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4. A APRESENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL NA ASSEMBLEIA NACIONAL

4.1. Na Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo

Ao examinar as atas das reuniões dessas duas arenas, observamos inúmeras manifestações de constituintes solicitando a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, logo no primeiro momento, objetivando a apresentação de suas propostas para a reorganização do Poder Judiciário. A justificativa para essa participação se prendia à circunstâncias de os advogados serem considerados os operadores imediatos do sistema de justiça brasileiro,

possuindo, desse modo, competência para ressaltar as principais falhas e as possíveis soluções para o novo Judiciário (BRASIL, 1987g, p. 12).

A OAB, por meio de seu Conselho Federal, enquanto órgão representativo dos advogados do Brasil e defensor do Estado Democrático de Direito, diferentemente de outras associações, entidades, órgãos ligados ao Poder Judiciário, não foi ouvida na Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, mas na própria Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, o que demonstra, por conseguinte, certo respeito por parte dos parlamentares constituintes.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) participou a convite da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, da 1ª Reunião de Audiência Pública daquela comissão, em 29 de abril de 1987. Naquela oportunidade, o Presidente do CFOAB era Márcio Thomaz Bastos – que, futuramente, viria a ser o Ministro da Justiça no primeiro governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – sendo, portanto, o porta-voz da OAB (BRASIL, 1987f, p. 19).

É importante destacar que, como porta-voz da Ordem dos Advogados, Marcio Thomaz Bastos transmitiu as sugestões que haviam sido debatidas e aprovadas nas Conferências Nacionais da Ordem dos Advogados do Brasil e nos dois Congressos de Advogados Pró-Constituinte, realizados em 1983 e 1985.

Em seu depoimento, na ocasião, o Presidente do Conselho Federal da OAB deixou claro que o papel da OAB não era ditar regras ou trazer questões fechadas e soluções prontas, mas, como representante de uma parcela da sociedade civil, desejava contribuir para a formação das bases de um regime democrático no Brasil, de sorte que a Constituição deveria ser provida de conteúdo econômico e social, em que os valores do trabalho pudessem lutar em igualdade de condições com os valores do capital, com as alavancas suficientes e capazes para realizar algumas reformas sem as quais não seria possível a democracia em nosso país (BRASIL, 1987f, p. 19).

É importante sublinhar que talvez não tenha ficado tão evidente, mas não estamos tentando passar a imagem de que a Ordem dos Advogados do Brasil seja a entidade mais democrática e benemérita da sociedade, pois,

antes de qualquer coisa, trata-se de uma corporação profissional com interesse corporativos, obviamente. Nesse sentido, Elster (2007), em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, em 2007, adverte que mesmo as pessoas estando motivadas por interesses individuais, “[...] as regras e mecanismos do debate público vão forçá-las a justificar suas posições em termos de interesse público”, limitando, em alguma medida, esse interesse privado.

Outro ponto que deve ser destacado é que a Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo era presidida, naquele momento, pelo constituinte Maurício Corrêa (PDT/DF), o qual havia sido Presidente do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal e tinha sido anfitrião do II Congresso Nacional de Advogados Pró-Constituinte, ocorrido em Brasília/DF, entre os dias 15 e 19 de outubro de 1985, portanto, em sintonia com o assunto a ser debatido naquela reunião, já que Márcio Thomaz Bastos enfatizava que muito do que ali seria tratado havia sido retirado desse Congresso.

O Conselho Federal da OAB tinha contribuições e sugestões não só para o Poder Judiciário, como também para o Executivo e o Legislativo. Tocante ao Poder Judiciário, Márcio Thomaz Bastos citou e pediu para juntar cópia de texto produzido e aprovado na Conferência Nacional de Belém (1986). Referiu-se, na ocasião, inclusive, à participação de Lamartine Correia de Oliveira, na Audiência Pública na 6ª Reunião Ordinária da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, ocorrida no dia anterior (27/04/1987), abordando a criação de uma Corte Constitucional, nos moldes da decisão tomada naquela Conferência (BRASIL, 1987h, p. 101).

Dessa maneira, embora Márcio Thomaz Bastos estivesse na função de porta-voz do Conselho Federal da OAB, a participação de outros representantes da Ordem não foi inviabilizada. Do ponto de vista estratégico, era mesmo interessante que houvesse uma divisão temática para especialistas, nos diferentes pontos agendados, de maneira que a participação destes, em Conferências e Congressos organizados pela OAB em momentos anteriores, corrobora a legitimidade de representação da instituição.

Márcio Thomaz Bastos apontou os principais aspectos do Poder Judiciário que deveriam merecer a atenção dos membros da Comissão de

Organização dos Poderes e Sistema de Governo, como a autonomia financeira e orçamentária; controle externo (que deveria ser realizado, de certa forma, pelos jurisdicionados); celeridade dos atos processuais; motivação das decisões; inserção constitucional da advocacia; e criação de um Tribunal Constitucional.

Embora a proposta da criação de uma Corte Constitucional houvesse sido exposta na íntegra na Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, em 27 de abril de 1987, Márcio Thomaz Bastos fez questão de reapresentá-la na audiência pública, afirmando ser impossível conceber a existência de uma Constituição moderna sem uma Corte Constitucional distinta do Supremo Tribunal Federal. O presidente do Conselho Federal da OAB ressaltou ainda que esse novo tribunal, cujos membros devessem ser eleitos pelo Congresso Nacional com mandatos de prazo determinado, precisaria ter como princípio a vocação política (BRASIL, 1987d, p.20).

Márcio Thomaz Bastos aproveitou o tempo concedido – precioso, diga-se de passagem –, para ler, na íntegra, o projeto delineado e aprovado na Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Belém/PA.

Na segunda parte dessa primeira audiência pública, os constituintes puderam interpelar o expositor, conforme o tempo pré-estabelecido de 10 minutos para o relator e de 4 minutos para os demais membros da Comissão.

Tendo em vista que a maior parte da exposição de Bastos foi dedicada à leitura da proposta sobre a Corte Constitucional, imaginávamos que os questionamentos dos constituintes fossem no sentido de obter explicações sobre a temática exposta, todavia, o que percebemos foi exatamente o contrário. Talvez pelo fato de a exposição ter ficado concentrada em único tema, os constituintes procuraram saber qual era o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil sobre os outros assuntos ligados às chaves de cada subcomissão, como Poder Legislativo e Executivo.

Isso pode ser verificado nas interpelações de Egídio Ferreira Lima (PMDB/PE), relator da Comissão da Organização dos Poderes e Sistemas de Governo, sobre a opinião da OAB sobre sistemas de governo; de Jorge Hage

(PMDB/BA), relator da Subcomissão do Poder Legislativo, sobre se seria melhor uma Constituição analítica ou sintética; sobre a manutenção ou não da representação classista na Justiça do Trabalho e sobre as formas de recrutamento para juízes de primeira instância; e até mesmo o relator da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, Plínio de Arruda Sampaio (PT/SP), levantou questionamentos sobre a reformulação da justiça, sobretudo na primeira instância (BRASIL, 1987d, p.20-24).

A interpelação de José Fogaça (PMDB/RS), relator da Subcomissão do Poder Executivo, corrobora nosso entendimento de que a exposição de Márcio Thomaz Bastos havia sido muito discreta, no que concernia ao Poder Executivo, deixando em ampla evidência a atenção dispensada ao Tribunal Constitucional. Entretanto, é interessante frisar que, dentre os relatores, José Fogaça (PMDB/RS) foi o único a questionar sobre o Tribunal Constitucional, procurando saber se a proposta da OAB era no sentido de manter esse tribunal vinculado ao Poder Judiciário ou se seria um órgão político, nos moldes do Conselho Constitucional francês64 (BRASIL, 1987d, p.25).

Em resposta, o presidente do Conselho Federal da OAB confirmou que a proposta da instituição concebia o Tribunal Constitucional como órgão integrante do Poder Judiciário e não um órgão Político, competente pela guarda da Constituição, comprometido com o seu cumprimento65 (BRASIL, 1987d,

p.25).

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“[...] a Ordem dos Advogados do Brasil vê o Tribunal Constitucional como um órgão do Poder Judiciário ou como um órgão de caráter quase político, como o Conselho Constitucional da França, órgão que tem outra dimensão que foge um pouco à concepção que aparentemente está sendo elaborada e gestada nesta Assembleia Nacional Constituinte? O Conselho Constitucional já existe na atual Constituição Brasileira, no art. 159. Mas aqui tem um papel de Conselho de Estado: pronuncia- se sobre a decisão em relação às medidas de emergência. Indago de V. Sa. se caminhamos para uma simbiose, com um conselho constitucional fazendo o papel de corte, ao julgar as leis quanto à constitucionalidade, e também com um papel político, pronunciado-se sobre questões de natureza política” (BRASIL, 1987d, p.25).

65 “[...] sem dúvida alguma, com atividades jurisdicionais específicas, tais como, velar,

fundamentalmente pela Constituição nos casos concretos, nos casos em que tome conhecimento, de arguição de inconstitucionalidade por ação e por omissão. A filosofia que embasa a criação dessa Corte Constitucional é a de um tribunal comprometido com a Constituição, um tribunal que, por isso,

terá suas origens – embora tenhamos uma variante dessa proposta apresentada pelo Rio Grande do

Sul – no Congresso Nacional [de Advogados Pró-Constituinte], ou seja, todos os seus integrantes vão

ser eleitos pelo Congresso Nacional em sessão secreta, para um mandato de nove anos. Então, é evidente que não se trata de um tribunal descomprometido. Ao contrário, cuida-se de um tribunal comprometido. Comprometido com o quê? Com o cumprimento da Constituição, com a vontade

Entre os constituintes presentes naquela sessão que interpelaram o porta-voz da OAB, Victor Faccioni (PDS/RS)66 e Vivaldo Barbosa (PDT/RJ)67

não fizeram qualquer comentário sobre a proposta de criação de um Tribunal Constitucional. No caso de Vivaldo Barbosa, este aproveitou a oportunidade para fazer um breve discurso sobre a importância da Ordem dos Advogados do Brasil, como instituição líder da sociedade civil, para os avanços da democracia brasileira68.

Diante da insuficiência de conteúdo crítico sobre a temática de controle de constitucionalidade e daquilo que se relacionava à possibilidade de criação de uma Corte Constitucional, nessa primeira audiência pública da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, e tendo em conta a informação de que esse assunto havia sido discutido em audiência pública na Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, em dias anteriores, buscamos verificar, através da consulta dos anais daquela reunião, o teor das propostas debatidas.

retira a imparcialidade no julgamento das questões. Ele é, de origem, comprometido com o cumprimento da Constituição, mas é um órgão do Poder Judiciário que vai decidir os casos à luz dessa sua formação e dessa sua origem. Mas é um órgão do Poder Judiciário e não um órgão político” (BRASIL, 1987d, p.25).

66 Victor Faccioni comentou que a Justiça era morosa, cara e elitista, tecendo críticas ao

presidencialismo da forma como se encontrava naquele momento (BRASIL, 1987d, p.26).

67 Vivaldo Barbosa considerou a tripartição das funções do Estado, enaltecendo que o Poder pertence

ao povo, sem fazer apontamentos sobre o Tribunal Constitucional ou Corte Constitucional.

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“A Ordem dos Advogados do Brasil, tida, aliás, como uma instituição líder da sociedade civil, exerce uma função singular por ser produto de uma lei e a lei emana do Estado. O seu Estatuto é uma lei, que não é feita pela vontade de seus associados, mas pela vontade do poder público, do Estado, que o legislativo e o Executivo sancionaram. Exerce ela o controle da atividade funcional e ética dos seus filiados. Exerce uma função também estatal, nesse nível. É uma instituição que já se situa naquela intermediação entre o Estado e a sociedade. É o avanço, a saída do Estado liberal, em

que é nítida a visão entre Estado, de um lado, e sociedade, do outro – sobressaindo-se ai os diversos

conflitos existentes. Instituições como essas superam e intermedeiam essa relação. A democracia, porém requer um avanço ainda na função de instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil. Por isso, a proposta da nomeação dos Ministros das Cortes Superiores do País, com a participação e a responsabilidade de indicações da OAB, fecunda ainda mais nossa visão de democracia [...] E é importante a participação de outras entidades da sociedade organizada, acima de tudo de instituições como a OAB, que tem por definição legal também a de observar o funcionamento da ordem jurídica, da aplicação do corpo de leis existentes no País, da aplicação do Direito vigente no País [...] Entendo até que o chamado ‘quinto constitucional’, que é a participação dos advogados na composição dos tribunais, não pode ser feita por escolha da própria Magistratura. Se o sentido dessa participação é o de trazer elementos de fora para dentro da magistratura, advogados e membros do Ministério Público, isso não é possível com a escolha feita do lado de dentro, porque é evidente que a

magistratura vai escolher – e a história tem revelado isso – o perfil dos advogados que mais espelhe