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O Reconhecimento da Própria Resiliência

1 INTRODUÇÃO

5.2 ESTABELECENDO RELAÇÃO ENTRE AS TRAJETÓRIAS DOS SUJEITOS DA

5.2.2 Tocando o Barco Sozinho (a): a superação das adversidades e a ressignificação

5.2.2.1 O Reconhecimento da Própria Resiliência

A maior glória em viver não está em jamais cair, mas em nos levantar cada vez que caímos. Nelson Mandela (FRASES FAMOSAS)

O termo ‘resiliência’ não era de conhecimento de todos os entrevistados e entrevistadas e, por este motivo, foi necessária uma breve elucidação acerca do mesmo a fim de identificar se eles e elas se reconhecem como resilientes, bem como quais os motivos que os fazem acreditar que essa capacidade pode ser a eles atribuídas.

Pierre Verger – Porto Novo (Bénin) 1948-1979 (no 7762)

Soraia, assim como os demais entrevistados, descobriu há pouco tempo o que era ser ‘resiliente’, embora a sua trajetória de vida esteja marcada por adversidades constantes e superação das mesmas através de características que ela se auto-atribuiu, tais como: persistência, lealdade, dignidade, ambição, competitividade, organizada no projeto de vida. A sua inteligência, validada por diversas professoras nos diferentes níveis de ensino, a fluência verbal, a escrita correta e bem elaborada, a autoconfiança adquirida com o passar do tempo foram os suportes que alavancaram e deram subsídios para que Soraia saísse fortalecida das experiências adversas pelas quais passou e voasse cada vez mais alto: “Quando eu escutei a história do Patinho Feio eu pensei: Por que eu não li isso antes? Eu não era igual àquela família de patos, eu queria voar muito mais alto. Eles eram felizes da forma como eles viviam”. (SORAIA)

Eu não sabia que essa palavra existia, mas quando eu entendi o sentido, acho que sou... 100% seria muita pretensão..., mas eu nunca desisti. Quando me diziam em pequena que eu era feia eu dizia: sou feia, mas sou inteligente. Não poderia dizer isso aos meus avôs, porque seria insubordinação que eles não iriam admitir. Quando tentavam me por para baixo lá dentro eu confiava assim: mas eu sei mais que eles. Se alguém estava mais bonita no baile: eu sou mais inteligente para conversar. Se no meu trabalho diziam que eu não estava bem vestida, mas eu sei escrever. (SORAIA)

Sérgio se reconhece como resiliente, mas não se considera uma pessoa “incomum” por esse motivo. Acredita que algumas características suas contribuíram para o desenvolvimento da sua resiliência: valores éticos e morais, personalidade forte, persistência, vontade, espírito de luta, não aceitar muito “não” na sua vida e transgredir no sentido de não cometer ilícitos, mas de ir além do que está prescrito e inconformidade. Afirma que algumas pessoas se sobressaem por serem menos resignadas que as outras e mais ousadas.

[...] não é que nós sejamos pessoas incomuns, talvez alguns se sobressaiam por serem menos resignados e mais ousados e, portanto terem realizado muitas coisas que estão aí, isso é um feito excepcional para quem quer fazer, a diferença está, porque alguns fazem e a maioria não faz [...], nesse sentido eu me sinto uma pessoa, primeiro resiliente, por estar em paz comigo mesmo e saber que eu fiz, nesse valor de juízo, de ética e moral eu ter bem definido que o que eu tinha de fazer eu fiz e venho fazendo, nem mais, nem menos, de acordo com o meu poder, com o meu espaço, com a minha capacidade, com o meu conhecimento, eu fiz o que tinha que fazer e continuo fazendo, então nesse sentido sim. (SÉRGIO)

A “casinha” não era o lugar aconchegante no qual Liana tivesse apoio de muitos familiares para crescer e desenvolver-se saudavelmente. Através do seu relato percebe-se que

contou exclusivamente, na infância e na adolescência, com o apoio do seu pai. Não lhe era facultado o sonho de ter uma vida melhor. Liana superou os sarcásticos prognósticos feitos por alguns de seus parentes, segundo os quais ela seria uma dona de casa, velha, gorda e cheia de filhos. Ousou e conseguiu ter uma vida muito melhor que essa. Optou por ter apenas um único filho, superou-se e ocupou um lugar diferente daquele que lhe havia sido predestinado. Quando questionada se ela se considera uma pessoa resiliente, não tem dúvidas e afirma

[...] Com certeza eu me considero uma pessoa resiliente sim, foram muitas as coisas que eu superei e que não eram esperadas que eu superasse, na verdade para os outros não foi uma superação, para mim eu sei que foi uma superação porque eles esperavam que eu continuasse no mesmo lugar que eu estava e eu acho que ultrapassei todas essas, esse dito lugar esperado e mostrei que existem outros lugares que a gente pode buscar e que pode ser completamente diferente. (LIANA)

Talita, assim como os demais entrevistados mencionados, não tem dúvidas de que é uma pessoa resiliente e afirma com veemência: “Com certeza, porque tu vês, olha a minha história, um casamento com uma pessoa nada a ver, com três crianças, um trabalho que não era bom na época e tu conseguir reverter, eu acho que eu sou, me enquadro aí dentro, com certeza”. (TALITA)

Entretanto apenas um dos entrevistados apresenta dúvidas ao reconhecer-se como resiliente. Airton afirma nunca ter se reconhecido como resiliente porque,embora tenha tido uma infância pobre, com algumas limitações, não lutou contra tantas dificuldades, já que teve sempre uma estrutura familiar e exemplos familiares que o apoiaram bastante.

Mas quando se trata da esfera profissional, Airton se considera um resiliente pela competitividade enfrentada no processo de seleção da empresa na qual trabalha há mais de 20 anos. Ele teve que competir com 200 candidatos e apenas 3 ou 4 foram selecionados.

Sem dúvida que é difícil de entrar e mais do que entrar, depois é difícil de permanecer. Você tem que estar sempre se superando. Talvez tenha essa questão de resiliência, por ser um ambiente super competitivo, onde você faz parte de uma minoria, acho que não só dentro da empresa, como inclusive, às vezes um cliente, que você fala por telefone e não tem uma imagem de como você é, quando você vai visitá-lo pela primeira vez, às vezes você nota que a pessoa fica surpresa, porque você tem uma característica diferente da que ele imaginava, então eu acho assim. [...] (AIRTON)

Possivelmente Airton não se reconheça como resiliente por acreditar que para sê-lo tivesse que ter enfrentado um grau muito alto de adversidades na infância, o que sabemos que

está equivocado, já que a adversidade não é estática e tampouco o são os níveis de resiliência exigidos para superá-la. Tampouco é possível essa ruptura de ser resiliente no profissional e não sê-lo no pessoal, já que a pessoa, ainda que vivencie diferentes identidades cambiantes (pai, aluno, profissional, marido, filho, etc.) construídas na relação com os outros, apresenta um eixo que lhe é comum em todas as suas manifestações.

Os fatores de proteção ao risco vão depender das características individuais dentro de determinados contextos. Pelo que foi apresentado teoricamente ao longo desta Dissertação, Airton apresenta as peculiaridades da pessoa resiliente, pois ele, além de outras características presentes no seu relato, advindo de uma família de escassos recursos financeiros, conviveu com o alcoolismo do pai, transformando o que para muitos poderia ser um trauma em um exemplo do que não deveria fazer. Além disso, durante a sua trajetória submeteu-se a processos de seleção extremamente competitivos como o vestibular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na empresa onde trabalha, sendo aprovado nos mesmos e superando sempre as expectativas próprias e dos outros. Airton construiu uma carreira profissional sólida, começando pelo cargo de trainee até chegar ao de sócio, em 2006, da multinacional onde trabalha. Mas acredita que precisa exercer a sua resiliência quando visita os seus clientes.

O relato de Airton apresenta relação com o proposto por Cyrulnik (2005, p.31) no que tange aos mecanismos de defesa custosos, mas necessários para que se possa afastar o passado, mais notadamente “a negação”. São eles:

a negação: “Não acreditem que eu tenho sofrido”;

o afastamento: “Lembro-me de um acontecimento que está desvinculado da sua afetividade”;

a fugida em frente: “Vigio constantemente para impedir que a minha angustia se repita”;

a intelectualização: “Quanto mais tento compreender, mais domino a emoção insuportável”;

e, sobretudo, a criatividade: “Experimento o inexplicável dom da recompensa da obra de arte.”