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Consoante exposto no capítulo anterior, que trata a respeito da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, observa-se que se “a antecipação for concedida, ela torna-se estável quando da decisão não for interposto o respectivo recurso (art. 304, CPC), e o processo será extinto” (art. 304, §1º, CPC) (BRASIL, CPC, 2019).

Contudo, consoante art. 304, §2º, CPC, “qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”, sendo que, conforme §5º do artigo acima referido “poderá ser realizada essa demanda no prazo de dois anos”. Por fim, é disposto de forma expressa no art. 304, §6º, CPC que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes” (BRASIL, CPC, 2019).

Nesse sentido, conclui Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (2016, p. 197) que “tem-se, portanto, uma decisão antecipatória, fundada em cognição sumária, que se estabiliza independentemente de confirmação ulterior em sentença fundada em cognição exauriente”.

Complementando, Oliveira (2018, p. 47) aduz que ao analisar o §6º do artigo 304 do Código de Processo Civil, “o aludido diploma legal preocupou-se em estabelecer uma diferenciação entre coisa julgada e estabilização da tutela provisória, já que este fenômeno pode ser revisto, reformado ou invalidado, conforme estudado”.

No entanto, após estudar acerca da estabilização, podemos inferir que “a estabilidade da tutela antecipada requerida em caráter antecedente em relação comparativa com a coisa julgada deixou lacunas quanto a verificação dos requisitos que dotam a decisão de imutabilidade no campo material e formal” (CARDIN; SOUSA, 2018, p. 19).

Ainda, Cardin e Souza acrescentam que “isto, gerou e gerará uma série de dúvidas quanto à possibilidade de uma decisão sem resolução de mérito e em sede de cognição não exauriente se perpetrar como ‘coisa julgada’” (CARDIN; SOUSA, 2018, p. 19).

Dito isto, será que realmente não ocorre coisa julgada nas decisões estabilizadas originárias da concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente? Para debater esses questionamentos, nesse capítulo observar-se-á de fato, o que é a coisa julgada vista como garantia constitucional da segurança jurídica, quais seus limites, sua eficácia e, por fim, se existe possibilidade de incidência da coisa julgada nas decisões terminativas baseadas em cognição sumária, ou seja, de decisões que foram estabilizadas.

A COISA JULGADA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA

O termo coisa julgada é bastante citado no cotidiano, porém, o que ele de fato significa é ignoto por muitos. A coisa julgada é referida na Constituição Federal, sendo um dos direitos e garantias fundamentais expressos em lei, sendo encontrado pontualmente no artigo 5º, inciso XXXVI da CF ao expor que “a lei não poderá retroagir, em prejuízo dela”. (BRASIL, CRFB, 2019)

Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2017, p. 558) elucida que “essa garantia decorre da necessidade de que as decisões judiciais não possam mais ser alteradas, a partir de um determinado ponto. Do contrário, a segurança jurídica sofreria grave ameaça”.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior (2016, p. 1104) leciona que:

Ampla corrente doutrinária ensinava outrora que o principal efeito da sentença era a formação da coisa julgada. Para o Código de 1973 e o atual, no entanto, o efeito principal da sentença, no plano do processo de conhecimento, é apenas ‘esgotar o ofício do juiz e acabar a função jurisdicional’.

Acrescenta ainda que, coisa julgada “não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela ‘imutabilidade’ do julgado e de seus efeitos, depois que não seja mais possível impugná-los por meio de recursos” (THEODORO JUNIOR, 2016, p. 1104).

Assim, tem-se que “a Constituição refere que a lei não prejudicará a coisa julgada, ao dizê-lo, expressamente se optou por densificar o princípio constitucional da segurança jurídica mediante a instituição de uma regra de proteção à coisa julgada”. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 668, grifo do autor).

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 668) aditam que:

Isso significa basicamente que a coisa julgada – entendida como ‘autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso’, art. 502 – constitui uma clara opção da Constituição brasileira a favor da estabilidade das situações jurídicas em detrimento da possibilidade de infindáveis discussões e rediscussões dos problemas em busca de uma decisão supostamente mais justa do litígio.

No tocante ao Código de Processo Civil de 1973, a coisa julgada era encontrada no artigo 467 “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” (BRASIL, CPC, 2019). Gonçalves (2017, p. 3) aduz que “se trata da eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. É, portanto, instrumento processual que reveste a decisão judicial com um manto de imutabilidade”.

Quanto ao que significa a coisa julgada em si, Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 1118) leciona que:

O que a coisa julgada acarreta é uma transformação qualitativa nos efeitos da sentença, efeitos esses que já poderiam estar sendo produzidos antes ou independentemente do trânsito em julgado. Uma sentença exequível provisoriamente produz, por exemplo, efeitos, sem embargo de ainda não se achar acobertada pela coisa julgada. Quando não cabe mais recurso algum, é que o decisório se torna imutável e indiscutível, revestindo-se da autoridade de coisa julgada. Não se acrescentou, portanto, efeito novo à sentença. Deu-se-lhe apenas um qualificativo e reforço, fazendo que aquilo até então discutível e modificável se tronasse definitivo e irreversível.

Em que pese ter ocorrido uma alteração legislativa com o novo Código de Processo Civil de 2015, observa-se que não ocorreu modificação significativa quanto ao conceito de coisa julgada, agora localizada no artigo 502 “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (BRASIL, CPC, 2019).

Como é possível verificar, o Código traz claramente o termo “coisa julgada material” e isso ocorre, pois temos duas espécies de coisa julgada: (a) formal, e (b) material, porém, cabe ressaltar que Marcus Vinícius Rios Gonçalves (2017, p. 559) explica que “isso não é tecnicamente exato, porque ela é um fenômeno único, elas são duas formas de manifestação do mesmo fenômeno”.

Quanto à coisa julgada formal, “é a manifestação da coisa julgada no próprio processo em que a sentença ou acórdão foi proferido” (GONÇALVES, 2017, p. 559).

Camila Cantanhede Oliveira Gonçalves (2018, p. 3) complementa que “a primeira é a autoridade que impede a rediscussão da decisão dentro do mesmo processo, nada impedindo, contudo ,a propositura de nova demanda idêntica”.

A coisa julgada material, por sua vez, “consiste não mais na impossibilidade de modificação da decisão no processo em que foi proferida, mas na projeção externa dos seus efeitos, que impede que a mesma questão, já decidida em caráter definitivo volte a ser discutida em outro processo”(GONÇALVES, 2017, p. 560).

Nesse sentido, Marcus Vinícius Rios Gonçalves (2017, p. 560) adverte que: A coisa julgada material constitui óbice à nova ação, que tenha os mesmos três elementos que a anterior, já julgada. A alteração de qualquer das partes, autor ou réu, dos fatos em que se fundamenta o pedido e do objeto da ação, tanto imediato (provimento jurisdicional postulado) quanto o mediato (bem da vida), modifica a ação e a afasta.

Importa ressaltar que “por não importarem solução da lide, não produzem, também coisa julgada: (i) os despachos de expediente e as decisões interlocutórias sobre questões estranhas ao mérito; (ii) as sentenças proferidas em procedimento de jurisdição voluntária; (iii) as decisões provisórias” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 1114).

EFICÁCIA DA COISA JULGADA

Uma vez formada, a coisa julgada produz basicamente três efeitos: i) negativos; ii) positivos; e iii) preclusivos. Dito isso, agora veremos cada um deles.

Quanto à eficácia negativa, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 684, grifos dos autores) afirmam que “está ligada à necessidade de vedar um novo conhecimento e um

novo julgamento a respeito da causa já examinada no mérito com trânsito em julgado. É um

efeito que visa a impedir que o processo se desenvolva e que a tutela jurisdicional seja prestada novamente”.

Ainda, “pela função negativa exaure ela a ação exercida, excluindo a possibilidade de sua reproposição” (THEODORO JUNIOR, 2016, p. 1120, grifo do autor).

No tocante à eficácia positiva, “está vinculada à utilização da coisa julgada como matéria de defesa, a sua eficácia positiva atine à possibilidade de invocação da coisa julgada como ponto de apoio para uma nova ação” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 684, grifo dos autores).

Ainda, pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma

indiscutível de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária

a ajustar-se a ela, nos pronunciamentos que a pressuponham e que a ela se devem coordenar” (THEODORO JUNIOR, 2016, p. 1120, grifo do autor).

Por fim, quanto ao efeito preclusivo, dispõe o artigo 507 do NCPC, que é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão. Com isso, temos que “constitui uma proteção à coisa julgada. Uma vez transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 685, grifo dos autores).

A POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA COISA JULGADA NAS DECISÕES TERMINATIVAS BASEADAS EM COGNIÇÃO SUMÁRIA

Conforme o exposto no início deste capítulo, embora de forma expressa esteja previsto a não ocorrência da coisa julgada nas decisões estabilizadas, muitas lacunas ainda estão presentes em torno dessa questão, motivando muitos estudos e debates entre doutrinadores e juristas que operam no direito processual civil, sobretudo examinando se de fato não existem possibilidades de incidência da coisa julgada nas decisões terminativas baseadas em cognição sumária, resultando em teses distintas que serão brevemente abordadas neste momento.

Johnata dos Santos reitera que “alguns autores têm defendido a estabilização da tutela ora como sinônimo de coisa julgada ora como sinônimo de preclusão” (SANTOS, 2017, p. 10).

Assim, como meio de tentar aclarar essa discussão, Thaise Braga Castro explica que na doutrina existem três posicionamentos sobre a possibilidade ou não de existência de coisa julgada nas decisões terminativas baseadas em cognição sumária:

De acordo com o primeiro posicionamento, encerrado o termo de dois anos para o ajuizamento da ação autônoma, deixa de caber qualquer ação, seja ação rescisória ou outra demanda autônoma capaz de modificar os efeitos da tutela estabilizada. Não haveria, porém, a formação da coisa julgada. Para essa corrente, a imutabilidade não seria coisa julgada, mas teria força superior a ela, na medida em que impede qualquer ação para discutir o direito material.

De acordo com o segundo posicionamento, não há coisa julgada do ato decisório que concede a tutela antecipada antecedente após os dois anos para o ajuizamento da ação autônoma, sendo permitida a propositura de demanda para discutir o direito material.

O terceiro posicionamento entende pela existência da formação da coisa julgada material, cabendo, inclusive, ação rescisória (CASTRO, 2016, p. 24-25, grifos do autor).

Em seu posicionamento, Castro afirma que a teoria que tem prevalecido é a que defende a não existência de coisa julgada, mesmo após o término do prazo bienal para ajuizamento de ação autônoma, visto que é uma decisão sumária e não exauriente, “sendo, então, possível a propositura de uma ação para discutir o direito material em profundidade mesmo após o decurso dos dois anos para a propositura da ação autônoma” (CASTRO, 2016, p. 25).

Compartilhando do mesmo parecer, o jurista Heitor Silva Mendonça Sica,

coisa julgada é que a decisão seja observada em processo futuro entre as mesmas partes, e essa estabilização não gera isso” (SICA, 2015, p. 1).

Carlos Augusto de Assis alega que “a estabilização não deveria provocar coisa julgada material, pois se a coisa julgada visa à eliminação da incerteza, tal só pode legitimamente se dar a partir de uma decisão que tenha sido proferida para alcançar tal desiderato” (ASSIS, 2016, p. 37-38).

Ademais, como a concessão da tutela antecipada constitui uma decisão com base em cognição sumária, ou seja, não exauriente, Eduardo Talamini acredita que:

Outro parâmetro fundamental para a atribuição da coisa julgada é a presença de cognição exauriente. O instituto – que tem por essência a imutabilidade – é constitucionalmente incompatível com decisão proferida com base em cognição superficial é, por isso mesmo, provisória, sujeita à confirmação. Há uma vinculação constitucional da coisa julgada à cognição exauriente. Anda (sic) que não exista disposição expressa sesse sentido, isso é uma imposição da proporcionalidade e da razoabilidade extraíveis da cláusula do devido processo (TALAMINI, 2005, p. 54). Sendo assim, Assis (2016, p. 38-39) expõe que, para ele, a versão final que resultou no novo Código de Processo Civil está certa ao dizer que a estabilização não concede coisa julgada, porém, para ele, o prazo de dois anos concedido pelo legislador para entrar com ação, com intuito de reformar a decisão, deveria ser objeto de estudos, pois deveria ser um prazo análogo à prescrição, e não similar à ação rescisória, causando incertezas entre os juristas se realmente a estabilização não gera coisa julgada.

Corrobora o pensamento anterior Wambier acrescenta que:

O prazo de dois anos encerra a possibilidade de se ajuizar uma ação que reabra a discussão do processo extinto nos exatos limites e contornos da lide, na qual se deferiu a antecipação de tutela. Passado esse prazo, diante da inexistência de coisa julgada acerca da matéria, nada impede que qualquer das partes, respeitado os prazos prescricionais pertinentes, ingresse com uma nova demanda, com cognição exauriente, que diga respeito ao mesmo bem da vida discutido na ação que foi extinta (WAMBIER, 2015, p. 1).

Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (2016, p. 201-202), também assiste ao posicionamento do autor acima referido, pois para ele, a decisão que antecipa a tutela é de cognição sumária, e como o fundamento é de possibilidade de existência do direito e de perigo de dano, é notório que em momento algum exista a certeza do direito e consequentemente não fornece decisão exauriente.

Lopes aponta que existe exceção à regra da cognição exauriente:

É o que acontece nos procedimentos em que há restrições probatórias, como o procedimento dos juizados especiais, e no julgamento à revelia do réu. O exemplo da revelia é especialmente significativo, pois a relevância conferida à inércia do réu

em caso de revelia e na hipótese do art. 304 do novo CPC poderia levar à comparação entre as situações e à conclusão de que, também na hipótese do art. 304, deveria haver a formação de coisa julgada (LOPES, 2016, p. 204).

Porém, é evidente que existe uma diferença fundamental entre as situações acima mencionadas, pois, “embora esteja fundada em cognição sumária, a sentença que julga a causa na hipótese de revelia declara a existência ou inexistência do direito posto em julgamento, declaração que é trazia com a finalidade de julgar a causa de forma definitiva” (LOPES, 2016, p. 204).

Contudo, “na decisão que antecipa a tutela não há uma declaração sobre a existência ou não do direito, que precisaria ser inferida das considerações trazidas pelo julgador a respeito do fumus boni iuris” (LOPES, 2016, p. 204).

Desse modo, embora existam exceções à concessão de coisa julgada em decisão fundada em cognição sumária, “o procedimento descrito nos arts. 303 e 304 do novo CPC, impede a formação da coisa julgada” (LOPES, 2016, p. 205).

Daniel Mitidiero, por sua vez, admite que quando o legislador diz que a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão tomada na ação exauriente fica “evidente que, inexistindo ação posterior ajuizada no prazo legal, a estabilidade torna -se inafastável. Em outras palavras: mutável e indiscutível” (MITIDIERO, 2019, p. 4).

Nada obsta, portanto, que o legislador desenhe procedimentos diferenciados sumários do ponto de vista formal (encurtamento do procedimento) e do ponto de vista material (com cognição sumária, limitada à probabilidade do direito). O que é de duvidosa legitimidade constitucional é equiparar os efeitos do procedimento comum– realizado em contraditório, com ampla defesa e direito à prova – com os efeitos deum procedimento cuja sumariedade formal e material é extremamente acentuada (MITIDIERO, 2019, p. 4, grifo do autor).

Contudo, embora exista essa incerteza se o legislador quis dizer que poderá ocorrer coisa julgada, conclui-se que:

O direito à adequada cognição da lide constitui corolário do direito ao processo

justo e determina a inafastabilidade da ação exauriente para formação da coisa

julgada. Fora daí há ofensa ao direito fundamental ao processo justo pelo próprio legislador infraconstitucional incumbido de densificá-lo (MITIDIEIRO, 2019, p. 5, grifo do autor).

No mesmo sentido, Bueno (2016, p. 197) aduz que “tem-se, portanto, uma decisão antecipatória, fundada em cognição sumária, que se estabiliza independentemente de confirmação ulterior em sentença fundada em cognição exauriente. Ela se estabiliza, mas não faz coisa julgada”.

Ainda, em que pese o questionamento sobre a possibilidade de existir coisa julgada na estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, Bueno (2016, p. 201) considera que:

A decisão que antecipa a tutela e pode ficar estabilizada nos termos do art. 304 está fundada em um juízo de cognição sumária a respeito dos fatos e do direito que amparam a pretensão do autor. O julgador avalia o fumus boni iuris e o periculum in

mora e, concluindo pela presença de ambos os requisitos, concede a medida

pleiteada. A decisão limita-se à concessão da medida para debelar um perigo de dano, com fundamento na probabilidade de que o direito existe. Em nenhum momento a decisão declara que o direito existe e, portanto, o que se antecipa não é a própria tutela que poderia ser prestada no futuro em juízo de cognição exauriente sobre a existência do direito, mas apenas efeitos práticos dessa tutela.

Seguindo o mesmo entendimento, Andrade e Nunes (2016, p. 265) lecionam que a estabilização da tutela, mesmo após o prazo bienal imposto na legislação não faz coisa julgada, e não apenas porque está descrito na lei (art. 304, §6º, CPC), mas sim, porque o instituto da estabilização da tutela foi criado com base no ordenamento jurídico italiano e francês, e neles, “os respectivos legisladores proclamaram de forma expressa que tal forma de tutela sumária não opera a coisa julgada, apoiados em boa parte na própria doutrina italiana e francesa”.

E assim ocorre, em função de boa parte da literatura jurídica indicar que não faria muito sentido a realização da coisa julgada em relação a esse tipo de pronunciamento, pois implicaria sua integral equiparação ao provimento de cognição plena e exauriente, as diferenças entre as técnicas da cognição sumária e cognição exauriente são muitas; e, se se admitir a realização de coisa julgada em pronunciamentos de cognição sumária, poderia traduzir até mesmo violação constitucional ao devido processo constitucional, permeado por ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF) e contraditório dinâmico (arts. 5º, LV, CF e 10, CPC-2015), modelo que admite a formação da coisa julgada (art. 5º,XXXVI, CF), já que, na cognição sumária, é evidente a restrição ou limitação ao amplo direito de defesa e investigação probatória (ANDRADE; NUNES, 2016, p. 265-266).

Guilherme Thofehrn Lessa aduz ainda que o legislador:

Não pode o legislador, com a intenção de conceder maior celeridade ao procedimento, mascarar a coisa julgada sob a forma de preclusão. Qualquer procedimento previsto pelo legislador infraconstitucional que conceda imutabilidade a um provimento proferido em cognição sumária acarreta em ofensa ao processo justo, e carece de legitimidade constitucional (LESSA, 2016, p. 1)

Assim, o jurista Johnata dos Santos conclui que “a estabilização não pode ser entendida como sinônimo nem de preclusão nem de coisa julgada, mas deve ser inserida ao lado da coisa julgada material, como uma espécie sui generis, na quadra dos efeitos decorrentes dos fatos jurídicos processuais compostos” (SANTOS, 2017, p. 13).

Contudo, contrapondo os posicionamentos acima mencionados, existem juristas que defendem a existência de coisa julgada formal na tutela antecipada estabilizada.

Um exemplo seria Redondo (2015, p. 297), que capitaneia a corrente doutrinária que defende a formação de coisa julgada. Para ele, do texto constante no §6º do artigo 304 do CPC “o legislador somente afirma não haver formação de coisa julgada no período imediatamente posterior à extinção do processo e antes de encerrado o prazo de dois anos para ação de revogação/modificação/invalidação da decisão estabilizadora da tutela”.

É nesse sentido que o referido dispositivo diz que não há coisa julgada, 1[...], mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.’ A referência a não formação da coisa julgada, acompanhada do advérbio “mas” conectado ao trecho seguinte, que diz que a estabilidade pode ser afastada pela ação de modificação, esclarecem que a referência que o § 6º faz (à inexistência de coisa julgada) restringe-se ao período em que a ação de modificação pode ser proposta, isto é, dentro dos 02 anos após a extinção do processo (REDONDO, 2015, p. 297).

Redondo (2015, p. 297) acrescenta que:

O propósito do § 6º do artigo 304do CPC/15 é apenas explicar que, não obstante a extinção do processo (§1º), não haverá formação de coisa julgada nesse momento, razão pela qual não será necessário ajuizar ação rescisória com o intuito de modificar ou revogar a decisão, bastando, para tanto, o ajuizamento da ação autônoma apropriada, prevista expressamente no § 2º.Se, dentro dos 02 anos, não

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