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3º ingrediente de um agir em competência: instauração de uma dialética entre os ingredientes 1 e

Ressalta-se neste terceiro ingrediente a capacidade de articular, dialeticamente, o pólo conceitual (Registro 1) e o pólo das experiências (Registro 2) no ato de trabalho.

É a tomada de decisões oportunas no confronto entre a regra e cada caso, cada singularidade. Se no ingrediente 2, como vimos anteriormente, há implicação/engajamento de um corpo-si, que exerce papel fundamental, como „crisol imediato‟ desse ingrediente; aqui, no ingrediente 3, “ele perde esse mesmo imediatismo (...), na medida em que o distanciamento em relação ao caso é então necessário e, portanto, o domínio de um certo nível de recursos próprios do ingrediente 1” (Schwartz, 1998, p. 120).

Na análise da atividade, em situações de trabalho do Samu, tivemos oportunidade de identificar a presença deste ingrediente da competência, em que, diante de um caso de urgência/emergência, os profissionais precisam decidir o que fazer, „rapidamente‟ e „com eficácia‟. Esse é um momento em que, podemos dizer, „instaura-se uma dialética‟, quando se articulam protocolos e orientações da Central de Regulação Médica com os saberes da experiência, também chamados de „competências práticas‟. E aqui entra o quarto ingrediente,

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que se refere ao „debate de valores‟ que vai atravessar toda atividade. Neste momento de „negociação‟ entre o protocolo e a experiência, em que é preciso tomar uma decisão, outro trabalho precisará ser feito - o „trabalho dos valores‟ (Schwartz, 1996) - interferindo na escolha a ser feita naquela situação específica.

Importante também para nossa pesquisa, o que nos diz Schwartz (1998) sobre o setor de serviços, quando aborda a questão das relações entre usuário e agente/trabalhador de um órgão público. Em suas palavras:

Esse terceiro ingrediente parece-nos hoje mais particulamente requerido, implantado com virtuosidades variáveis no setor dos „serviços‟ e mais particularmente nas relações face a face entre um „usuário-cliente‟ e um agente representando um organismo. O diálogo ata-se através de normas, regulamentos, procedimentos codificados. Vemos, então, o quanto é delicada essa negociação que, „na hora‟, deve operar ajustamentos felizes entre o singular – a pessoa e seu pedido - e essas definições regulamentadas de casos (Schwartz, 1998, p.120).

Também ressaltamos uma ilustração desse ingrediente (Schwartz 1998), quando o autor refere-se ao trabalho de uma equipe de profissionais de saúde, constituída por profissionais enfermeiros, auxiliares de enfermagem e médicos, o que nos ajudará no momento de análise da atividade no Samu. Nesta linha de análise, consideremos que é preciso dominar os saberes constituídos/protocolares referentes à nosologia, à tecnicidade e às terapêuticas (ingrediente 1), ao mesmo tempo que outros saberes „da experiência‟, „aderentes‟ à ação, „engajados‟ serão mobilizados diante dos „doentes singulares‟, cada qual com sua história de vida e capacidade de renormatização diferenciada. Nesta equipe de saúde, então, conforme o autor:

(...) as auxiliares de enfermagem podem dar mostra de competências maiores do ponto de vista do ingrediente 2, em virtude das limitações de sua formação médica. As enfermeiras, por sua vez, estão tipicamente no ponto de articulação nesse vaivém entre saber médico e relação individualizada com o paciente: para elas, este é ao mesmo tempo um tipo nosológico e uma pessoa (Schwartz, 1998, p. 121).

Importante ainda dizer que não é fácil identificar este ingrediente – constituindo- se como „instauração de uma dialética‟ - o que envolve a abordagem do quarto ingrediente, “por meio do qual será questionada a relação entre a qualidade das „dramáticas‟ do uso de si, a qualidade da instauração dessa dialética, bem como os valores com base nos quais se constrói o que vale, para cada um, como „meio‟” (Schwartz, 1998, p. 122).

Nessas discussões sobre a qualidade das articulações dialéticas entre ingrediente 1 e 2 no „agir em competência‟, importante o que ressalta Schwartz (1998) sobre observações de Zarifian ( Le Monde, 17/04/1996) acerca das “novas relações de cooperação entre os

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geradores das normas e os administradores do acontecimento”, ao considerar que “assim como a norma, o acontecimento também era qualificado para estruturar a vida dos processos industriais” (Zarifian, 1996, apud Schwartz, 1998, p. 137). A partir daí, ressalta-se a criação do dispositivo de Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (APST), como possibilidade de se aprofundar o „conteúdo em gestão de atividades de trabalho‟, ao propor “trabalhar em conjunto a questão das culturas e inculturas específicas, a dos manipuladores profissionais do conceito e a dos administradores dos encontros de trabalho” (Schwartz, 1998, p. 137). Questiona-se, com estas considerações sobre as ligações entre políticas de gestão e o ponto de vista da atividade, “até que ponto todos os que estão hoje empenhados em pesquisas sobre as políticas de gestão (critérios, indicadores, gestão por atividade, por processo, grupos- projetos...) podem dispensar tudo o que tais dispositivos produzem” (op.cit., p. 137).

Esta temática da avaliação das competências, quando abordamos o agir em competência a partir da complexidade da noção ergológica de atividade, leva-nos a discutir os valores que embasam as tomadas de decisão nos menores atos de trabalho, quando estão em jogo as normas antecedentes, “normas impostas à atividade – é preciso sempre impor normas à atividade – e as normas instituídas na própria atividade” (Schwartz & Durrive, 2007, p. 219, grifos dos autores). Esta abordagem nos levaria a outro modo de pensar a avaliação das competências, o que, com certeza, envolveria tanto os protagonistas da atividade, como os responsáveis pela política de gestão do empreendimento, num processo de avaliação - „compartilhada‟ ou „cooperativa‟ -, que produziria transformações em toda a organização. Com esta postura muda-se o foco das avaliações, baseadas em procedimentos homogêneos e voltados para a pessoa como única responsável pelas competências; busca-se um olhar mais amplo no sentido de avaliar também o avaliador e assim possibilitar mudanças no meio de trabalho que favoreçam o desenvolvimento das competências. Estas reflexões nos levam a discutir o quarto ingrediente do agir em competência.

4º ingrediente de um agir em competência: ‘o debate de valores ligado ao