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1 INTRODUÇÃO

3.5 POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

3.5.3 As Políticas de Ação Afirmativa no Brasil

3.5.3.2 Iniciativas do Estado

No Brasil há abismais desigualdades sociais associadas à raça e essas só podem ser combatidas, segundo Guimarães (2006, p.280), “com ações e políticas que reforcem essas identidades raciais. Ou seja, as políticas de ações afirmativas requereriam políticas de identidade”. Assim como nos EUA, no Brasil também há defensores e opositores fervorosos argumentando sobre essas políticas de ações afirmativas e sobre o que vem a ser uma “democracia racial”.

O pronunciamento do Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, durante as comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, Serra da Barriga, Alagoas, 2003, demonstra a conscientização do atual Governo sobre os prejuízos que foram causados por séculos aos afrodescendentes, a necessidade de que se estabeleça, de fato, uma democracia no País, baseada na igualdade racial que supere a estratificação social fundamentada na raça e supere o discurso até então vigente de que vivemos em harmonia.

Vencer a desigualdade racial é, também, lutar por soberania. Não a soberania baseada na dominação de um povo sobre o outro. Mas aquela baseada no estreitamento de relações comerciais, políticas e culturais com aqueles povos e continentes, que aspiram, como nós, um futuro de independência e dignidade. Sinto- me de alma lavada por ter sido o presidente da República que, no primeiro ano de mandato, decidiu saldar uma dívida antiga do Brasil: acabamos de percorrer uma parte do imenso continente africano para dizer e ouvir em cinco países: somos irmãos, somos parceiros, temos desafios comuns, temos lições a trocar. Vamos caminhar juntos. Vamos acelerar o nosso passo, conscientes de que não é possível superar, em quatro anos, o que se estabeleceu em quatro séculos nos dois continentes. Mas essa é a verdadeira globalização humanitária; essa é uma forma de desenvolvimento pela qual vale a pena viver e lutar: aquela na qual a cor de um ser humano não define o seu caráter, a sua inteligência, os seus sentimentos e a sua capacidade, mas apenas expressa a maravilhosa diversidade racial e cultural da qual somos feitos.Luis Inácio Lula da Silva (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES)

A responsabilidade do Estado é árdua, pois são muitos os anos de dominação, hegemonia e de uma cultura eurocêntrica, em que posições de poder foram ocupadas e transferidas entre as gerações de um mesmo grupo racial. Nesse sentido, Nogueira (2005, p.61) afirma que “[...] o Estado precisa ser assimilado tanto como estrutura de dominação

quanto como parâmetro ético de convivência e locus para o encontro de soluções positivas para os problemas sociais”.

Segundo o Estatuto da Igualdade Racial 2006, Projeto de Lei do Senado Nº 213, de 2003 (SUBSTITUTIVO), Título I, em suas Disposições Preliminares: “entende-se por políticas públicas, as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais”. As ações afirmativas, por esse Estatuto, são as políticas públicas adotadas pelo Estado para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Algumas iniciativas do Estado, nos diferentes segmentos, elencadas pela Fundação Cultural Palmares, são positivas na busca da reversão e/ou atenuação das desigualdades existentes no País, entre elas:

Na saúde:

• Programa AfroAtitude: programa integrado de Ações Afirmativas para Negros do Ministério da Saúde com universidades que possuem programas de Ações Afirmativas para negros e que adotam o regime de cotas para acesso dessa população.

Na educação:

• Programa Pró-Uni: reserva bolsas aos cidadãos portadores de deficiência e aos autodeclarados negros, pardos ou índios.

• Programa Uniafro: programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas instituições públicas de educação superior o qual contribui para a implementação de políticas de ação afirmativa voltadas para a população negra.

• Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia: programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco (Ministério das Relações Exteriores/ Itamaraty) onde oferta bolsas para candidatos afrodescendentes se prepararem para os exames de seleção à carreira diplomática.

Trabalho e renda:

• Projeto Terra Negra Brasil: Desenvolvido especialmente para promover o acesso à terra a jovens de comunidades negras rurais.

Essas iniciativas contribuem para o começo de uma reestruturação da sociedade brasileira pautada na democracia e na eqüidade. Contudo, ainda que elas sejam indispensáveis à garantia do direito de ter direitos, é necessário que se fiscalize a sua aplicação, bem como que se monitorem os seus reflexos, resultados e a sua efetividade aos seus destinatários numa sociedade multicultural e multiétnica como é a do o Brasil.

Petruccelli (2006, apud Guimarães 2006, p.280) define o multiculturalismo como uma “ideologia apropriada ao Estado contemporâneo, que necessita reconhecer as novas identidades sociais baseadas na raça e na cultura, ou seja, os novos grupos sociais e atores políticos (os negros, os indígenas etc.)”.

Entretanto as linguagens não são unívocas no que se refere a esse conceito e encerram diferentes concepções, pois, para outros (Carvalho apud GUIMARÃES, 2006, p.280), o multiculturalismo “é uma ideologia profundamente contrária ao espírito que norteou a formação histórica da nação brasileira.” Esses argumentam que as políticas de cotas provocariam a criação de comissões para julgar e decidir sobre a “cor” ou a “etnia” de um possível beneficiário, desrespeitando o “direito individual de nomear-se ou auto-representar- se”.

Assim como há discordâncias em relação ao que vem a ser o “multiculturalismo”, também há no que se refere às políticas de ação afirmativa, principalmente sobre as “políticas de cotas” que, em muitas discussões, são utilizadas, equivocadamente, e compreendidas como sinônimo de “ação afirmativa”. Essas discussões, afirma Siss (2003, p.131), vêm ocorrendo nas últimas décadas do século XX e quase sempre pelas organizações do Movimento Negro nacional. O autor alerta para a inexistência de consenso no Movimento Negro sobre o tema e que há muitos questionamentos sobre a validade, necessidade e implementação dessas políticas. Os argumentos não diferem aos já explicitados anteriormente dos defensores e opositores nos Estados Unidos.

As políticas de cotas para negros na universidade é um assunto que vem polarizando discussões acirradas quanto à competência dos afrodescendentes para “acompanhar” as aulas 95

e obter um bom rendimento. Nesse fato subjaz um sentimento de menosprezo, menosvalia com relação ao grupo racial negro e permite que conclusões falaciosas sejam pronunciadas com status de “verdades absolutas e irrefutáveis”. Contrariando este argumento e embasado em dados obtidos da realidade concreta, o Frei David Santos Ofm, sacerdote franciscano e diretor-executivo da Educafro, rede de 255 pré-vestibulares comunitários para negros, em artigo publicado na Revista “Raça Brasil”, traz algumas considerações importantíssimas para que se compreendam os resultados dessas políticas de discriminação positiva, pois, segundo ele

[...] Mais de trinta instituições superiores de ensino público já adotaram ações afirmativas para o ingresso de seus alunos (veja a lista completa em www.racabrasil.com.br). Nenhuma delas está arrependida. Muito pelo contrário. Todas estão surpresas com a capacidade de superação dos cotistas. Em geral, no vestibular, eles tiram notas 30% abaixo das alcançadas pelos alunos da classe média que freqüentaram cursinhos caros. Um ano após terem ingressado na universidade, seria normal terem média acadêmica 30% abaixo dos demais, que entraram com o auxílio de cursinhos pagos. No entanto, o que se vê? Eles têm notas próximas, iguais ou superiores. Isso se verificou na Escola Paulista de Medicina, nas federais do Paraná, da Bahia, de Mato Grosso, de Brasília e em diversas outras universidades. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, após um ano de aplicação das cotas, a pesquisa foi bastante abrangente. Vamos levar em conta aqui apenas a avaliação do desempenho dos alunos que tiveram médias finais entre 7 e 10. Após um ano de análise dos dois grupos - freqüentando a mesma sala, com o mesmo professor e com acesso à mesma biblioteca -, dos alunos que entraram pelo método tradicional, sem as cotas, apenas 47 % obtiveram média final entre 7 e 10 pontos. Já entre os cotistas, pobres, negros, de escolas públicas, que só entraram porque foram beneficiados por esse tipo de ação afirmativa, o índice dos que obtiveram a mesma média sobe para 48,9% [...].

Originariamente, compete ao Estado promover o bem comum de sua população e corrigir as desigualdades. Desse modo, deve facilitar e promover o ingresso na universidade dos afrodescendentes a fim de que se atenue a relação de poder historicamente construída e centralizada nos não-negros, pois é notório que o maior grau de escolarização está diretamente ligado à mobilidade vertical ascendente da pirâmide social.

Uma verdadeira democracia se afirma quando o Estado se preocupa e promove ações que garantam a melhor divisão do poder entre todos seus cidadãos.

A revisão da literatura anteriormente aludida teve a intenção de fornecer subsídios teóricos para a compreensão dos temas abordados, bem como validar as análises das entrevistas que serão posteriormente mencionadas nesta Dissertação. Diversos teóricos e

estudiosos foram referidos e suas vozes, às vezes em uníssono, outras discordantes, foram inseridas com a finalidade de permitir que o contraditório se estabelecesse nesse diálogo.

Entretanto, de maneira tácita ou explícita, o meu posicionamento pessoal permeou todos os argumentos proferidos, por não acreditar numa pretensa ou pseudo neutralidade e por estar ciente de que as palavras desvelam e revelam muito do que se é, deixando transparecer o conhecimento enciclopédico, a visão de mundo, paradigmas e posições de sujeito que assumimos e com as quais nos identificamos. Oportunamente, as vozes dos participantes da pesquisa serão inseridas e novos diálogos, indagações e inferências serão realizados, favorecendo o aprofundamento de alguns assuntos e de um olhar multidimensional sobre a complexa temática tratada nesta pesquisa, bem como sobre as relações poliédricas estabelecidas no contexto vivenciado pelos afrodescendentes.

4 METODOLOGIA