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Instalação da Assembleia Nacional Constituinte e as Regras do Jogo

3. A DINÂMICA DO PROCESSO CONSTITUINTE

3.1. Instalação da Assembleia Nacional Constituinte e as Regras do Jogo

Instalada a Assembleia Nacional Constituinte ou Congresso Constituinte, em 1º de fevereiro de 1987, verificamos que sua composição corroborou a expectativa de Coelho (1999) de que o grande beneficiado seria o PMDB, pois, dos 559 parlamentares, 306 pertenciam a esse partido. Do total dos parlamentares, 487 eram Deputados Federais; 49 eram Senadores eleitos em 1986 e 23, eleitos em 1982, distribuídos partidariamente da seguinte forma:

Tabela 1 – Composição Partidária da ANC 0 50 100 150 200 250 300 350 PMDB PFL PDS PDT PTB PT PL PDC PCB PCdoB PSB PMB PSC 306 132 38 26 18 16 7 6 3 3 2 1 1

Fonte: Anais da Assembleia Nacional Constituinte (1987)

Logo nos primeiros momentos, os constituintes se depararam com dois problemas: a falta de um modelo ou anteprojeto47 que pudesse orientar os seus trabalhos e a presença dos senadores eleitos em 1982, gerando um debate sobre a legitimidade de sua participação na Constituinte (VILLA, 2011, p.114).

Quanto ao problema dos senadores eleitos em 1982, houve o entendimento de que estes teriam seus mandatos parlamentares convertidos em mandatos constituintes; já para a falta de um modelo ou anteprojeto, restava aos constituintes começar do zero, criando um clima de indecisão e, considerando a coalizão pluriclassista de forças a favor do processo de

47 Embora alguns autores tenham sustentado que o Congresso Constituinte se iniciou sem um projeto

ou anteprojeto que pudesse orientar os trabalhos dos Constituintes, é sabido pela literatura do tema que os parlamentares e grupos de interesses consultavam constantemente o Anteprojeto Afonso Arinos, fruto da Comissão Provisória de Assuntos Constitucionais, criada por Tancredo Neves quando de sua vitória em 1985, liderada por Afonso Arinos, com o objetivo de ser esta uma proposta do Executivo a guiar os constituintes quando da instalação da ANC. Com a morte de Tancredo e as mudanças desta Comissão, o anteprojeto acabou arquivado pelo Governo Sarney (VILLA, 2011, p.112; VIANNA, 1999, p. 38)

transição democrática, os constituintes perceberam que a definição de um método de escolha das proposições a serem inseridas no novo texto Constitucional poderia significar recursos de poder para alguns postos-chave, na organização do processo decisório (SOUZA, 2003), chegando ao ponto de Ferreira (2010) caracterizá-lo pela existência de dois processos constituintes distintos, em virtude da existência de, praticamente dois regimentos da ANC.

O anteprojeto do primeiro Regimento Interno foi apresentado pelo então relator Fernando Henrique Cardoso (PMDB/SP), logo no início dos trabalhos constituintes, trazendo propostas mais próximas dos setores de esquerda48 representados na ANC, provocando um grande impasse, recebendo

mais de 5.000 emendas. Isso forçou o exame e a apresentação de projeto substitutivo pelo relator, a ser apreciado novamente pelo Plenário, sendo que as principais divergências se relacionavam à soberania da ANC; ao funcionamento concomitante do Congresso Nacional, enquanto a ANC estivesse instalada; e à realização de referendo popular para aprovação da Constituição (COELHO, 1999, p.121-123).

Diante de tais divergências, o Regimento Interno da ANC, objeto da Resolução nº 2, de 1987, foi caracterizado por uma enorme descentralização dos trabalhos, organizados em comissões e subcomissões temáticas, possibilitando amplo diálogo, de forma democrática (PRAÇA; NORONHA, 2012).

O Regimento Interno previa, inclusive, que a modificação do Projeto de Constituição oriundo da Comissão de Sistematização (“Projeto A”) seria realizada mediante a propositura de emendas sem substituição integral do projeto ou referidas a mais de um dispositivo de forma isolada, a serem apresentadas pelos constituintes (emendas individuais) e pelos eleitores (emendas populares), devendo estas ser subscritas por pelo menos 30 mil eleitores, em listas organizadas por, no mínimo, três entidades associativas legalmente constituídas.

A Resolução nº 3, que alterou o Regimento Interno da ANC, disciplinava que os debates deveriam acontecer apenas em torno de emendas

48Como a afirmação explícita da soberania da Constituinte; a realização de um referendo popular para

a aprovação final da Constituição a ser elaborada; a previsão de que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal deveriam ser convocados apenas extraordinariamente, contentando, ainda que parcialmente, os defensores da Constituinte exclusiva; e a possibilidade de apresentação de emendas através da iniciativa popular (COELHO, 1999, p.121-123).

coletivas – propostas pela maioria absoluta dos membros da ANC, com poderes

para substituir integralmente títulos, capítulos, seções e subseções do Projeto de Constituição e, ainda, com preferência de ordem de votação, possibilitando que, no momento da votação em Plenário do texto proposto, fosse aprovado um texto substitutivo, que passava a servir de base para as votações; emendas de

fusão – desde que a fusão não apresentasse inovações em relação às demais

emendas que a compunham e fosse assinada pelos primeiros subscritores das propostas originais; e destaques – instrumento utilizado para supressão, aprovação e para votação em separado, por aqueles constituintes descontentes com algum dispositivo do texto substitutivo aprovado.

Porém, a principal alteração se deu em virtude da concentração de todo o processo na figura do relator e na Comissão de Sistematização, atribuindo à Mesa Diretora da ANC competência para compatibilizar as matérias aprovadas nas comissões, a partir dos seus relatórios, retirando, de certa forma, o poder das comissões temáticas e reduzindo ao mínimo o poder individual de atuação de cada constituinte, reiniciando, praticamente, todo o trabalho constituinte, modificando propostas anteriormente aprovadas nas subcomissões (PRAÇA; NORONHA, 2012).

O voto do relator era percebido como uma espécie de balizamento que auxiliava as deliberações transcorridas na assembleia. No entanto, o método de formação da Comissão de Sistematização e a relação que se estabeleceu entre o quórum de maioria absoluta (42 votos), necessário para a aprovação do conjunto das propostas reformuladas e a etapa posterior, a qual previa o seu exame pelo plenário, configuraram um dilema de representação (SOUZA, 2003).

Essa manobra dos conservadores aconteceu em razão de terem percebido que o processo constituinte original poderia resultar numa Constituição mais progressista (FERREIRA, 2010), pois, de acordo com Praça e Noronha (2012), os progressistas avançaram agendas políticas contrárias ao interesse da maioria do plenário, resultando num projeto constitucional que sobrerrepresentava os interesses da esquerda, potencializando-os na Comissão de Sistematização.

Essa organização conservadora, denominada “Centrão”, contou com a participação de 319 parlamentares e conseguiu levar as propostas influenciadas pelos progressistas para uma nova votação em plenário, aprovando substitutivos aos títulos do Anteprojeto da Comissão de Sistematização, mudando a chave ideológica da ANC de centro-esquerda para centro-direita (PRAÇA; NORONHA, 2012).

Aos progressistas e dissidentes do Centrão, restou apenas a discussão, ponto a ponto, pela manutenção do trabalho realizado anteriormente nas comissões, através de Destaques de Votação e Destaques de Votação em Separado - DVS (PRAÇA; NORONHA, 2012; COELHO, 1999; PILATTI, 2008), que, de acordo com Souza (2003), apontava para mecanismos consistentes na possibilidade de acrescentar ou substituir matéria junto ao projeto ou ao substitutivo, com apenas 252 votos do plenário, caso contrário, o texto da comissão de sistematização permaneceria inalterado.

Ainda, nesse sentido, Souza (2003, p. 46), tratando do DVS, enfatiza que este

[...] possibilita um impedimento ao ato decisório; é uma não-decisão pela simples razão de impedir uma deliberação. Ao tentar se proteger de propostas consideradas lesivas a seus interesses, o Centrão desencadeou uma série de problemas de natureza constitucional. Ao bloquear determinadas passagens do texto original sem a correspondente ação para construir alternativas mais consensuais, este chegou a promover sistemáticas suspensões que resultaram em espaços vazios, chamados pelos constituintes de “buracos negros”. A utilização constante dos DVS resultou num arranjo informal, marcado pelas reuniões entre as lideranças partidárias e a Comissão de Sistematização, denominado Colégio de Líderes, levando ao controle das bancadas pelas lideranças ou, simplesmente, à centralização de determinados assuntos nesse colegiado, desconfigurando, de certa forma, a natureza democrática do processo constituinte.