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Ingresso na EJA

No documento MARIELE ANGÉLICA DE SOUZA FREITAS (páginas 82-86)

5.1 Trajetória Escolar

5.1.2 Ingresso na EJA

Diante da breve discussão apresentada a propósito da certificação e da terminalidade específica, foi oportuno perguntar às mães como suas filhas chegaram à modalidade da EJA e como foi feita essa matrícula, já que suas filhas não possuíam nenhuma certificação de conclusão do ensino comum.

Segundo Raquel, o ingresso de Nayara na EJA ocorreu,

Através da busca na (nome de uma universidade) [...] de pessoas que estavam com deficiência e qual seria a conduta que eu tinha que ter em relação à idade da Nayara que era de 18 anos. Dessa forma, procurei a equipe da (nome da universidade), a psicopedagoga e, assim, elas me deram uma lista de lugares que eu podia buscar. Encontrei a EJA na (nome da escola), e o Espaço Potencial (RAQUEL).

Já no caso de Luísa, sua mãe Maria relata que,

Por meio de informações de uma senhora que era do Salão do Reino7 falar sobre uma escola, a (nome da escola) que tinha aulas para jovens e adultos.

Então fui atrás dessa escola. Consegui a matrícula da minha filha naquele mesmo dia. Assim, ela começou a frequentar a EJA (MARIA). Raquel chegou até a EJA por meio da indicação de uma psicopedagoga, que possivelmente trabalhava com pessoas com deficiência, a qual lhe indicou uma lista com

7 Maria ao dizer que uma senhora foi dar estudo para Luísa faz referência ao estudo bíblico oferecido pelas

alguns lugares, e, dentre eles, a EJA e o Espaço Potencial. A busca por informação por um profissional tão específico pode ser devida ao fato de Raquel trabalhar como professora da educação infantil no município, favorecendo assim para que ela tivesse a informação tão prontamente.

No caso de Maria, a informação sobre a EJA ocorreu de forma assistemática, ou seja, por meio de uma pessoa que possivelmente é alheia ao meio educacional, mas que sabia da existência de uma escola que oferecia a EJA. Outro ponto que nos chama a atenção no relato de Maria é a forma como sua filha foi matriculada, pois, segundo ela, bastou ir até a secretaria da escola e falar com um “rapaz” para que no mesmo dia sua filha começasse a estudar. Esse ingresso na escola não se deu pela forma institucional e convencional.

Nesse ínterim, não podemos esquecer que a EJA é parte de projeto educacional idealizado às minorias, ou seja, pelos segmentos discriminados pela população brasileira (MORAES, 2007). Por isso, essa modalidade de ensino pode representar para os jovens e adultos com e sem deficiência um campo de participação social. É nesse espaço, também, que os jovens e adultos com deficiência intelectual podem ter a oportunidade de serem produtores de seus próprios conhecimentos dentro das práticas escolares.

Nesse sentido, a Declaração de Salamanca destaca que seu objetivo é o de:

[...] promover a integração e a participação das pessoas portadoras de necessidades especiais. Cabe-lhes o mesmo direito de oportunidades educacionais, de ter acesso a uma educação que reconheça e responda às suas necessidades e objetivos próprios, onde as tecnologias adequadas de aprendizado sejam compatíveis com as especificidades que demandam (SESI/UNESCO, 1999, p. 26).

Reiterando as determinações previstas na LDB/96, é aprovado em julho de 2001 o Parecer da Câmara Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica CNE/CEB nº 17, documento que homologa as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na

Educação Básica destacando e caracterizando normas para o atendimento da população que apresenta necessidades educacionais especiais, além de destacar a importância da inserção de pessoas com deficiência na modalidade da EJA, pois tal modalidade educacional tende a reparar um direito que foi negado a estas pessoas durante muito tempo.

[...] a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito do direito civil pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela

igualdade ontológica de todos e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento [...] (BRASIL, 2001, p. 09). A reparação a que se referem as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica vincula-se com as necessidades que as pessoas jovens e adultas têm de obter a escolarização, a fim de angariar sua autonomia pessoal e social. E, além disso, refere-se ao direito dos jovens e adultos com deficiência de poderem se alfabetizar, sendo esse um dever social.

Contudo, sabemos que o atendimento a pessoas com deficiência, foco principal da educação especial, acontecia paralelo ao sistema geral de educação nacional, sobretudo em instituições e escolas especiais. Esse atendimento ocorreu até meados da década de 1990 com propostas educacionais que se pautavam nas ideias de segregação, normalização e/ou integração.

Isso significa que as instituições especiais eram os únicos lugares que forneciam atendimento aos alunos público-alvo da Educação Especial, tendo em vista, historicamente, que a educação dessas pessoas era de cunho assistencialista e não necessariamente pedagógico. Nessas instituições, tal como já discutido, era proporcionado aos jovens e adultos a possibilidade de realizar trabalhos manuais dentro de oficinas abrigadas. Essa ainda é uma realidade nas instituições especiais; porém, com o advento da inclusão social e escolar, as empresas, por um lado, propõem às pessoas com deficiência a possibilidade de profissionalizar-se na prática, e, por outro, a escola oferece a esses sujeitos a escolarização, que por muitas vezes não foi ofertada nas instituições especiais.

Assim, as políticas sobre inclusão social e educacional podem ser compreendidas como um dos meios para se chegar à universalização de direitos e deveres sociais. Desse modo, tais políticas:

[...] corrigem as fragilidades de uma universalidade focalizada em todo e cada indivíduo e que, em uma sociedade de classes, apresenta graus consideráveis de desigualdade. Neste sentido, as políticas inclusivas trabalham com conceitos de igualdade e de universalização, tendo em vista a redução da desigualdade social (CURY, 2005, p.14-15).

Em contrapartida, o que verificamos foi que as experiências de Raquel e Maria não eram compatíveis com os ideais inclusivos. Isso fica evidente quando perguntamos a

ambas sobre as experiências de Luisa e Nayara na sala comum. Ambas as mães responderam que:

A Luisa já estudou em uma sala comum, mesmo que por um pequeno período de tempo. Isso se deu porque um professor da (nome da cidade) disse que a Luísa não precisava ficar na classe especial, e, sim, frequentar a classe comum. Porém, ela tinha que ficar com mais 40 alunos, e na maioria das vezes, a Luiza ficava sentada na última carteira, sem a devida atenção da professora. Então, como eu estava vendo que a experiência, para ela, não estava sendo significativa, matriculei ela novamente na classe especial. Eu sempre me perguntava: Se ela ficar na classe comum, o que ela vai aprender lá? Sendo que a professora havia colocado ela na última carteira (MARIA).

Ainda, sobre o mesmo assunto, Raquel nos respondeu que:

A Nayara já foi matriculada na classe comum. Mas não teve uma experiência muito boa, pois quando ela estudava na (nome da escola) ela não fazia a prova com as outras crianças. E, a partir desses episódios, chegava em casa chorando. Nessas circunstâncias, perguntava para ela o que havia acontecido Nayara dizia que a professora não deixou ela fazer a mesma prova que os seus colegas; e por isso elas chamavam-na de “burra”. Teve um dia que eu tive que ir a casa da professora porque foi muito terrível para ela aquela experiência. No outro dia eu fui até a escola falar com o diretor e ele me respondeu que se eu queria uma filha com uma educação especial que eu tinha que procurar uma classe especial, e que, aquela escola não era especial para pessoas com problemas especiais Foi nesse momento que eu matriculei a Nayara na classe especial (RAQUEL).

Baseando-se nos excertos das entrevistas de Maria e Raquel, podemos refletir sobre as angústias das experiências dessas mães diante da necessidade do encontro de um espaço educacional que pudesse, de fato, possibilitar a inclusão de suas filhas. Nesse contexto, as necessidades básicas das pessoas, independente de suas condições biológicas, psicológicas, sociais ou culturais, estão pautadas na necessidade de formação e educação, entendendo como formação um processo permanente, o apoio de outras pessoas que possam motivá-las a ser, a pensar e a decidir sobre seus desejos, necessidade e opções de vida.

Ainda sobre as experiências escolares de Nayara e Luisa, salientamos que houve algumas carências de informações específicas sobre o processo de inserção das alunas, alertando-nos para a possibilidade de esse ingresso ter-se efetivado como “informal”; portanto, não sendo necessário um acompanhamento institucional por parte da escola em relação à aluna.

No documento MARIELE ANGÉLICA DE SOUZA FREITAS (páginas 82-86)