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A análise do periódico trabalhista também permite perceber a influencia ideológica de Getúlio Vargas enquanto o “grande estadista”, o “nacionalista” no projeto político do trabalhismo difundido pela Fôlha Trabahista, por isso, são constantes as referências ao seu legado, por conseguinte, datas de nascimento e de morte são sempre rememoradas: “Todo o Brasil se prepara a fim de, no próximo dia 19, homenagear a figura do eminente brasileiro Getúlio Vargas, que naquele dia completaria mais um natalício. O PTB e os trabalhadores de todo o Brasil tributarão ao seu preclaro amigo mais uma homenagem póstuma”. (Fôlha Trabalhista, 15 de abril de 1962, p. 01).

Nesse período, o Partido Trabalhista Brasileiro fazia, em sua sede oficial uma reunião comemorativa do evento. E ainda:

No último dia 19, o Brasil inteiro comemorou o aniversário do seu grande morto- Getúlio Dorneles Vargas. Jamais conheceu o Brasil um condutor homem do jaez de Vargas. Líder inato e autêntico nacionalista. E embora pareça paradoxal, mesmo chegando a ditador foi um autêntico democrata. Identificado com as massas, possuindo alta visão dos problemas da nação

e, sobremodo, humano e patriota – Getúlio deixou, como legado de sua

vida, uma obra social admirável, além de marcar a sua passagem pela Presidência da República com realização de uma obra administrativa e governamental norteado, toda ela, pelos ideais nacionalistas. (Fôlha

Trabalhista, 22 de abril de 1962, p. 02. Grifos nossos.).

No trecho acima, é possível perceber o quanto o jornal exaltava a figura de Vargas, tendo-o como símbolo de um projeto de nação, pois o estadista, na visão do jornal, havia deixando como “legado, uma obra social admirável”. Aponta para o caráter paradoxal deste que “chegando a ditador foi um autêntico democrata”. Mas o seu maior legado, nesta perspectiva, foi sua aproximação com as massas, foi nacionalista. E continua o artigo falando acerca do estadista:

Líder de uma revolução vitoriosa que salvou a nossa pátria dos tabus que obstruíam o seu progresso, ele chegou à Chefia da Nação pela força. E o que mais se admira naquele homem formidável, é que ele não usou a forca pra

governar, embora dela nascesse o seu governo. Procurou levar ao povo às realizações humanas da sua profícua admiração à classe trabalhadora, entregue, ainda naquela época, à sua própria sorte, fruto do liberalismo já então condenado. Vargas fez chegar uma legislação social verdadeiramente revolucionaria. Graças a esse ditador –democrata o que surgiu aos outros países pela força reivindicatória das massas obreiras, aqui em nossa terra as leis sociais partiram do governo em busca do povo. Foi um movimento de alto para baixo, fato inédito e que, por si só, basta para apresentar-lhe á admiração da posteridade. (Fôlha Trabalhista, 22 de abril de 1962, p. 02. Grifos nossos).

O jornal acredita que o lugar de destaque e de prestígio de Vargas, reconhecido até mesmo pelos seus mais ferrenhos adversários, vinha de suas “obras”:

Sua obra grandiosa, todavia, não se restringe às realizações memoráveis ao campo da assistência social. No setor de educação e da saúde com a criação do Ministério de Educação, Saúde e Cultura, o seu governo revolucionou os antigos métodos na administração pública. (Fôlha Trabalhista, 22 de abril de 1962, p. 02. Grifos nossos).

Além disso, o jornal mostra o estadista como defensor das riquezas, pois ainda que pressionados por grupos econômicos, “tudo fez para preservá-las e defendê-las da espoliação estrangeira. A Petrobrás é marco indelével dessa política certa, sadia e nacionalista, que ele realizou”.

Esta homenagem a Vargas pode muito bem ser relacionada com os projetos para o país propagado pelo jornal do interior de Sergipe. O estadista havia morrido, porém seus ideais, por serem os melhores para o Brasil, conforme a visão dos seus admiradores, precisavam ser levados adiante.

Assim, nada mais sensato e lógico “que homenagearmos a figura desse grande homem público que, morto, ainda permanece vivo na lembrança e no coração engrandecido do povo brasileiro”. Na verdade, essa insistência em destacar à figura de Vargas pode significar não apenas uma homenagem póstuma, mas sim uma outra maneira de fazer de Vargas uma figura em torno da qual as massas seriam mobilizadas, como fica evidente a partir da publicação do periódico interiorano.

Getúlio Vargas viveu um período da história rodeado de governantes carismáticos e autoritários, mas diferente de muitos deles, se transformou em um mito cujo legado, que incluía o poder de mobilização das massas, era abertamente usado pelos articuladores do

jornal Fôlha Trabalhista. Sua liderança pode, por um lado, ser explicada por sua trajetória política.

Desse modo, por ter liderado a largada industrial, derrubado uma antiquada oligarquia rural e ter colocado o Brasil no patamar do século XX, Getúlio, um presidente transformador, conseguiu consolidar sua imagem como um mito na história política do Brasil, sendo assim tratado pelos adeptos do PTB. Em seu primeiro governo, além de ter iniciado um amplo projeto de industrialização do país e ter criado benefícios para a classe trabalhadora, o estadista foi, ao longo de 15 anos, o “Pai dos Pobres”, a “Mãe dos Ricos” apesar de um duro ditador.

Um dos principais fatores que contribuiu para a consolidação dessa imagem foi a propaganda, utilizada para difundir seu perfil por todos os cantos do país: nas repartições públicas, nas escolas, nas fábricas e na vida cultural. A fim de reforçar suas ações, Getúlio também utilizou um grande artifício para atrair os líderes de massa, ou seja, o discurso político. Enfim, a figura carismática, ligada aos feitos e à capacidade de se aproximar de seu povo, fez de Vargas um grande líder, de modo que outros que quiseram ser líderes o tiveram como referência.

Fonte: Fôlha Trabalhista, 19 de agosto de 1962. p. 01.

Vale destacar que parte do poder consolidado por Getúlio Vargas decorreu das ações de seu governo( como as leis trabalhistas), assim como de sua capacidade de manipulação simbólica. Desde o início, investiu em propaganda, intensificando-a quando estabeleceu seu poder, com a criação do Estado Novo, a partir dessa importante arma, o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Deposto, Vargas se recolheu para, mais tarde, voltar por via democrática, como o “líder das massas” em uma votação esmagadora. É, portanto, a expressão inconteste da força do mito.

Segundo Maria Helena Capelato131, o regime varguista (Estado Novo) investia na propaganda política enquanto estratégica para o exercício do poder, valeu-se das imagens e dos símbolos. Havia por exemplo, a constante exaltação à bandeira brasileira, a figura de Vargas, a integração nacional, a utilização da fotografia. O espetáculo do poder buscava extinguir os as contradições e os conflitos, promover o mito da unidade, fantasiar as divisões e, por meio da propaganda política, difundir a concepção de alcançar um futuro idealizado.

Com a era Vargas, o Brasil do século XX inseriu-se no contexto de manifestações coletivas de massa, conduzidas por líderes autoritários e, ao mesmo tempo, carismáticos. Getúlio, dono de uma poderosa retórica, notabilizou-se pelos discursos impactantes e quase sempre estruturados para ser aprazíveis ao público ao qual se dirigia. Durante muito tempo, sustentado por forças políticas antagônicas (como o conservador PSD e o trabalhista PTB), a capacidade de adaptar discursos foi decisiva para que Getúlio equilibrasse e harmonizasse apoios divergentes.

No entanto, em 1954, pressionado por todos os lados, o estadista, que se sentir derrotado, cometeu um ato que o colocou ainda mais em evidência: o suicídio. Contraditoriamente, esse fato trágico acaba consagrando Vargas como um herói nacional, um mito que se perpetuaria na memória do povo brasileiro. Além do mais, o tiro no seu próprio coração foi algo tão repentino e impactante que mudou profundamente o cenário político, num momento em que as Forças Armadas estavam avançando na conquista do poder.

131 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em Cena. Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo.