza e vulnerabilidade.

Para Ayres (1996) a noção de vulnerabilidade social reconhece que diferentes indivíduos ou grupos populacionais apresentam suscetibilidades diferenciadas frente a determinados aspectos ligados à saúde, decorrentes das dimensões sociais, político-institucionais e comportamentais.

Inicialmente pensada para avaliar o risco de qualquer indivíduo contrair HIV pelo conjunto formado por certas características individuais e sociais de seu cotidiano consideradas relevantes para maior exposição ou menor risco de enfrentar o problema, a noção de vulnerabilidade se estendeu para outras questões como a da violência e uso de drogas (AYRES, 1996).

Segundo Mann e Tarantola (1996 apud, SODELLI, 2015), foram definidos três planos interdependentes de determinação da vulnerabilidade: a individual (cognitiva e comportamento pessoal), a social (contexto social) e a programática (programas nacionais, estaduais e municipais).

No Brasil, segundo Sierra e Mesquita (2006), algumas das principais vulnerabilidades que acometem as crianças e os adolescentes são:

 os riscos inerentes à dinâmica familiar (problemas relacionados ao alcoolismo e conflitos entre casais, que tornam crianças testemunhas de agressões, traumas, abusos, carência afetiva, etc.);

 os riscos relacionados ao lugar de moradia (precariedade da oferta de instituições e serviços públicos, a falta de disponibilidade dos espaços destinados ao lazer, as relações de vizinhança e a proximidade da localização dos pontos de venda controlados pelo tráfico de drogas);

 os riscos relacionados à forma de repressão policial às atividades do tráfico de drogas e violência urbana;

 risco do trabalho realizado pelas instituições que os recebem (abusos praticados por profissionais, estratégia de funcionamento que exclui a participação social);

 riscos à saúde (ausência de um trabalho de prevenção e o acesso ao atendimento médico hospitalar)

 os riscos do trabalho infantil (muitas crianças são exploradas pela própria família no trabalho informal)

 os riscos da exploração e prostituição infantil

 riscos inerentes à própria criança ou adolescente (personalidade, comportamento)

Na esfera social, a interação grupal é perceptível, já que o adolescente busca pertencer a um grupo com o qual se identifique e passa a compartilhar valores comuns. Nesse período, a família deixa de ser a única referência e os amigos passam a ter influência importante e significativa nas suas decisões e atitudes (CAVALCANTE; ALVES; BARROSO, 2008). Amato (2010) acrescenta que a adolescência é um período de consolidação de valores, busca por novas experiências, desejo de maior autonomia, e procura por desafios, caracterizando esta etapa como a fase das muitas oportunidades.

Quando se trata da questão do uso de SPA, muitos estudos focam especificamente a população de adolescentes, seus comportamentos de risco, situações de vulnerabilidade e reconhecem a adolescência como uma fase de intensas mudanças, física, psíquicas, no comportamento que refletem também nas relações socais (FEIJÓ; OLIVEIRA, 2001; CASTRO; ABRAMOVAY, 2004; SILVA; MICHELI, 2011; PRATI; KOLLER, 2015).

A literatura aponta ainda que, entre os fatores que contribuem para o envolvimento do adolescente com o consumo de drogas lícitas, destacam-se o apelo dos meios de comunicação, a aceitação social e o envolvimento familiar com o uso de tal substância (GONÇALVES, 1998; CAVALCANTE; ALVES; BARROSO, 2008).

Segundo Minayo e Schenker (2005), o uso de drogas é uma questão complexa que perpassa inúmeros subsistemas da vida individual e social. As representações sociais que levam à adesão ou à condenação dependem do contexto sociocultural. Os constrangimentos impostos numa determinada cultura são diversos em outras. Então, é necessário compreender os códigos do contexto e a rede de significados que envolvem a sociedade em geral, os grupos específicos dentro de determinado tempo histórico.

Além da dificuldade de se pensar social e politicamente a questão da droga com a população aqui discutida, no campo da saúde encontram-se também entraves, pois estabelecer o diagnóstico de abuso ou dependência de substâncias entre crianças e

adolescentes é um desafio, visto que essa terminologia foi desenvolvida para adultos, com poucas evidências de sua conveniência para adolescentes (KAMINER, 1994). Além disso, essa questão traz ainda mais desafios quando se considera a população de crianças e adolescentes em situação de rua.