• Nenhum resultado encontrado

A infância brasileira, histórica e socialmente mencionada, sempre foi vista como um segmento menor da população.

Miriam L. Moreira Leite, no livro “História Social da Infância no Brasil”, escreve:

A Encyclopaedia Britânica de 1771 inclui um artigo de quarenta páginas sobre obstetrícia, mas limita-se a uma linha para explicar que infant denota uma criança pequena. A infância passa a ser visível quando o trabalho deixa de ser domiciliar e as famílias, ao se deslocarem e dispersarem, não conseguem mais administrar o desenvolvimento dos filhos pequenos. É então que as crianças transformam-se em menores, e como tal, rapidamente congregam as características de abandonados e delinqüentes15.

Esse desprezo pela infância é histórico. Isso fica evidenciado quando se tem conhecimento de que, tanto no Ocidente como no Oriente, as crianças, especialmente as do sexo feminino, foram e continuaram a ser cidadãs de segunda classe, cujas vidas não têm o valor que deveriam ter e cuja sobrevivência merece pouco respeito.

Em 1860, o médico Ambroise Auguste Tardieu, presidente da Academia de Paris, publicou um estudo nos Annales d’ Hygiene Publique et Médecine Légale, no qual teve a coragem de revelar aquilo que sabia a sociedade da época (em particular, os médicos), mas optava por negar: muitas crianças morriam vítimas de seus próprios pais.

Indignado com o que vinha constatando através do seu trabalho, com a indiferença da sociedade e com a omissão dos médicos, Tardieu escreve:

15

LEITE, Mirian L. M. A Infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. p. 17-50 In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997, p. 18.

Desde a mais tenra idade, essas infelizes crianças indefesas tinham tido de sofrer, a cada dia e mesmo a cada hora, as mais cruéis sevícias, de serem submetidas às mais terríveis privações, que suas vidas apenas começadas, não devem ser mais do que uma longa agonia, que graves punições corporais, torturas diante das quais até nossa imaginação recua com horror, devessem consumir seus corpos e extinguir os primeiros raios da razão, encurtar suas vidas e, finalmente, o que é mais inacreditável, que os algozes dessas crianças devessem, no mais das vezes, ser aquelas pessoas que lhes deram a vida – esse é um dos problemas mais terríveis que podem perturbar o coração do homem16.

De acordo com Philippe Ariès, a sociedade medieval não percebeu a infância. Na sua importante obra “História Social da Criança e da Família”, ele sustenta essa tese e afirma:

Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes.17.

Naquela época, o processo de socialização da criança não era assegurado pela família, pois ao separar-se ainda muito cedo dela, a criança aprendia com os jovens e adultos as coisas que deveria saber.

Para Ariès, ao completar sete anos de idade, a criança passava a viver em outra casa. Isso não representava problema algum, pois, naquele período, a afinidade entre pais e filhos ou entre marido e mulher não fazia falta alguma para a existência e o equilíbrio da família, já que as trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas fora da família num momento denso e quente, composto de vizinhos, amigos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens. Dessa forma, as famílias conjugais se diluíram nessa intensa vivência grupal, deixando o processo de socialização dos filhos aos cuidados da comunidade onde viviam.

Todavia, de acordo com Ariès, no final do século XVII – período de transição do feudalismo para o capitalismo – a infância separou-se da vida adulta ante a necessidade da burguesia nascente de educar seus filhos para a vida futura no sentido de prepará-los para as atividades que iriam exercer e também para que pudessem enfrentar o poder da aristocracia.

[...] na idade média a educação das crianças era garantida pela aprendizagem junto aos adultos, e que, a partir de sete anos, as crianças viviam com uma outra família que não a sua. Dessa época em diante, ao contrário, a educação passou a ser fornecida cada vez mais pela escola. A escola deixou de ser reservada aos clérigos para se tornar um

16

TARDIEU apud. AZEVEDO; GUERRA. Infância e violência fatal em família. São Paulo: Iglu, 1998a, p. 40.

17

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores 1981, p. 156.

instrumento normal de iniciação social, da passagem do estado da infância ao do adulto18.

Foi assim que, devido à necessidade de escolarização da infância, a criança deixou de ser misturada com os adultos e de aprender a vida por meio de contatos com eles. Através do processo de escolarização, as crianças eram, a partir de então, mantidas a distância, enclausuradas nos colégios, com o aval das suas famílias. Esse acontecimento provocou a transformação da família e o surgimento de um conceito moderno de infância.

No entanto, de acordo com Ariès, a descoberta da infância, longe de ser um bem para a criança, foi um mal. Arrancada pela escola e pela vida do seio da comunidade adulta, a infância passou a ser um corpo vigiado e disciplinado. Tolhida de viver a vida com liberdade, a infância conheceu a vara e passou a viver sob o signo dos mais severos métodos de educação.

Dessa forma, no transcorrer do século XVII, o novo conceito de infância, ao veicular sobre si a idéia de dependência e subordinação, acabou, trazendo para as crianças maior severidade dos castigos que lhes eram imputados.

Esta severidade acentuada no desejo de quebrantar a vontade da criança através de castigos corporais está ancorada, primeiro, na necessidade de se prestar maior atenção na sua capacitação moral e acadêmica; segundo, no pecado original, razão da criança ser vista negativamente. Isso se deveu aos puritanos, tanto católicos, como protestantes, no século XVII, que, utilizando-se de passagens bíblicas – pode-se ler no livro de Provérbios 13:14 “Aquele que poupa a vara, quer mal ao seu filho, mas o que o ama, corrige-o continuamente”19; 23:14 “Castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos20” – tentaram justificar seus atos de violência contra a criança.

Estes são, na verdade, textos usados isoladamente, carentes de estudos contextualizados e de um exame exegético profundo. Pode-se comprovar isso quando se lê em Provérbios 19:18 “Corrige teu filho enquanto há esperanças, mas não te enfureças até fazê-lo perecer”21. Neste texto, percebe-se uma intenção implícita: corrigir com cuidado, sem excesso, com equilíbrio. No mesmo livro, mas no capítulo 22:6, lê-se: “Ensina a criança o caminho em que deve andar e ainda quando for velha não se afastará dele”22. O verbo castigar dos textos anteriores, aqui, é substituído pelo verbo ensinar e, mais importante ainda, em todo o Novo

18

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores 1981, p. 156.

19

BIBLIA SAGRADA. Livro de Provérbios. 68. ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 2007.

20 Ibidem. 21 Ibidem 22 Ibidem

Testamento, nos ensinamentos de Jesus, não há qualquer idéia de punição para as crianças, pois que sua mensagem é centrada no amor. Estas distorções bíblicas têm origem no despreparo para se entender o texto e são usadas, muitas vezes, como justificativas e pretextos dos que praticam violência contra crianças.

Retornando a Ariès, percebe-se que ele defende a tese de que, na maioria das sociedades, as crianças integram-se muito cedo à vida da sociedade adulta e que essa integração era boa para as crianças. O processo de segregação, por sua vez, era um traço particular da sociedade burguesa, considerado indesejável porquanto roubou da criança a liberdade e, mais do que isso, impôs-lhe os castigos corporais.

Já o psico-historiador Lloyd De Mause, percorrendo caminho inverso, diz:

A História da Infância, entendida mais exatamente como a História da Puericultura, no Ocidente, registra uma relativa suavização nas relações pais-filhos, da Antiguidade ao século XX, começando numa época em que se matava, se abandonava, se expunha, se maltratava, se descuidava das crianças, chega-se às idéias contemporâneas em que os pais se sacrificavam pelos filhos. [...] A história da infância é um pesadelo do qual recentemente começamos a despertar. Quanto mais atrás regressarmos na História, mais reduzido o nível de cuidado com as crianças, maior a probabilidade de que houvessem sido assassinadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas sexualmente23.

Quando se faz uma comparação entre as teses de Ariès e de De Mause, observa-se que o primeiro sustenta que a criança tradicional era feliz e vivia misturada com os adultos até que uma condição especial - a infância - foi inventada, o que resultou num conceito tirânico de família, o qual destruiu a liberdade da criança impondo-lhe a separação dos adultos e castigos severos.

Partindo de uma tese oposta, De Mause mostra que, na verdade, a situação das crianças foi gradativamente melhorando através dos séculos, notadamente, a partir do século XVIII.

Embora opostas, as teses de Ariès e Lloyd De Mause mostram que o caminho historiográfico a ser percorrido, até que se possa afirmar qual período da história foi mais marcado por violência doméstica ou não, é muito longo e estará sempre a demandar revisões. No entanto, dados coletados nas fontes históricas, trazem fortes evidências no sentido de que, à medida que o processo civilizador avançava, novos habitus iam sendo criados e, desse modo, avançavam à medida que a família se reestruturava em função das transformações políticas, sociais, econômicas; de acordo com os pressupostos de Lloyd De Mause, a vida das crianças, aos poucos, ia também sendo protegida.

23

DE MAUSE, apud AZEVEDO; GUERRA. Infância e Violência Fatal em Família. São Paulo: Iglu-Editora, 1998a, p. 21.

As pesquisas realizadas, especialmente, a pesquisa documental de natureza bibliográfica, têm caracterizado a infância não como uma fase biológica da vida, mas sim como uma construção cultural e histórica. Neste sentido, compreender, na perspectiva da História, o desenvolvimento da infância brasileira é, acima de tudo, compreender suas representações sociais existentes na segunda metade do século XIX.

Miriam L. Moreira Leite, no livro organizado por Marcos Cézar de Freitas, analisa a situação da infância brasileira a partir das memórias e livros de viagem. De acordo com ela:

No século XIX, criança por definição, era uma derivação das que eram criadas pelos que lhe deram origem. Eram o que se chamavam “crias da casa”, de responsabilidade [nem sempre assumida inteira ou parcialmente] da família consangüíneo ou da vizinhança. [...] O estudo da criança no século XIX, é dificultado pela escassez de estudos de demografia histórica. [...] No caso de dados quantitativos, as crianças como as mulheres, têm a sua inserção no grupo familial configurada muitas vezes pela ocultação no interior do grupo. Apesar de os trabalhos estatísticos às vezes adotarem uma abordagem microanalítica, perseverante e minuciosa, as denominações adotadas para designar os dados são freqüentemente ambíguas e disfarçam preconceitos raciais tradicionais e de classe. Lembre-se que crianças “sem pai” podem ser órfãos, filhos ilegítimos, e expostos ou ter um pai ausente. A denominação de “bastardos”, com todas as conotações do termo, pesa sobre elas como um decreto de exclusão24.

Maria Luiza Marcílio, descrevendo a situação da infância brasileira na segunda metade do século XIX e o papel que desempenhou a roda dos expostos na vida destas crianças, afirma:

A roda de expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos enjeitados25.

Expostos ou enjeitados, estes meninos e meninas acolhidos pagavam com todo tipo de sofrimento, pelo falso moralismo patriarcalista engendrado na cultura do povo brasileiro através da colonização. Na verdade, a roda dos expostos objetivava muito mais resguardar os interesses dos adultos do que proteger a vida das crianças. Muitas eram colocadas nas rodas dos expostos, porque os senhores ricos, donos de escravos, desejando os serviços das mães como amas-de-leite, exigiam delas que abandonassem seus filhos, enviando-os às rodas dos enjeitados. Mas não era só isso. Em inúmeras situações, os enjeitados eram filhos dos próprios

24

LEITE, Mirian L. M. A Infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem, p. 17-50. In, FREITAS. Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997, p. 18-19.

25

MARCÍLIO, Maria Luiza, A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil, 1726 -1950. In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997, p. 51.

senhores ricos com suas escravas. A situação de abandono e a qualidade de vida dessas crianças eram tão aviltantes que muitas morriam vítimas do descaso.

Inventado na Europa Medieval, o sistema de rodas dos expostos tinha como pressuposto norteador de suas ações a proteção do expositor das crianças, garantindo-lhe o anonimato. Para que o sistema funcionasse a contento, Miriam L. Moreira Leite, esclarece o seguinte:

O engenho para receber as crianças consta de um cilindro oco e vertical, e girando em torno de um eixo. Um terço dele é coberto para dar acesso ao interior, e o fundo é coberto com uma almofada. O aparelho é constituído de tal modo que é impossível aos de dentro verem os do lado de fora26.

Ao analisar a infância no século XIX segundo memórias e livros de viagens, Miriam L. Moreira Leite o faz a partir dos escritos de 38 viajantes do sexo masculino e 8 mulheres, sendo que, no caso das memórias, seu estudo se baseou em 3 mulheres e 2 homens.

Mesmo reconhecendo o perigo que se corre ao se ter como verdade as representações que homens e mulheres estrangeiros formavam do povo brasileiro e de sua cultura, ela cita diversos trechos de escritos desses viajantes e memorialistas a respeito de diversas regiões do nosso país.

Um desses viajantes conta sua experiência a respeito da sua curiosidade e de seu contato com uma dessas rodas de expostos:

Caminhei por toda a extensão da Rua Santa Tereza sem perceber nada, mas voltando, uma placa de apenas algumas polegadas sobre uma porta fechada de um edifício normal, chamou a minha atenção. A inscrição era clara: “Expostos da Misericórdia n° 30”. Enquanto a lia, veio de dentro um rumor de confirmação. A única janela da fachada era próxima à porta e era, de fato, o receptáculo. O que eu tomara, quando passei pela primeira vez, por um postigo verde, vi agora que era ligeiramente encurvado. Toquei-o e sua abertura girou rapidamente e logo uma sineta, ligada à roda, soou no interior violentamente. Hesitei por um momento, mas quando os moradores de uma casa do lado oposto abriram suas janelas para ver quem estava abandonando ali um enjeitado à plena luz do dia, bati rapidamente em retirada27.

A história da roda dos expostos se confunde com o surgimento e a história das confrarias de caridade, no século XII, que tinham como fundamento de suas práticas as Obras de Caridade. Tais obras estavam divididas em sete Obras Espirituais que eram: Aconselhar, repreender, ensinar, consolar, perdoar, suportar, rezar; e sete Obras Materiais assim definidas: visitar, saciar, alimentar, resgatar, vestir, curar e enterrar.

26

LEITE, Miriam L. Moreira. A Infância no século XIX segundo as memórias e livros de viagem, p. 17-50, In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997, p. 34.

27

Segundo este ideal altruísta, o Frei Guy fundou, em 1160, a confraria do Espírito Santo, no Sul da França, em Montpellier, com o objetivo de dar assistência aos pobres, aos peregrinos, aos doentes e aos expostos.

Em 1201, o papa Inocêncio III, preocupado com os altos índices de mortes de crianças mortas no Tibre, transferiu a irmandade do Espírito Santo para Roma, criou o Hospital de Santa Maria em Saxia e nomeou o Frei Guy seu superior. Deste modo, nascia na Europa o primeiro hospital cujo objetivo consistia em assistir e acolher as crianças que eram abandonadas. Este sistema de acolhimento e proteção dos expostos foi, em seguida, copiado por outras cidades italianas e, por fim, expandiu-se para outros continentes.

Assim, foi no Hospital de Roma, com um pequeno colchão colocado sobre uma roda, no qual os expostos eram colocados que nasceu a Roda dos Expostos. Acerca dela, era proibida a busca de quaisquer tipos de informações a respeito de quem levou a criança para a instituição.

Sua origem histórica está relacionada com o uso dos cilindros rotatórios feitos de madeira, dos átrios ou vestíbulos dos conventos e dos mosteiros medievais, os quais permitiam a entrada de alimentos, objetos e mensagens aos religiosos. Através de um toque que fazia rodar o cilindro, era possível manter correspondência com o exterior resguardando-se do contato visual e físico.

Os mosteiros recebiam, também, crianças que eram doadas por seus pais para que fossem mais tarde trabalhadoras na obra divina.

Deste modo, a partir do uso indevido das rodas dos mosteiros e conventos, nasceu o uso da roda para receber os expostos.

Maria Luiza Marcílio, escrevendo sobre “A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil (1726 – 1950)”, conclui que:

[...] essa instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a roda dos expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. É bem verdade, na época colonial, as municipalidades deveriam, por imposição das Ordenações do Reino, amparar toda criança abandonada em seu território. No entanto, essa assistência, quando existiu, não criou nenhuma entidade especial para acolher os pequenos desamparados. As câmaras que ampararam seus expostos limitaram-se a pagar um estipêndio irrisório para que amas-de-leite amamentassem e criassem as crianças28.

28

MARCÍLIO, Maria Luiza, A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil, p. 51-76, 1726- 1950. In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997, p. 51.

Descrevendo a influência do iluminismo para a abolição da roda dos expostos, no século XIX, Maria Luiza Marcílio explica de que modo o utilitarismo e a medicina higienista atuaram para reverter as formas antigas de filantropia. Deste modo, ela afirma:

Em meados do século XIX, seguindo os rumos da Europa liberal, que fundava cada vez mais sua fé no progresso contínuo, na ordem e na ciência, começou forte campanha para a abolição da roda dos expostos. Esta passou a ser considerada imoral e contra o interesse do Estado. Aqui no Brasil igualmente iniciou-se movimento para sua extinção. Ele partiu inicialmente dos médicos higienistas, horrorizados com os altíssimos níveis de mortalidade reinantes dentro das casas de expostos. [...] O movimento contra a roda dos expostos, mais fraco no Brasil do que na Europa, não foi suficiente para extingui-las no século XIX. As mais importantes sobreviveram no século XX. A do Rio de Janeiro foi fechada em 1938, a de Porto Alegre em 1940, as de São Paulo e de Salvador sobreviveram até a década de 195029.

As rodas dos expostos foram as primeiras iniciativas para que a infância desvalida pudesse ser amparada e, em alguns momentos da História do Brasil, foram as únicas instâncias de assistência às crianças abandonadas, pois as Câmaras Municipais, em que pese a determinação da Coroa Portuguesa para que as crianças fossem assistidas, não cumpriam a determinação; elas foram também atingidas pela corrupção, conforme o relato de Maria Luiza Marcílio:

O sistema comportou sempre e em todos os lugares fraudes e abusos de toda sorte. Não foi raro o caso de mães levarem seus filhos na roda e logo a seguir oferecerem-se