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Significação atribuída a EJA

No documento MARIELE ANGÉLICA DE SOUZA FREITAS (páginas 86-89)

5.1 Trajetória Escolar

5.1.3 Significação atribuída a EJA

Diante dos relatos das mães, enunciados no tópico anterior, torna-se possível perceber certo alívio em encontrar um lugar, tal como a EJA, que recebesse suas filhas, o que de fato não ocorreu nas infâncias tanto de Nayara, quanto de Luisa. Com isso, julgamos necessário questionar, tanto as mães, quanto as jovens sobre o significado que atribuem à EJA.

Luísa relata gostar de estudar na EJA, e também, “dos alunos, da professora”. Ela também disse gostar dos conteúdos que aprendeu na escola, tais como, “[...] português

porque eu aprendi bastante coisa, só que eu não sei dizer o que aprendi]”. Nayara também relatou gostar de estudar na EJA, pois aprendeu sobre “as datas e as continhas

[...]”. , Além disso, ressalta que a professora é legal.

No momento em que a entrevista foi realizada, as atividades na escola já estavam encerradas; por isso Nayara também disse que já estava com saudade da professora.

Ainda sobre a entrevista feita com Nayara, observou-se que ela permaneceu em silêncio, não se diferenciando, dessa forma, dos comportamentos que apresentava em sala de aula no período em que realizamos as observações. Já, em outros momentos, Nayara respondia às perguntas de forma mais elaborada, com frases mais extensas, não se limitando a dizer apenas “é” ou “não”.

Em contrapartida, todas as pessoas possuem experiências sociais, que englobam elementos relacionados com a cultura, e, também, a uma história individual, que dizem respeito ao contexto relacional. Isso acaba dificultando a padronização de “[...] um tipo específico de deficiência, ou seja, as reações diante da deficiência dependem não só das capacidades individuais do sujeito, mas também do que representam para seu ambiente familiar, escolar e social no sentido mais amplo” (ANACHE; MARTINEZ, 2011, p. 47).

Luísa e Nayara, cada qual com a sua singularidade, aproximam-se na forma como significam a EJA. Luísa apresenta dificuldade para mencionar outros conteúdos aprendidos, mas reitera que aprendeu muita coisa, rememora as aprendizagens de Língua Portuguesa, possivelmente por ser este o conteúdo mais significativo para ela. Nayara lembra-se da data, referindo-se ao cabeçalho passado pela professora diariamente na lousa, e também das operações aritméticas, ou como ela mesma chama, de “continhas”.

Nesse sentido, Vigotski (2001, p. 111) ressalta que:

[...] não é necessário, absolutamente, proceder a provas para demonstrar que só em determinada idade pode-se começar a ensinar à gramática,

que só em determinada idade o aluno é capaz de aprender álgebra. Existe uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial.

Também podemos observar que as dificuldades de se expressar e de se comunicar apresentadas pelas jovens, na questão da fala, não são inerentes à sua condição de deficiência. As pessoas com deficiência intelectual não têm o vocabulário reduzido em decorrência de sua condição. As possibilidades de ampliação do vocabulário podem ocorrer, e ser estimuladas, na interação social, no ambiente escolar e no interior da família.

De acordo com Padilha (2007, p. 23),

Gostar ou não gostar, ter motivos para isso, mas não saber dizer com palavras para que o outro a compreenda. Há, no entanto, atos de reflexão sobre as emoções que as palavras trazem. Entender esse funcionamento cognitivo e linguístico (verbal oral, gestual e o silêncio) deve fazer parte dos estudos sobre os modos de significar o mundo, sobre as formas peculiares de se fazer compreender.

A EJA é compreendida pelas mães mais como um local acolhedor, do que um lugar de ampliação das possibilidades educacionais, tal como relatado por elas. Para Maria, a EJA é um lugar bom,

[...]porque na EJA ela tem uma atividade e não fica só em casa assistindo televisão, ou então na rua. [...]. (MARIA).

Enquanto para Raquel, a EJA significa uma oportunidade,

[...] para quem não conseguiu [concluir os estudos] por fatores particulares ou, então, para quem não conseguiu concluir ou iniciar os estudos por causa de alguma deficiência. Então, é esse o trabalho da EJA (RAQUEL).

Com esses relatos, podemos observar que, para Maria, a EJA é algo importante para Luisa, pois, nessa modalidade de ensino realizam-se atividades, seja de cunho escolar ou não. Isso, para ela, é o suficiente, já que faz com que sua filha possa estar em um ambiente que não a faça apenas ficar em casa assistindo televisão ou, então, na rua. Também observamos na fala dessa mãe que, só o fato de sua filha possuir a deficiência intelectual fez com que Luisa não obtivesse progresso em seu percurso escolar, evidenciando ser este um problema individual, centrado nessa deficiência.

Em relação ao processo de escolarização da pessoa com deficiência, Lima (2009) informa que, historicamente, o mecanismo de exclusão do espaço escolar tem sido fundamentado num paradigma de normalidade e igualdade entre os sujeitos, contribuindo para a cristalização do ideário de norma ou padrão social. Ainda de acordo com a autora,

[...] essa concepção influencia a construção do imaginário das pessoas a respeito da capacidade ou incapacidade do outro, o que contribui para que a dificuldade apresentada não seja imputável às práticas da escola e, sim, às limitações da pessoa com deficiência (LIMA, 2009, p. 134). A fala da mãe ainda evidencia que, muito além das dificuldades que a filha apresentou em seu processo de escolarização, existe o fato de que ela seja incapaz, em relação aos outros alunos, considerados capazes. De acordo com Camargo (2004, p. 33), “em nossa sociedade, o deficiente mental é visto como incapaz, é essa a representação que o grupo social vai tendo dele ao longo de seu desenvolvimento, e os pais fazem parte desse grupo”.

Ainda podemos observar que a EJA se configura para esta mãe como um espaço apenas acessório, ou seja, a frequência da filha nessa modalidade de ensino não implica o desenvolvimento de suas potencialidades educacionais, mas sim um momento de distração para que a filha não fique na ociosidade.

Já para Raquel, a EJA representa um espaço para as pessoas que não tiveram acesso ou, ainda, que interromperam seu processo de escolarização na época em que se julga ser apropriada. Também ressalta que este espaço educacional “inclui” os que estão à margem do decurso educacional, destacando, dessa forma, a situação de sua filha que possui deficiência intelectual.

Sobre essa noção da EJA enquanto uma modalidade de ensino reparadora, e ao mesmo tempo, de possibilidades de escolarização, observamos que, “[...] em termos de discurso oficial, a EJA tem recebido destaque enquanto instrumento de reparação da dívida social, que é a educação para os jovens e para os adultos analfabetos ou pouco escolarizados” (CHILANTE; NOMA, 2009, p. 234).

O caráter compensatório e reparador atribuído à EJA pode ser entendido como um dos possíveis espaços que família dispõe para o atendimento do jovem e do adulto com deficiência intelectual, pois mesmo com a expansão de matrículas nessa modalidade de ensino, não se vislumbra a possibilidade de continuidade dos estudos ou inserção em algum programa de capacitação profissional que atenda às especificidades desses jovens e adultos.

Por apresentarem pouca ou nenhuma escolarização, grande parte dos jovens e adultos com deficiência intelectual, frequentemente, ficam à margem dos sistemas de ensino profissionalizante comum; na maioria dos casos as únicas oportunidades de formação profissional ofertadas a esses jovens e adultos são as oficinas abrigadas em escolas especiais (MELLETI, 1997; CORDEIRO, 2013).

Dias e Oliveira (2013) apontam para a necessidade de um olhar cauteloso para a parcela da população jovem e adulta com deficiência, especialmente intelectual, visando ao estabelecimento de políticas públicas que considerem seus processos singulares de desenvolvimento, o direito à vida autônoma e participativa na sociedade.

No documento MARIELE ANGÉLICA DE SOUZA FREITAS (páginas 86-89)