• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

1.3 O QUE NOS INQUIETOU NESSE TEMA?

Um dos elementos que chamou a atenção para a investigação realizada foi o enredamento da temática. São diversas as orientações que vêm sendo dadas aos processos participativos formais construídos na sociedade e na escola, dentre elas: a concepção de gestão escolar tecno-democrática17, restrita aos procedimentos formais, numa lógica de consenso passivo; de uma participação limitada à concepção representativa e/ou neoliberal de terceira-via18; mas, também de uma efetiva participação democrática ampliada, que preconiza o controle social das ações do Estado e da escola pela sociedade/comunidade. Essas concepções que perpassam os contextos discursivos demarcam a complexidade do fenômeno da participação democrática.

Chamamos de consenso passivo o resultado de um processo participativo em que as diversidades e as divergências sejam entre as classes sociais, frações de classe, grupos tendem a ser substituídos por uma perspectiva homogênea, harmônica, conformista de sociedade. O consenso tende a ser construído pelo não reconhecimento de diferenças e diversidades de classes, desloca-se a discussão das classes sociais para a de minorias. Camufla-se o conflito orientado pela luta de classes e entra em cena a orientação para um pacto social trans-classe. Os conflitos são reorganizados e ordenados nos limites da ordem estabelecida; as contradições capital–trabalho são reduzidas às demandas de identidades deslocadas do discurso de classe; e uma participação do tipo subalterna que reduz os espaços de conflitos sociais a espaços de conciliação social; tendem a legitimar o que já foi definido em outras instâncias e/ou níveis das estruturas de relações sociais. Qualquer tensão de projetos e/ou conflitos é percebida como distúrbio e ameaçador da ordem. A orientação da participação está restrita à ideia da harmonização dos conflitos, filantrópico e restrito a uma rede colaborativa.

Outro dado intrigante, não menos complexo, foi a observação da coexistência de discursos e práticas ancorados em representações coletivas consideradas democráticas juntamente com antidemocráticas. Essas, construídas pelos signos de uma cultura autoritária, resultante de valores sociais oriundos das práticas pessoalistas, patrimonialistas, clientelistas,

17 A literatura da área Libâneo (2009), Costa (1996), Lima (2001), Sander (2007) apresentam expressões

diferentes para o que denominamos por gestão escolar técnico: prescrição detalhada das tarefas que são divididas; poder centralizado no diretor; rígidos sistemas de normas e regras; comunicação de cima para baixo; divisão do trabalho entre os que planejam e os que executam com a existência de instrumentos e mecanismos democráticos minimalistas.

presentes no Estado brasileiro e fortemente circuladas nas relações sociais alagoanas (VERÇOSA, 2001).

A partir dessas considerações, formulamos a problemática desta pesquisa: nas últimas décadas, o Estado brasileiro particularmente sua máquina administrativa, e o Estado alagoano19 avançaram na consagração e decretação dos princípios da gestão democrática

escolar20. Nesse sentido, absorveu demandas de setores progressistas da sociedade brasileira

que reivindicam a ampla democratização dos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas em suas diversas instâncias e níveis. Nas políticas para a educação, porém, apesar de uma legislação que preconiza a gestão democrática e de programas e projetos que buscam incentivar e implementar uma cultura de participação nas escolas, na sua complexidade, há desafios quanto à construção de uma efetiva participação. É nesse contexto que se situam nossas análises sobre as representações sociais dos gestores alagoanos que demonstram como pouco se tem avançado para a constituição de relações sociais que incorporem práticas de participação efetivamente democráticas.

Para que pudéssemos considerar os elementos que nos inquietaram e nos levaram a essa investigação, norteada pela situação problemática acima anunciada, percorremos o caminho da relação entre os contextos macro e microssocial. Estamos chamando de microssocial o espaço no qual os sujeitos participantes desta pesquisa estão imediatamente inseridos, ou seja, o contexto alagoano; por macrossocial, o lugar onde são construídas as representações coletivas sobre democracia e participação democrática. Convém destacar que não pensamos esses contextos separadamente, mas os compreendemos em relação dialética apesar de suas especificidades, como já anunciamos.

A partir da problematização apresentada e da necessidade de ampliar a compreensão do fenômeno da participação democrática, considerando as relações que se estabelecem entre contextos micro e macro, a seguinte questão foi formulada para esta pesquisa: Quais as representações sociais sobre a participação democrática de gestores de escolas públicas em Alagoas?

19 Estado brasileiro aqui é compreendido enquanto categoria teórica que será explicada mais adiante, enquanto

Estado alagoano se refere à classificação geopolítica do território.

20 A conquista de uma gestão educacional democrática como direito almejado pela comunidade escolar em

Alagoas, seguindo o que determina a LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, foi consagrada em forma da Lei nº 6.196, sancionada em 26 de setembro de 2000, no Estatuto do Magistério, Capítulo III, Seção II, art. 46. O texto do artigo diz que a gestão democrática deverá ser construída coletivamente nos princípios da participação da comunidade escolar, em instâncias deliberativas, consultivas e avaliativas, da autonomia da escola, do dever do Estado, descentralização, articulação e transparência pedagógica, financeira e administrativa da Secretaria Estadual de Educação e Esportes de Alagoas (SEE/AL).

Para a resposta dessa questão, fizemos um recorte sobre quais os elementos que poderiam explicar a formação das RS. Como ponto de partida, formulamos os seguintes pressupostos:

 O projeto de sociedade das classes hegemônicas contém uma determinada perspectiva de participação democrática, a partir de sua dimensão ético-política que influencia fortemente na formulação das representações sociais que os gestores escolares constroem sobre tais práticas.

 As políticas públicas da educação que têm preconizado a participação tendem a orientar os processos participativos nas escolas numa perspectiva do consenso passivo.

Considerando a linha de investigação adotada, da relação micro e macrossocial, os pressupostos incialmente formulados possibilitaram construir um arcabouço de elementos para melhor análise nesta tese:

 As representações sobre a participação democrática são ancoradas em experiências não democráticas. Tal contexto cria um embaralhamento entre o que se pretende materializar e o que é parte do cotidiano do alagoano, ou seja, uma cultura de participação democrática orientada, também, por valores antidemocráticos.