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CAPÍTULO 3 – Os anos 90 e a transição paradigmática

3.1 Collor e a requentada expectativa de uma “amizade especial” com os EUA

3.1.2 A Iniciativa para as Américas

Lançada em 27 de junho de 1990 pelo presidente Bush, a “Iniciativa para as Américas”, assentava-se sob três bases: comércio, investimento e dívida externa. Oficialmente, no discurso norte-americano, a idéia era promover e incentivar o crescimento econômico da região, na base da economia de mercado, favorecendo assim, a consolidação das instituições democráticas.

Todavia, um exame mais apurado dos fatos aponta outras motivações. De acordo com Amorim e Pimentel (1996, p.106-107), naquele momento era latente a sensação de que a hegemonia econômica dos EUA vinha progressivamente declinando diante da ascensão das economias japonesa e alemã. Os autores identificam uma suposta “perda de dinamismo e falta de competitividade dos produtos norte-americanos”, que teriam resultado em seguidos déficits comerciais e fiscais. “É natural que, num contexto como esse, que os EUA dediquem maior atenção à sua vizinhança imediata, de modo a garantir, pelo menos aí seu predomínio econômico”.

Ainda de acordo com a análise de Amorim e Pimentel (1996), os EUA teriam reconhecido que foram atingidos de maneira significativa pelas dificuldades econômicas manifestadas na América Latina na década de 1980 e, por isso, buscavam uma alternativa. Por fim, mas sem pretender esgotar a questão, vale citar que, parte dos analistas viam ainda a Iniciativa Bush como uma resposta à formação de blocos econômicos regionais (CEE, Bacia do Pacífico)12.

Logo de início, a preocupação brasileira foi assegurar que os países envolvidos não reagissem de maneira isolada e desordenada. Assim, Collor e Menen decidiram dar uma resposta unificada à Iniciativa, convocando uma reunião dos Ministros das Relações Exteriores e da Economia dos dois países (mas que depois seria ampliada com a presença dos representantes do Chile e do Uruguai) para os dias 1 e 2 de agosto de 1990. Mesmo tendo sido convocada em razão da Iniciativa para as Américas, o tema predominante foi a integração dos quatro países. Contudo, muito se avançou de

maneira consensual no trato de vários pontos da Iniciativa, exceto com relação ao Chile, que preferiu seguir seu caminho de modo apartado.

Posteriormente, o Paraguai integrou-se ao grupo do Cone Sul que participou de uma reunião com os norte-americanos em Washington. Ao fim do encontro, o bloco conseguiu que a negociação fosse encarada não como multilateral, mas sim, bilateral: dos EUA com o bloco.

No mais, ficou evidenciado ainda que Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai não assinariam um “contrato de adesão”, assim como os EUA “não estavam preparados para discutir um acordo que se afastasse de sua proposta inicial”. Seguiu-se uma série de reuniões e consultas até que em 19 de junho de 1991 foi assinado o Acordo 4+1, fruto de um processo de consultas amplas entres o grupo latino-americano, que havia possibilitado a formação de um “consenso firme” para a negociação com os EUA Amorim e Pimentel (1996, p.112-113).

Evitou-se a presença de cláusulas que representassem intromissão exagerada em políticas nacionais em assuntos como propriedade intelectual e investimentos [...] Forma eliminados, também, artigos que poderiam ser interpretados como legitimação de práticas unilaterais e obteve-se referência, ainda que restrita, à questão do acesso a tecnologia. Talvez o mais importante tenha sido a capacidade revelada pelos quatro signatários do Tratado de Assunção de manterem uma frente negociadora única, o que se refletiu até mesmo na maneira como se dispuseram os delegados para as discussões finais [...] (AMORIM e PIMENTEL, 1996, p.115)

Interessante ressaltar que, no período em que se desenvolvia as discussões em torno da Iniciativa para as Américas, o projeto de política externa de Collor ainda estava dentro da chamada “fase inicial” (JAGUARIBE, 1996), na qual buscava-se uma maior aproximação e alinhamento aos Estados Unidos. Assim, a postura brasileira, que colidia com as expectativas norte-americanas, talvez possa ser mais bem compreendida se analisada levando-se em consideração a forte e decisiva participação do Itamaraty nessas negociações13, fazendo valer a corrente que entendia ser negativo para o Brasil uma integração hemisférica nos moldes propostos pela Iniciativa Bush, devendo ser intensificado o processo de integração do Cone Sul e mantida a estratégia universalista.

Em outras palavras, pode-se afirmar que, mesmo que indiretamente, o lançamento da Iniciativa Bush acelerou e ampliou o processo de integração do Cone Sul (VIGEVANI e MARIANO, 2005). “Concretamente, foi nesse momento que se estruturou o padrão da política regionalista brasileira dos anos 90, aprofundado nos anos seguintes (MELLO, 2000, p.107)

Considerando os fatos supra abordados, acredita-se que, a postura brasileira frente a proposta da “Iniciativa para as Américas” também ilustra a presença de um padrão de comportamento da diplomacia brasileira, pautado no universalismo, na autonomia e não-alinhamento. Assim, sem adentrar nas especificidades da proposta Bush – já que esse não é o objetivo deste trabalho -, o que chama a atenção é a correlação entre

postura brasileira no processo e os conceitos em análise.

A opção da diplomacia brasileira pelo universalismo era clara. Dentro dessa visão, a possibilidade de criação de um vínculo demasiadamente estreito com os Estados Unidos desagradava o Itamaraty, que mantinha sua estratégia de inserção internacional centrada no regionalismo aberto e no multilateralismo: o Brasil como global trader.

E é justamente essa opção paradigmática que auxilia na compreensão da postura brasileira frente a proposta Bush. Mesmo sem um interesse real pelo projeto de integração hemisférica, o Brasil não optou por negar-se a discutir a questão com a Casa Branca. Afinal, o risco do isolamento brasileiro no continente era considerável, dado o poder de atração dos EUA sobre as economias latino-americanas.

Abordando a conveniência de uma inserção universalista em contraposição a uma integração hemisférica, Amorim e Pimentel (1996, p.116) pontuam

A inserção que o Brasil e os países do Mercosul devem buscar na economia mundial não pode ficar restrita ou sequer voltada predominantemente para uma única grande potência econômica [...] ela deve ter uma configuração por assim dizer estelar, buscando os benefícios das várias correntes atuais e potenciais dentro de comércio, tecnologia e finanças.

No mesmo sentido, Cardoso (1993e, p.9) faz ampla defesa do multilateralismo e aponta o credenciamento gradual do Brasil para uma participação ativa no sistema internacional.

O Brasil acredita nas virtudes do multilateralismo. A construção de uma nova ordem internacional deve passar necessariamente pelo seu fortalecimento, em bases democráticas e não discriminatórias. O peso específico do país no cenário internacional o credencia para uma participação cada vez mais ativa. [...] Não podemos nos limitar a parcerias excludentes ou a critérios reducionistas de atuação internacional. Temos que atuar em diferentes tabuleiros, lidar com diferentes parcerias, estar em diferentes foros.

Todavia, parece válido ponderar que, a opção da diplomacia brasileira pelo Mercosul, o multilateralismo e a rejeição de uma integração econômica com os EUA não guardava consenso no Brasil. Haviam análises relevantes, como por exemplo a de Bresser Pereira e Vera Thorstensen (1992) que apontavam o fim da era do multilateralismo, a insuficiência do Mercosul e a necessidade de uma maior aproximação aos Estados Unidos.

[...] a antiga ordem, que justificava a sua estratégia multilateralista, foi destruída. [...] o Brasil e a América Latina estão marginalizados no cenário internacional. A opção pelo Mercosul foi fundamental e caminha a passos rápidos. Mas não é uma opção suficiente para gerar dinamismo econômico e tirar a América Latina do quadro de estagnação em que se encontra [...] o Brasil deveria interessar-se ativamente pela formação de um Bloco Americano [...] A Iniciativa para as Américas é para o Brasil uma ‘apólice de seguro’ contra as perplexidades e indefinições em um mundo de rivalidades de blocos e ausência de lideranças econômicas hegemônicas.

No que tange ao conceito de autonomia, segundo Vigevani e Mariano (2005), “em vista da ação norte-americana de junho de 1990, o governo brasileiro reagiu, buscando alternativas que lhe permitissem, de alguma maneira, manter sua estratégia de inserção internacional preservando o caráter da busca da autonomia pela integração, sem abdicar, nesse momento, totalmente da idéia de autonomia pela distância”.

Por fim, a presença do conceito de não-alinhamento parece implícita na postura brasileira e dispensa comentários, na medida em que choca-se de modo direto com os ideais norte-americanos.