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"Ser terapeuta ocupacional é acreditar que todas as pessoas são capazes, independente de sua condição. É olhar o ser humano como alguém que se constrói e se transforma pelo sua ação significativa, consciente, em um contexto social, histórico e cultural. Ser terapeuta ocupacional é estudar profundamente a ação humana nos diversos momentos da vida e desenvolver estratégias para que cada pessoa possa tomar posse do seu fazer, a partir de seus desejos, expectativas e necessidades.” (Celina Bartallotti)

A Terapia Ocupacional é um campo de conhecimento e intervenção em diferentes âmbitos, como o da saúde, o social e o da educação. Faz uso de recursos e procedimentos com o propósito de alcançar a emancipação e a autonomia de indivíduos que, devido a problemáticas temporárias ou definitivas, sejam de ordem física, mental, sensorial, social ou psicológica, apresentem alguma dificuldade de inserção na vida social. As intervenções da terapia ocupacional são dimensionadas pelo uso de atividades, sendo este o elemento central e orientador na complexa e contextualizada construção do processo terapêutico (BARROS; RODRIGUES, 2011).

Para Benetton (1994):

"Terapia Ocupacional é a arte de aplicar conhecimentos científicos, empíricos e certas habilidades específicas decorrentes do uso de atividades, à criação de estruturas, dispositivos e processos que são utilizados para converter recursos físicos, psicológicos e sociais em formas adequadas à prevenção, manutenção e tratamento em saúde, educação, na área social e demais correlatas."

A Terapia Ocupacional nasceu da/na/para a prática, delineando-se como profissão após o reconhecimento da eficácia de tais práticas. Ampliou-se para múltiplas áreas de atuação, desenvolvendo técnicas e fundamentações teóricas a partir das

especificidades de cada especialidade. Desenvolveu uma diversidade de métodos, técnicas, objetivos e concepções de "atividade", sustentando-se, ao longo de sua história, em alguns princípios básicos: preocupação com o campo ocupacional e/ou atividade humana; busca de autonomia, desenvolvimento de potencialidade e habilidades; inserção e participação social, qualidade de vida e exercício de cidadania; adequação de técnicas de utilização da atividade como instrumento de tratamento e/ou transformação do homem e seu ambiente e; uso da atividade como forma de expressão e comunicação (FERIOTTI, 2013).

Para Furtado e Marcondes (2014):

"As atividades humanas são os principais instrumentos de trabalho e também aquilo que nos identifica enquanto terapeutas ocupacionais. Portanto, o entendimento sobre ela e sua aplicação devem ser estudados em sua completude e complexidade nos aspectos históricos, políticos, sociais, culturais, estético e ético pelos terapeutas ocupacionais."

Em seu Método Terapia Ocupacional Dinâmica, Benetton (2006) contextualiza atividades numa relação triádica, sendo o terceiro termo de uma relação que ocorre a partir do pressuposto que existe um terapeuta ocupacional e um indivíduo que apresente qualquer tipo de motivo, necessidade ou vontade de se encontrar para fazer terapia ocupacional. Afirma ainda que, por meio das atividades, é possível tratar, educar, ensinar, organizar, alterar o ambiente e incluir pessoas em um sistema que permita integrações e interações. Para a mesma autora, o sujeito-alvo da terapia ocupacional está geralmente colocado à margem de um cotidiano pessoal e/ou social. Sendo assim, de acordo com a autora, a exclusão social é a problemática de partida da população-alvo da terapia ocupacional, que tem como objetivo final a inserção e participação social.

Considerando os princípios básicos que sustentaram a Terapia Ocupacional em seu desenvolvimento, pode-se considerar as questões relativas à atividade humana ou ao campo da ocupação como questões nucleares, indicativas de seu objeto, que pode receber diferentes tratamentos em diferentes contextos dependendo das circunstâncias culturais, filosóficas, científicas e históricas da produção de conhecimento (FERIOTTI, 2013).

De acordo com Moraes (2008), o terapeuta ocupacional deve ser ativo em possibilitar que os desejos sejam sustentados, mas em muitos momentos ele também precisa ser ativo na criação de desejos. Durante a realização das atividades a observação do terapeuta é um importante instrumento de intervenção, pois é a partir dessa observação que o terapeuta ocupacional auxilia o sujeito na construção de ligações entre o pensar, o fazer, o sentir e o ser. Com a observação e o raciocínio clínico do terapeuta ocupacional vão se construindo elos entre um fazer e outro, entre um mesmo jeito de fazer e um novo modo de fazer, entre as possibilidades e habilidades. Durante o processo de terapia ocupacional espera-se que o setting seja um espaço de criação de possibilidades, de fomentação de desejos.

Segundo Matsukura (2007), a atuação do terapeuta ocupacional com a população de crianças e adolescentes, inicialmente, estava baseada no desenvolvimento da reeducação e da psicoterapia pedagógica e psicanalítica e nas teorias de aprendizagem. No campo da saúde mental, a terapia ocupacional iniciou suas ações junto às pessoas em sofrimento psíquico, tanto adultos quanto crianças e adolescentes, institucionalizados em hospitais psiquiátricos e nas instituições filantrópicas e particulares voltadas a essa população (BUENO, 2013). Para Wachholz e Marrotti (2009), com a Reforma Psiquiátrica, o terapeuta ocupacional passou a integrar também equipes multidisciplinares e mostrou sua importância no processo de reconstrução de redes substitutivas ao modelo hospitalocêntrico que visavam a reabilitação psicossocial, já que, por meio de sua prática, o terapeuta ocupacional visa a independência dos indivíduos em suas áreas de desempenho e nos contextos em que estão envolvidos.

Malfitano (2005) aponta que a desinstitucionalização, acompanhada de intervenções no âmbito territorial, impulsiona a repensar a prática profissional e insere o eixo da cidadania na composição do escopo da visão do terapeuta ocupacional.

Com relação à clínica da infância, Pellegrini (2008) afirma que a população-alvo dessa clínica é a criança que apresenta alguma impossibilidade para brincar, portanto a investigação do terapeuta ocupacional irá se concentrar nos motivos pelos quais essa criança não brinca, seja por algum tipo de sofrimento, limitação (na exploração do ambiente e objetos), por não conseguir se expressar e não ser compreendida, ou ainda por vivenciar um cotidiano muito isolado e restrito ou repleto

de atividades relacionadas apenas à sua condição de doença. Segundo a mesma autora, durante essa experiência é que a criança brinca, experimenta viver situações prazerosas e menos ameaçadoras, possíveis de serem internalizadas e ampliadas para outras relações sociais.

Na clínica da adolescência considera-se que a população-alvo são adolescentes com dificuldades relacionadas à inserção social em diferentes espaços (casa, escola, trabalho, espaços de lazer, entre outros) por dificuldades como limitações (físicas, sensoriais, psíquicas, problemas relacionados ao uso de SPA), sofrimento, dificuldade de expressão, entre outras, causando estreitamento no repertório de atividades (PELLEGRINI, 2008). Cabe ao terapeuta ocupacional investigar as possíveis causas relacionadas à sua condição e proporcionar espaços saudáveis para criação e expressão objetivando a inserção social e a ampliação do repertório de atividades (PELLEGRINI, 2008).

No que se refere às pessoas com necessidades decorrentes do uso de SPA, de um modo geral, essa população pode apresentar problemas de saúde, educacionais e sociais, tais como dependência, ausência no trabalho ou escola, deterioração das relações familiares, dificuldades de inclusão social, predisposição ao crime e à violência, entre tantos outros (PIZZOL et al., 2006). Segundo Oliveira (2007), um dos objetivos da Terapia Ocupacional com a clientela usuária de SPA é o de intervir na (re)construção da história dos sujeitos. Para a autora, o melhor recurso terapêutico está no próprio ato de fazer, oferecendo oportunidades para o indivíduo, uma vez que o fazer constitui, também, o instrumento de conciliação entre o idealizar e oconcretizar.

Pensando no contexto já apresentado, de crianças e adolescentes usuários de SPA, vimos que essa população faz parte de um grupo extremamente vulnerável, excluído da sociedade e, muitas vezes, privados de seus direitos. Vivendo essa condição de exclusão e vulnerabilidade, de acordo com os objetivos da terapia ocupacional já expostos aqui, podemos afirmar que a atuação do terapeuta ocupacional é de extrema importância na composição do cuidado à essa população. Diferentes referenciais metodológicos podem ser utilizados na fundamentação das intervenções terapêuticas ocupacionais para compor o cuidado.

Considerando os pressupostos apresentados e pensando na variedade de possibilidades de configurações da rede intersetorial, cabe perguntar: quais serviços oferecem cuidados à uma população com características tão específicas quanto a de crianças e adolescentes usuárias de SPA? Estes serviços estão articulados em rede? Como os terapeutas ocupacionais estão inseridos nesta rede? Como se dá sua participação nas ações de cuidado à esta população? Este estudo se debruça sobre responder estas questões.

2 OBJETIVOS