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PROBLEMATIZANDO O CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO: GOVERNO E

4 O CAMPO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO COMO

4.1 PROBLEMATIZANDO O CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO: GOVERNO E

As reivindicações de determinados grupos da sociedade civil alinhados à ideia de educação pública nos anos 1980, em certa medida foram atendidas, como indica o reconhecimento da gestão democrática pelo Estado brasileiro como princípio da Educação na Constituição Federal (CF) de 1988, o que foi reafirmado na LDB nº 9.394/1996. Portanto, foi a partir de setores progressistas da sociedade civil que o projeto de gestão democrática foi consagrado e decretado (LIMA, 2001), fato significante para o Estado Brasileiro que passou a reconhecer legalmente este modelo de gestão para a escola pública.

Além da incorporação do modelo de gestão democrática da educação na legislação brasileira, houve também a incorporação de políticas de Estado. A exemplo do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001-2011, instrumento de planejamento da política educacional do país que deve ser formulado a cada dez anos, conforme consta na LDB. Deste modo, foi formulado pelo Estado Brasileiro o campo ético-político para a construção de uma cultura participativa na sociedade civil.

Compreendemos que a formulação de uma política pública se dá no conjunto do Estado Ampliado e que o seu resultado tem relação com as formas de organização dos diversos setores e com as suas capacidades de movimentarem poderes a seu favor. Azevedo (2004, p. 60) destaca a presença de uma multiplicidade de setores (educacional, bancário, da saúde, industrial, agrícola etc.) que configuram as estruturas sociais. Estes se constituem em espaços propositivos de políticas e pressionam o Estado para o atendimento de suas demandas. O Estado, ao reconhecer os problemas de um determinado setor, procurará resolvê- los por meio da formulação de políticas públicas.

Com efeito, pode-se afirmar que um setor ou uma política pública para um setor, constitui-se a partir de uma questão que se torna socialmente problematizada. A partir de um problema que passa a ser discutido amplamente pela sociedade, exigindo a atuação do Estado (AZEVEDO, 2004, p. 61).

Souza (2006) ao fazer uma revisão de como o conceito sobre política pública aparece na literatura51, aponta quatro deles: 1) campo de estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas; 2) conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos; 3) soma das atividades dos governos que agem diretamente ou através de delegação e que influencia a vida dos cidadãos; 4) o que o governo escolhe fazer ou não fazer. Ao destacar que no campo investigativo das políticas públicas a ação dos governos tem sido enfatizada, diferente das abordagens do início do século XX que buscavam analisá- las a partir do papel do Estado, Souza (2006, p. 25) chama a atenção para o fato de que algumas definições, ao focar a análise na ação dos governos, deixam de lado questões conflituosas que envolvem a definição das políticas; deixam de “fora possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais. E, ainda questiona: “qual o espaço que cabe aos governos” na definição e implementação das políticas públicas?

Antes de arrazoarmos essa questão, convém definirmos o que compreendemos por governo. Levi (apud BOBBIO, 1998, p. 555-56) comenta que o significado de governo é diverso na linguagem política e numa primeira conceituação pode ser definido como um “conjunto de pessoas que exercem poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade”. Acrescenta que na sociedade moderna “o poder de governo está associado à noção de Estado”; ainda, o “conjunto de órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder”.

Ao discutir “a vida política”, Chauí (2000) expõe diversos sentidos de política,52

dentre eles o sentido de governo, entendido como direção e administração do poder público, sob a forma do Estado. Para a intelectual, governo, numa concepção mais simplificada, significa o grupo de pessoas que exerce o poder político e administra o Estado. Esse, por sua vez, exerce o papel de orientar a política numa determinada sociedade, ao atuar em um determinado nível da esfera estatal. A atuação do governo pode ser mais ou menos complexa a depender das relações estabelecidas entre as diversas instituições burocráticas do Estado e da relação para com a sociedade civil.

51 Segundo o Dicionário de Política, organizado por Bobbio (1998, p, 954), o termo política na época moderna

passou a ser “comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a polis, ou seja, o Estado. Dessa atividade a polis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à esfera da Política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc.; outras vezes ela é objeto, quando são referidas à esfera da Política ações como a conquista, a manutenção, a defesa, a ampliação, o robustecimento, a derrubada, a destruição do poder estatal, etc.”.

Nesta pesquisa, adotamos o conceito de Estado Ampliado de Gramsci. Assim, entendemos que o governo é a expressão dos processos de hegemonias que são construídos na sociedade civil que tem espaço próprio de atuação na definição das políticas públicas. E não se trata de reificar o governo como se este pairasse acima da sociedade. Quando se toma o conceito de Estado Ampliado para o desenvolvimento das análises, considera-se que o governo pode ou não ter maior ou menor interferência nas definições das políticas públicas em detrimento das demandas de determinados setores da sociedade civil. A depender de como se configura a tessitura política em determinados momentos no processo de relação política.

Segundo Azevedo (2004, p. 60), apoiada em Jobert e Muller, as políticas públicas “dão visibilidade e materialidade ao Estado, e por isso, são definidas como sendo o ‘Estado em ação’”.

Considerando os limites da democracia representativa e sua crise, apontadas na seção 2, não seria assombroso considerar um distanciamento dos governos (no sentido que adotamos nesta pesquisa) das diversas forças da sociedade civil, especificamente dos setores que historicamente estão mais à margem do centro político de decisão.

Souza (2006, p. 39) analisa que a luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de políticas públicas. Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas53 que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento de outros. Ainda, segundo a autora, os governos têm assumido uma centralidade na formulação das políticas públicas.

De tudo que foi exposto até o momento, consideramos que as políticas públicas refletem ações de governos, interesses das classes, frações de classe dos diversos grupos da sociedade civil. Políticas que podem ser resultados do “Estado em ação” através de um amplo processo de participação traduzidas enquanto construção de hegemonias das classes sociais.

53 Sobre o papel das instituições na definição das políticas públicas conferir sobre o neoinstitucionalimo em Frey

(2000, p. 231 -234). Segundo o autor, o institucionalismo tradicional percebe nas instituições um “significado estratégico e uma função relacional, regulatória e cultural uma vez que as instituições ordenam as redes de relações sociais, regulam a distribuição de gratificações e posições sociais pela definição de metas e da determinação e destinação de recursos e, finalmente, sendo elas intermediadas por valores, representam a índole espiritual da sociedade como um todo. Para Frey (2000), há uma necessidade de revisão dessa abordagem, tendo em vista, principalmente, o papel das instituições em países que não têm suas instituições consolidas. Ainda, segundo Frey (2000), o neoinstitucionalismo busca compreender os fatos não apenas pela via institucional. Entende-se que as instituições não são apenas “reflexos de necessidades individuais ou sociais”, mas compreendem, também, “padrões regularizados de interação, conhecidos, praticados e em geral reconhecidos e aceitos pelos atores sociais”. Apoiado em Prittwitz, Frey escreve que as instituições são produtos dos “processos políticos de negociação antecedentes, refletem as relações de poder existentes e podem ter efeitos decisivos para o processo político e seus resultados materiais.