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Os Afrodescendentes no Contexto Brasileiro: exclusão histórica

1 INTRODUÇÃO

1.2 DIALOGANDO COM OS TEXTOS PRODUZIDOS PELO GT21, AFRO-

3.2.1 Os Afrodescendentes no Contexto Brasileiro: exclusão histórica

Kabenguele Munanga (2003, p.9), Professor titular da Universidade de São Paulo, perscrutando, também, o possível nascedouro do problema, remete-nos há cerca de quatrocentos anos atrás quando os primeiros africanos foram trazidos ao Brasil. Naquela época, diz o autor, o seu estatuto de escravizados não lhes dava direito ao sistema educacional que era reservado aos homens e mulheres livres. Dessa maneira, ilustrar, o único marco

Pierre Verger – Brazzavile (Congo) – 1952 (no 3191)

histórico objetivo para analisar e discutir a situação educativa do afrodescendente neste País só pode ser fixado após a abolição formal decretada em maio de 1888. Mas, a “almejada” igualdade não ocorreu com tal declaração. As dicotomias, antes marcadas por livre/escravo ou senhor/escravo, continuaram sob a oposição branco/negro. Os que sobreviveram à escravidão e seus descendentes foram, segundo o autor, submetidos a um sistema educacional monocultural eurocêntrico que nada tinha a ver com sua história, sua cultura, sua visão de mundo.

McLaren (2000, p.257) busca no passado, elementos que elucidem o conceito de “condição branca”, como medida existente para raças consideradas superiores e inferiores e acrescenta:

A negritude, a condição negra, foi avaliada positivamente na iconografia européia, do século XII ao século XV, mas a partir do século XVII e do crescimento do colonialismo europeu, ser negro foi convenientemente relacionado à inferioridade (Cashmore, 1996). Por exemplo, durante os séculos XVI e XVII, pureza de sangue foi elevada a um status metafísico, talvez até sacerdotal, já que foi o princípio usado para periferizar os índios, os mouros e os judeus. Ser negro não foi imediatamente associado à escravidão. Nos Estados Unidos, a imagem humanística dos africanos, criada pelo movimento abolicionista, foi logo combatida pelas novas formas de significação racial, nas quais a pele branca era identificada como a superioridade racial.

A exclusão do afrodescendente do processo educacional escolarizado é histórica. Siss (2003), fazendo um retrospecto das leis que corroboraram com essa situação, informa, entre outros regramentos legais, que em 4 de janeiro de 1837 foi sancionada a Lei nº1, que no seu artigo 3º determinava quem era proibido de freqüentar escolas públicas: todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas, os escravos, e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos. A exclusão é histórica, entretanto, esta constatação não justifica a apatia. É imprescindível ir além do discurso, superar o positivismo, pois a conivência, neste exato momento, em algum lugar do País e do mundo, está aniquilando, vitimando (e não vitimizando) seres humanos. Que classe de País queremos para nossos descendentes, sejam eles consangüíneos ou não, mas todos habitantes do planeta Terra?

O interessante é que essa tão propalada democracia só vem à tona nas discussões contra as ações afirmativas que beneficiam uma parcela minoritária no acesso às oportunidades, mas, já maioria na miséria ou abaixo da linha de pobreza, analfabeta ou com ensino de péssima qualidade e ocupando subempregos.

O conteúdo subjacente no discurso “democrático”, na maioria das vezes, denota uma perversidade tal que consegue a manutenção da cínica igualdade. Assim, a discussão não avança, pois “somos todos iguais perante a lei”. Essa assertiva pressupõe o (re)conhecimento de que de fato não há uma igualdade. Siss (2003) adverte:

...as pesquisas acadêmicas qualitativas e quantitativas sobre as diversidades racial e cultural, realizadas nas áreas da educação, têm contribuído enormemente para evidenciar que há brutal desigualdade no que diz respeito às realizações socioeconômicas e educacionais dos afro-brasileiros, quando comparadas às do grupo racial branco.

O fenômeno da desigualdade no Brasil talvez seja um dos poucos consensos existentes no País. No entanto, esta constatação não resulta em ações que alterem, reduzam ou atenuem as desigualdades sociais. Os direitos básicos propostos na Constituição estão muito longe de serem garantidos a uma massa lembrada apenas nas eleições. O discurso do “somos todos iguais” e de que o Brasil é um país harmonicamente miscigenado só aparece nos posicionamentos contrários às políticas de quotas e tem a pretensão de mascarar o preconceito, a desigualdade no acesso às oportunidades e apagar as diferenças, mostrando que vivemos uma democracia racial, se é que existem raças. Se isso fosse verdade não necessitaria ser reafirmado reiteradamente nas campanhas políticas, seria algo rotineiro. É muito mais fácil ficar na superfície do problema a imergir nele para afirmar: o Brasil é preconceituoso. Há uma execrável seqüência lógica proposta por Pinto (2004) e com a qual compactuo:

O discurso da democracia racial é o apagamento do fato de que as pessoas negras são mais pobres porque são negros e porque há preconceito. Não é por acaso, não é uma coincidência. Não é porque são mais burros, não é porque são menos estudados. É porque quem é negro não consegue estudar, sendo negro tem menos possibilidade de empregos.

Isso é uma democracia? Segundo Pinto (2004) há democracia onde existem eleições regulares, não fraudulentas, liberdade de expressão, imprensa livre e partidos políticos funcionando sem nenhum empecilho e quando mais pessoas têm o poder. Eu acrescentaria: há democracia onde existe igualdade no acesso às oportunidades sem a necessidade de implementação de ações afirmativas que as garantam.

Rodrigues (1995, p.11) informa que a investigação realizada pelo Instituto de Pesquisas Datafolha em 1995, constatou que apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver

preconceito de cor contra negros no Brasil, só 10% admitem ter um pouco ou muito preconceito. Essa investigação mostrou também que, de forma indireta, 87% revelam algum preconceito ao pronunciar ou concordar com enunciados de conteúdo racista em relação a negros. O autor, sintetizando as informações coletadas informa que os brasileiros sabem que há racismo, negam tê-lo, mas demonstram, em sua maioria, preconceito contra negros. O preconceito se apresenta de maneira cordial, polida. Segundo Buarque de Holanda (apud RODRIGUES, p.13), essa cordialidade “equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intactas suas sensibilidades e suas emoções.”.

O Datafolha, a exemplo dos estudos supracitados, comprovou, cientificamente, o que a maioria já sabia: o Brasil é um país preconceituoso contra pessoas negras. Esta constatação não me surpreende, ao contrário, ratifica o que já venho conhecendo desde a infância. Entretanto, me questiono sobre o que será feito com essas informações e se elas servirão apenas para um banco de dados esquecido entre outros tantos. A iniciativa tomada por este grupo precisa ser reiterada por outros seres individuais e coletivos que acreditem na mesma causa.

Os números da exclusão dos negros são hediondos. Segundo o IBGE, PNAD 2003, os negros (pretos e pardos) representam 47,3 % da população brasileira. Os brancos somam 52,1% e os amarelos e indígenas, 0,6%. Segundo Bento, a situação persistente de iniqüidade alimenta a construção de vulnerabilidades e de acúmulo de desvantagens que mantém os negros (pretos e pardos) em situação de pobreza crônica, com a banalização das desigualdades e da invisibilidade em relação às políticas públicas e constata que

1. A proporção de pessoas negras vivendo abaixo da linha da pobreza, em relação às pessoas brancas, passou de menos do que o dobro no começo da década de 90 para mais do que o dobro na segunda parte da década.

2. Dados do IBGE, PNAD 2003 revelam que, a distribuição percentual do rendimento dos 10% mais pobres, 67,8% são negros. Entre os brancos esse percentual é de 32,2%.

3. A expectativa de vida dos negros brasileiros é de 6 anos inferior à dos brancos. A dos negros é de 68 anos, em comparação com 74 para os brancos.

4. A anestesia no parto não é dada a mais de 12% das mulheres negras, enquanto apenas 6% das mulheres brancas não têm acesso a esse serviço.

5. A renda per capita dos negros em 2000 era a metade da dos brancos (reportagem de O Estado de S. Paulo, 16/02/03).

6. Entre os brasileiros que têm computador, 79,77% são brancos, 15,32% são pardos e 2,42% são pretos, o que significa que, para cada preto/pardo com acesso à informatização, existem 3,5 brancos.

7. Em 2003 (IBGE, PNAD), os empregadores brancos totalizavam 5,8%, enquanto os afrodescendentes, apenas 2,2%.

O primeiro espaço de ruptura cultural se dá na escola onde os negros são desprestigiados, desvalorizados e pressionados a assimilar a fala e os costumes da classe dominante como questão de sobrevivência e adquirem o que é chamado de “padrão”. Mas quem estabelece este padrão? Por que aquilo que provém da raça negra, na maioria das vezes de maneira ostensiva, é associado à má qualidade? Mas quem qualifica a qualidade? Os conhecimentos construídos em sala de aula e os historicamente transmitidos de geração a geração contemplam a importância do papel do negro neste panorama? Qual o paradigma em que se fundamenta a práxis dos docentes? Os afrodescendentes são valorizados em suas questões idiossincrásicas e atávicas? Como o negro se percebe em sala de aula? Apple (2002) corrobora estas indagações e afirma:

... como um aparelho do estado as escolas exercem papéis importantes na criação das condições necessárias para a acumulação de capital (elas ordenam, selecionam e certificam um corpo discente hierarquicamente organizado) e para legitimação (elas mantêm uma ideologia meritocrática imprecisa, e, portanto, legitimam as forças ideológicas necessárias para a recriação da desigualdade).

Segundo Lobera (2004, p.59), existem espaços especialmente configurados para aprender (cursos, seminários, a escola), mas a rua, o bairro, a família e os meios de comunicação também educam porque são espaços de onde aprendemos coisas. Neste sentido, é importante perceber se a educação escolar está orientada à educação intercultural, isto é, aquela que tem como propósito educar em valores e para o respeito e valorização da diversidade, características fundamentais na educação inclusiva.

A análise do que realmente acontece na escola e dos efeitos que tem nos pensamentos, nos sentimentos e nas condutas dos estudantes requer descer aos intercâmbios subterrâneos de significados que se produzem nos momentos e nas situações mais diversas e inadvertidas da vida cotidiana da escola. As diferentes culturas que se entrecruzam no espaço escolar impregnam o sentido dos intercâmbios e o valor das transações em meio às quais se desenvolve a construção de significados de cada indivíduo. (PÉREZ GÓMEZ, 2001, pp. 16-17)

É conditio sine qua non a revisão imediata da práxis docente com o intuito de reverter esse paradigma excludente e fragmentador que assola as salas de aula para que se melhorem

as relações entre os professores e alunos e que o ensino e a aprendizagem sejam, de fato, inclusivos. Alunos e professores trazem as suas culturas para a sala de aula e essas foram adquiridas e construídas dentro de contextos sociais mais amplos, carregados de diferentes ideologias. Entretanto, esse encontro carece de harmonia e de aceitação incondicional, ou seja, respeitar, querer e compreender ao outro como ele é e não como gostaríamos que ele fosse. A sala de aula não é palco de batalha, de disputas, é lugar de discussão, de crescimento, de intercambio.

[...] a cultura dos alunos se mostra dependente da cultura dos docentes, se encontra substancialmente mediada pelos valores, pelas rotinas e pelas normas que os docentes impõem. Inclusive, nos processos e nas situações de maior contestação, é uma reação à impermeabilidade da cultura dos docentes que permanecem de maneira mais prolongada e com maiores cotas de poder na instituição escolar. (PÉREZ GÓMEZ, 2001, P.165)

O contexto escolar, muitas vezes, se revela adverso para os afrodescendentes, porém alguns conseguem adaptar-se, resistir, refazer-se, ser feliz e romper com este círculo vicioso sem perder a sua identidade.

3.2.2 O Ensino da Cultura Afro-Brasileira e Africana nas Escolas: (des)caminhos para a