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A influência da Igreja Católica na educação e sua moralidade refletida na disciplina

2- CNSA: O histórico de sua implantação em Sousa

2.3. A influência da Igreja Católica na educação e sua moralidade refletida na disciplina

A Igreja Católica tem forte influência na participação das construções das instituições de ensino, consolidando sua hegemonia na formação das elites dirigentes por meio da criação de vários colégios católicos. Segundo Robson Silva (2014), a atuação de Dom Adauto deu apoio à instalação de Colégios Católicos na Parahyba do Norte, legitimando ações para formação de sacerdotes que iriam ensinar em tais Colégios e trouxe ordens e congregações católicas para administrarem as escolas locais, consolidando a instrução confessional na Paraíba. Dom Adauto a partir de sua atuação na educação tem semelhança com a influência que Dom Quintino e Padre João Cartaxo Rolim tiveram na realização da educação feminina, no qual foram importantes para concretização da implantação do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, compreendendo que a fundação desses colégios religiosos era realizada sob a forte predominância de pessoas religiosas da Igreja Católica.

Segundo Silva (2014), nas grandes escolas e colégios privados havia o interesse de manter a elite longe de meios não católicos, evitando a adesão para outras doutrinas religiosas, com a maioria dos professores ligadas a Igreja ou Ordem Religiosa, sendo padres, freiras ou beatas, que desenvolvem um ensino rígido. A disciplina que, historicamente imperou nos colégios religiosos se volta para uma rigidez com suas alunas, sendo uma característica marcante da educação religiosa, tendo além dos conteúdos escolares, uma preocupação com a oração, o cuidado com o comportamento das meninas, os valores éticos, entre outros aspectos.

Ao longo dos séculos, o papel dado às mulheres no nosso país foi de submissão aos homens, sofrendo com as desigualdades, os preconceitos e a moralidade que as prendiam diante da sociedade. No período republicano, essa mentalidade se perpetuou e durou por um longo período, em que até hoje percebemos o reflexo disso no nosso cotidiano e na sociedade.

Nesse contexto, as jovens moças que tiveram suas vidas entrelaçadas aos costumes e valores da época sentiram as consequências do extremo moralismo e de suas

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funções já preestabelecidas pelas suas famílias. A elas caberiam as funções de uma boa esposa, rainha do seu lar e uma boa mãe, auxiliando e aceitando a vida proporcionada pelo seu esposo, seja ela qual for.

Na coleção História da Vida Privada no Brasil 3, o artigo das autoras Marina Maluf e Maria Lúcia (1998) discutem esse papel que era determinado para as mulheres, no qual suas trajetórias já estavam decididas pelos seus pais, cabendo a elas apenas aceitar tal situação.

O dever ser das mulheres brasileiras [...] foi, assim, traçado por um preciso e vigoroso discurso ideológico, que reuniu conservadores e diferentes matizes de reformistas e que acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos, ao mesmo tempo que cristalizava determinados tipos de comportamento convertendo-os em rígidos papeis sociais. “A mulher que é, em tudo, o contrário do homem”, foi o bordão que sintetizou o pensamento de uma época intranqüila e por isso ágil na construção e difusão das representações do comportamento feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao “recôndito do lar” e reduziram ao máximo suas atividades e aspirações, até encaixá-la no papel de “rainha do lar”, sustentada pelo tripé mãe-esposa-dona de casa (MALUF; MOTT, p. 373, 1998). Esse tripé foi expandido, tanto pela religiosidade católica quanto pela mentalidade da sociedade da época a ponto de se tornar algo normal e que ao fugir dessa realidade e desenvolver os mecanismos de resistências, foi considerado um equívoco que deveria ser combatido. Esse era o discurso dos conservadores, que se estendeu para população, seja ela de qualquer esfera econômica e social.

A imagem da mãe-esposa-dona de casa como a principal e mais importante função da mulher correspondia àquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa (MALUF; MOTT, p. 374, 1998).

Em 1916, foi aprovado o Código Civil da República, que retratava o papel que mulheres e homens desempenhariam na sociedade. Segundo as autoras Marina Maluf e Maria Lúcia (1998), esse código deixava explícita a inferioridade da mulher com relação ao homem, sendo a mulher dependente e subordinada, enquanto ao homem cabia a função de representar a família, administrar os bens, trabalhar, entre outras funções. A mulher que fosse casada, somente poderia trabalhar se o seu marido autorizasse, ficando evidente o poder que eles tinham sobre as mulheres.

O mesmo se estendia para os pais das jovens que estudavam em colégios religiosos, pois isso era, em sua maioria, uma decisão da família e não uma decisão que

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partisse do desejo ou vontade das moças. Assim, Maluf e Mott (1998, p.376) destacam que “o controle sobre aspectos fundamentais da vida dos familiares, como as decisões sobre do tipo e local da formação e profissional dos filhos” era algo designado pelos homens.

Nesse contexto, havia o incentivo ao casamento, que era enfatizado na educação, sobretudo a religiosa, visando moldar os costumes, os pensamentos, o comportamento e também o caráter. Havia então muitos conselhos, regras e fórmulas para que o matrimônio fosse preservado, tanto as mulheres, como também os homens eram instruídos a praticar isso.

Com relação ao ensino voltado para função de dona de casa e mãe, as alunas aprendiam isso desde cedo para que conseguissem desempenhar bem essa função e que isso possibilitava serem agradáveis aos seus futuros esposos.

As habilidades com a agulha, os bordados, as rendas, as habilidades culinárias, bem como as habilidades de mando das criadas e serviçais, também faziam parte da educação das moças; acrescida de elementos que pudessem torná-las não apenas uma companhia mais agradável ao marido, mas também uma mulher capaz de bem representá-lo socialmente (LOURO, 2004, p, 373).

Essa ênfase na preparação das mulheres para serem boas esposas, donas de casa e mãe era algo que estava condicionada a elas naquele período. A visão que predominava era da mulher submissa ao seu esposo, fazendo o que ele gosta, honrando o seu nome e de sua família, realizando suas funções e viviam para isto. As únicas formas de diversão eram relacionadas às atividades da Igreja, como missa, novenas e procissões, pois as mulheres de bem não podiam frequentar outros lugares que dessem margem a interpretações equivocadas ou falatórios.

Louro (2004) problematiza acerca dos discursos presente na sociedade sobre a mulher, tendo como hegemônico a ideia de que as “mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas”. Isso significava que a educação deveria ser voltada para formação moral, do caráter das mulheres e consequentemente pouca ênfase na instrução. Entendia que a mulher não necessitava de conhecimentos científicos mais avançados, devido seu destino está bem definido como esposa e mãe e no qual essas funções exigem uma moral e conduta boa.

Ela precisaria ser, em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar, a educadora das gerações do futuro. A educação da

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mulher seria feita, portanto, para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus próprios anseios ou necessidades, mas em sua função social de educadora dos filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos (LOURO, 2004, p. 373- 374).

A educação feminina estava baseada na formação cristã, considerada chave principal do projeto educativo. Na sociedade brasileira, a educação aos moldes dos ensinamentos católicos era o ideal e o que deveria ser seguido. A autora enfatiza que mesmo com a separação da Igreja Católica do Estado, a moral religiosa permanecia. Nesse sentido, “esse ideal feminino implicava o recato e o pudor, a busca constante de uma perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas” (LOURO, 2004, p. 374).

Por muito tempo, a educação brasileira foi abandonada e a justificativa era de que faltavam mestres e mestras com formação. Diante disso, houve medidas para que criassem escolas normais para formação de docentes para ambos os sexos. Segundo Louro (2004), a atividade docente brasileira foi iniciada por homens, em destaque os religiosos jesuítas entre 1549 a 1759. Esses homens ocuparam o magistério com frequência, sendo responsáveis pelas aulas e também como professores que se estabeleciam por conta própria, porém as meninas deveriam ser regidas por senhoras que fossem consideradas honestas.

Com o surgimento das escolas normais constatou-se que houve um aumento de formação de mais mulheres do que homens. Segundo Louro (2004), os homens estavam abandonando as salas de aula, o que permitiu a origem da “feminização do magistério”, sendo que isso se deu devido à urbanização e industrialização que ampliou as oportunidades de trabalho para os homens. Outros fatores que contribuíram com esse processo foram à presença dos imigrantes, o crescimento dos setores sociais médios, ampliação das atividades de comércio, a maior circulação de jornais e revistas, a instituição de novos hábitos e comportamentos, sendo isso ligado as transformações urbanas que produziu novos sujeitos sociais.

Houve a necessidade dessas mulheres ocupar outros trabalhos e espaços. Aquelas mais pobres enxergavam a ida para sala de aula como uma forma de obter mais estabilidade financeira e de se tornarem independentes. Nesse sentido, as duas ex-alunas enxergavam o magistério como uma perspectiva de melhoria de vida suas e de suas respectivas famílias.

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O papel profissional que cabia a mulher, pertencente ou não à elite, era o magistério, e isso estava bastante perpassado em suas vidas, através da religiosidade forte que marcava o cariri cearense, como também a cidade de Sousa. Pessoas como Dom Quintino, Padre Ibiapina, Padre João Cartaxo Rolim, entre outros, tinham uma forte influência na sociedade do Ceará e em Sousa e que a elite então destinava suas filhas para vivenciar a religiosidade. Para esse período era algo bastante comum e que não havia discussão ou receio em obter essa educação.

As mulheres se profissionalizavam ao ofício de serem professoras, sob os princípios católicos, nos quais sua educação era instruída de valores, comportamentos e costumes regulados pela Igreja Católica e legitimado pelo Estado. Porém, segundo Tatiana Santos, a educação profissionalizante das mulheres, no início, não foi bem aceita.

Ressalte-se que no Brasil, mais especificamente na Parahyba do Norte, ainda vivia-se sob a égide total das tradições patriarcalistas mais arraigadas, desfavorável à presença da mulher na vida pública, que, por conseguinte, recomendava a manutenção dos padrões consagrados ao feminino na ordem familiar, ou seja, na dependência ao marido e as atividades de ocupação doméstica (SANTOS, p. 4, 2010).

As escolas e colégios religiosos visavam educar essas mulheres para serem professoras, pois essa profissão não representava uma forma de retirar o papel central delas, que era cuidar do lar e da maternidade. Assim, dava para conciliar as funções e era algo aceito pela sociedade. Santos ressalta que “historicamente, tinha-se o discurso de que não havia nada mais natural para a mulher do que a profissão de professora, essa condição profissional era a sua principal marca identitária” (2010, p. 7-8).

Algumas características vão sendo associadas às funções das mulheres no magistério, tais como paciência, afetividade, doação, carinho e amor, no qual Louro (2004) problematiza que essas associações estão relacionadas à igreja, que percebe a docência como um sacerdócio. Com isso, houve a constituição do perfil das mulheres docentes como trabalhadoras dóceis, dedicadas e pouco reivindicadoras dos seus direitos.

Nesse contexto, os pais tinham um desempenho decisivo para profissionalização das filhas, escolhendo as escolas ou colégios que predominavam a tradição religiosa, ficando perpetuada a direção das mulheres como boas esposas, mães, rainhas do lar e quando fosse necessário, exerciam o magistério.

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A visão que a sociedade tinha da mulher impossibilitava a ida delas para o mercado de trabalho, tidas como frágeis, que precisavam ser protegidas e controladas. Com isso, as mulheres não podiam realizar atividades fora do espaço doméstico por considerarem isso um risco e como se fosse uma ameaça à condição de ser mulher, sendo aceitáveis apenas atividades relacionadas à vida familiar, aos deveres domésticos, da maternidade e do seu lar.

Louro (2004) discute que o trabalho fora de casa era uma ocupação transitória, pois a mulher não poderia abandonar a sua “vocação” de esposa e mãe. Apenas as mulheres solteiras e viúvas tinham permissão social para trabalhar fora de casa. Isso contribuiu para que os salários das mulheres se tornassem baixos e a justificativa para tal realidade era que o sustento da família deveria ser função do homem.

Outra justificativa nos discursos era que o magistério destinado para as mulheres era de um só turno e que isso não impedia as obrigações domésticas e era também mais um discurso que legitimava o salário baixo que as mesmas recebiam. Segundo Louro (2004), uma das construções sociais mais persistentes é a questão da incompatibilidade do casamento e da maternidade com a vida profissional feminina. Isso ocorre e persiste devido ao que autora chama de “culto da domesticidade” que representa a valorização da função feminina no lar.

Outros discursos em áreas importantes vão legitimando mais ainda essa realidade da vida das mulheres. Os discursos religiosos e higienistas responsabilizavam a mulher pela manutenção de uma família saudável, assim como os conhecimentos da psicologia que afirmava que a privacidade familiar e o amor materno são indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das crianças. De forma geral e concisa, “o casamento e a maternidade eram efetivamente constituídos como a verdadeira carreira feminina” (LOURO, 2004, p 379). Aquelas que fossem contrárias a esse destino eram consideradas um desvio da norma.

Com essa ida das mulheres para o magistério, os cursos de formação docente também vão ser constituídos por mulheres em sua maioria. Nesses espaços, o cotidiano dos jovens era semelhante ao cotidiano da instituição escolar, no qual é planejado e controlado, com tempo e espaços regulados e reguladores. Segundo Louro (2004, p. 380), o tempo escolar é entendido como um tempo disciplinar, no qual esse “tempo escolar, como um fato cultural, precisa ser interiorizado e aprendido”. Então, a formação dessas professoras ocorre pela “organização e ocupação de seu tempo, pelo uso dos espaços, pelas permissões e proibições para onde ir ou não ir”.

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Louro (2004) argumenta sobre como eram vistas as instituições que eram dirigidas por mulheres, leigas ou religiosas, no qual havia a ideia do papel de uma mãe superiora, que zelava pelo funcionamento de tudo e que era o modelo a ser seguido. Nisso identificamos com a realidade do CNSA, que foi e continua sendo dirigido por mulheres religiosas – as madres – em que permitiu todo um aparato social de respeito e valorização por esse educandário e que todos tinham e ainda tem como modelo de mulheres a serem seguidas na sociedade sousense. Essas madres representam um papel social importante para sociedade sousense e que formou docentes para trabalharem de forma essencial na educação desta cidade.

No entanto, a autora analisa que somente nas escolas mantidas por religiosas as madres ocupavam uma posição superior, em que nas escolas públicas por muito tempo os homens estavam à frente da direção. Com essa realidade, houve o reforço da hierarquia doméstica, no qual as mulheres estavam na sala de aula e os homens dirigiam e controlavam o sistema. Aos homens havia a referência de poder e de que eles são mais responsáveis para resolver os problemas mais sérios e graves no espaço escolar.

Segundo Louro (2004), havia normas de comportamento, de postura, de vestimentas que eram delimitadas, pois as mestras deveriam ser o exemplo a seguido pelas discentes. Louro (2004, p. 385) problematiza que:

Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, de escrever, de argumentar. Aprendiam-se os gestos e olhares modestos e decentes, as formas apropriadas de caminhar e sentar. Todo um investimento político era realizado sobre os corpos das estudantes e mestras. Através de múltiplos dispositivos e práticas ia-se criando um jeito de professora. A escola era, então, de muitos modos incorporada ou corporificada pelas meninas e mulheres – embora nem sempre na direção apontada pelos discursos oficiais, já que essas jovens também constituíam as resistências, na subversão dos regulamentos, na transformação das práticas.

Compreende-se através dos estudos foucaultianos que a disciplinarização é a autorregulação dos sujeitos e segundo Louro (2004), as práticas normativas constituíam um conjunto de critérios que fazia com que as próprias alunas se auto examinassem e julgassem suas próprias condutas e comportamentos. Com isso, todas as normas vivenciadas na instituição se tornavam parte dessas jovens, permitindo que elas fossem capazes de se autogovernar, por terem incorporado as normas e tecnologias de governo da instituição e da sociedade.

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Portanto, essa rigidez era devido à ligação da instituição de ensino com a Igreja Católica e com o contexto social e político da época, que impedia o questionamento das alunas ou seus pensamentos e ideias na aula, fazendo com que elas apresentassem uma obediência. Assim, entendemos que tanto em escolas públicas quanto os colégios privados, o ensino religioso é feito para catequizar e educar as alunas na fé e na moralidade católica.

Assim abordamos essas questões ao realizar as entrevistas, nas quais perguntamos como essa realidade social estava presente em suas vidas; o que as marcaram em seus percursos no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora; os conflitos; o cotidiano; a influência católica; a disciplina imposta e suas trajetórias de vida. Com as análises dos depoimentos, que foram transformados em fontes historiográficas, buscamos perceber como essa realidade predominava e quais os mecanismos de luta e resistências essas senhoras desenvolveram. Nesse sentido, discutiremos a seguir acerca dos depoimentos das ex-alunas e da ex-diretora, no qual nos trazem suas reflexões e entendimentos do que cada uma vivenciou nos seus respectivos períodos escolares.

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