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Instituto João Pinheiro: formando cidadãos úteis à pátria e à sociedade

3 INSTRUÇÃO PARA OS DESPROTEGIDOS DA SORTE: IMPOSIÇÕES LEGAIS

3.7 Instituto João Pinheiro: formando cidadãos úteis à pátria e à sociedade

Para melhor compreensão da criação desse Instituto, é importante o entendimento de que, no palco político de Minas, João Pinheiro da Silva foi Presidente por duas vezes, tendo exercido seu segundo mandato de 1906 a 1908, quando faleceu. Na ocasião, Bueno Brandão acumulava os cargos de vice-presidente de Minas e Senador da República por Minas Gerais. Com o falecimento do então presidente, João Pinheiro da Silva renuncia ao Senado Federal e assume o Governo mineiro.

Bueno Brandão dá continuidade ao projeto de João Pinheiro de dinamização e modernização da economia mineira, tendo sido uma das providências a instauração do Instituto João Pinheiro, por meio do Decreto N. 2.416, de 09 de fevereiro de 1909, que propõe colocar em prática a Lei 444, de 03 de outubro de 1906, a qual propunha oferecer o ensino prático e profissional em fazendas modelo para alunos que se destacassem no curso primário. O IJP, então, tratou-se de um internato rural (em fazenda modelo, como incentivou a Lei 444), provido pelo Estado, onde seriam alocados os menores desvalidos, a fim de “trata-los preventiva e regenerativamente, dando-lhes educação physica, moral, cívica, intellectual e profissional”372. O primeiro a ser instalado serviria de modelo para outros que, por ventura, fossem criados e, na fazenda Gameleira373, deu-se a primeira experiência.

371 GONÇALVES, I. A. A República e os seus projetos de educação profissional: escolarização do trabalhador

do campo e da cidade. Educação em Perspectiva, Viçosa, MG, v. 3, n. 1, p. 207, jan./jun. 2012.

372 MINAS GERAIS. Decreto 2.416, de 9 de fevereiro de 1909. Organiza a Assistência Pública a meninos

Os alunos, na fazenda internados, não teriam férias e o trabalho por eles realizado estaria dividido entre atividades manuais, agrícolas, nas oficinas e também na organização interna do estabelecimento, ou seja, seriam responsáveis por serviços relativos a todo o funcionamento do lugar, como: copa, jardim, lavagem e conserto de roupas e até no serviço de escrituração. Faria Filho explica que todas as atividades realizadas pelos menores, ainda que em diferentes frentes, estavam “diretamente direcionadas para a formação, nas crianças, de valores, hábitos, atitudes e de capacidades técnicas àqueles que deverão viver do próprio trabalho374”.

Dentre os documentos necessários para a internação dos menores, constavam a certidão de vacina e o atestado médico, comprovando que o interno não sofria de nenhuma doença contagiosa ou que o impossibilitasse de realizar o serviço intenso da lavoura, visto ser esse o meio pelo qual e para o qual essas criaturas receberiam instrução. O legislador considera que, incutindo-se nos menores o gosto pelos processos mais modernos de preparo e cultivo do solo, poderia despertar nesses o gosto pelo trabalho no campo, e o Instituto prestaria um trabalho importante, formando novos hábitos de trabalho nos pequenos, ao invés de tentar recuperá-los quando já adultos degenerados.

A Figura 23 ilustra a intenção de ensinar aos menores o uso de novas tecnologias – o arado de tração animal era uma delas. Ao fundo, é possível observar as baias, um cata-vento e organizadas construções, o que evidencia o investimento do Estado na organização arrojada do estabelecimento.

Creando o “Instituto João Pinheiro, destinado a recolher os menores desamparados, educal-os, tornado-os cidadãos uteis à Patria e à Sociedade, o benemerito vice-Presidente Bueno Brandão, em seu curto e fecundo periodo governamental, iniciou uma das mais belas formas de assistencia que o é, sem duvida, a que o Estado se propõe prestar a infancia desamparada. A utilissima instituição que tantos applausos tem provocado do Estado não só, mas do Paiz inteiro tambem, collima resolver o importante problema do amparo e da educação de seus assistidos, desviando-os da estrada tortuosa do

(Collecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Geraes). Arquivo Público Mineiro. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DEC&num=2416&comp=&ano =1909>. Acesso em: 1 ago. 2014.

373 “A fazenda-modelo da Gameleira foi a primeira dessas instituições a ser criada, em 1906, e localizou-se na

zona rural do município de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, Brasil, a seis quilômetros de sua área urbana, e existiu durante quase toda a primeira metade do século XX.” VERSIEUX, D. P. Educação profissional agrícola em Minas Gerais no início do século XX e o ensino de adultos pelo método intuitivo.

Boletim Técnico do Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 38, n. 1, p. 35, jan./abr. 2012. Disponível em:

<http://www.senac.br/media/6622/artigo4.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2014.

crime e os habilitando ao trabalho honesto e à pratica do bem. [...] O primeiro pavilhão inaugurado, a cargo do sr. dr. Leon Renault, já demonstra, no curto tempo do seu funcionamento, a grande somma de beneficios que a instrução deve produzir; e os pedidos de logares têm sido tantos que ao Governo se impõe a necessidade de proseguir, fundando novos pavilhões e dando, dest’arte, maior expansão a este nobre e altrístico emprehendimento375.

Figura 23 - No Instituto João Pinheiro o aprendizado do trabalho no campo

Fonte: [Instituto...]376.

Pela mensagem do Presidente de Minas, Wenceslau Braz Pereira Gomes, que sucedeu Bueno Brandão, ainda em 1909, verifica-se que o Instituto cumpria o objetivo de sua criação: instruir crianças para o trabalho no campo, formando mão de obra para o trabalho rural, o que justifica tantos pedidos ao governo. Além disso,

Fazendo coro com diversos analistas políticos e fazendeiros mineiros, os fundadores acreditavam na necessidade de preparar – tomando como base a criança – o futuro trabalhador nacional para o novo regime de trabalho que se procurava implantar: o trabalho assalariado377.

Essa investida Estadual na direção dos menores desvalidos, transformando-os em trabalhadores aptos para viver em uma sociedade onde o trabalho seria remunerado, parece mesmo ter atendido às expectativas dos legisladores mineiros, o que deixa entrever a mensagem do Presidente Wenceslau Braz em 1910:

375 GOMES, 1909, p. 41-42, grifo nosso.

376 [INSTITUTO João Pinheiro]. Belo Horizonte. 1 fotografia, p&b, 13,1 x 21,1 cm. (Coleção Tipografia

Guimarães. Série Edificações. Subsérie Públicas). Acervo Iconográfico do Arquivo Público Mineiro. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fotografico_docs/photo.php?lid=128>. Acesso em: 19 set. 2014.

Devo fazer aqui referencia especial à criação do Instituto João Pinheiro que, confiado à competência do Dr. Léon Renault, está prestando grandes serviços à causa da infância desvalida. O que acabo de externar a largos traços, sancciona a minha affirmação de que não foi em vão que prometti seguir a rota traçada de meu antecessor378.

O governador mineiro ratifica o acerto em seguir a rota traçada pelo governador que o antecedeu, responsável pela criação do IJP – Bueno Brandão – que, por sua vez, consolidava a intenção de João Pinheiro da Silva que houvera falecido. Na mesma comunicação, o Presidente mineiro, ao reportar-se às ações para assistência à infância desfavorecida da sorte, declara:

Esta especie de assistencia, que se faz tão necessária e da qual devem os poderes publicos cuidar com particular carinho, é dada por emquanto, entre nós, apenas pelo “Instituto João Pinheiro”, estabelecida em terrenos da fazenda-modelo da Gamelleira, districto desta Capital, e organizado pelo dec. N. 2.416, de 9 de fevereiro do anno próximo passado. É seu director o dr. Leon Renault, que de modo mui louvável vae exercendo o seu diffícil cargo379.

O Presidente classifica o cargo de diretor como difícil, o que por certo seria, haja vista que “a diretoria de Agricultura enfrentava vários problemas na administração do estabelecimento. Um deles esteve ligado à alta rotatividade de administradores da fazenda, nos quatro primeiros anos de funcionamento380”. Após Leon Renault assumir o cargo, as coisas parecem ter se acalmado, permanecendo esse no cargo no período de 1910 a 1934. Na mensagem, o governante cita também onde a Instituto fora criado: no espaço da fazenda- modelo Gameleira, como nós já afirmamos.

Cabe esclarecer que as fazendas-modelo em Minas Gerais foram autorizadas pela Lei 438, de 24 de setembro de 1906, então, e também no Governo de João Pinheiro da Silva. A Lei autorizava o governo a “[...] fundar em pontos convenientes até seis fazendas modelo - agrícolas - pastoris381”. Versieux afirma que “[...] a política de se fundar fazendas - modelo

378GOMES, W. B. P. Mensagem dirigida pelo presidente do Estado Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes ao

Congresso Mineiro em sua 4ª sessão ordinária da 5ª legislatura no anno de 1910. Bello Horizonte:

Imprensa Official do Estado de Minas Geraes, 1910. p. 9, 19. Disponível em: <http://www- apps.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Acesso em: 19 jul. 2015.

379 Ibid., p. 48-49, grifo nosso.

380 VERSIEUX, D. P. Modernização e escolarização do trabalho agrícola: as fazendas-modelo em Minas

Gerais (1906-1915). 2010. p. 139. Dissertação (Mestrado em Educação Tecnológica) – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

381 MINAS GERAES. Lei 438, de 24 de setembro de 1906. Autoriza o Presidente do Estado a estabelecer nas

esteve imbricada aos processos de modernização do Estado mineiro e do campo, bem como esta mesma política foi tecida por parte da intelectualidade mineira no poder, a partir da inauguração da República382.” De fato, desde o inaugurar da República em Minas, refletiu-se e foram propostas várias ações com o propósito de implementar no campo, por exemplo, o uso do arado, de adubos químicos, de técnicas de irrigação e produção de sementes. Essas inovações no campo foram amplamente discutidas no Congresso Agrícola de 1903, conforme já abordado neste estudo, e, finalmente, pela Lei de 1906, as fazendas–modelo que pretendiam cumprir esses propósitos são oficialmente criadas e também mencionadas pelo Presidente Wenceslau Braz nessa mesma ocasião, em 1910: “O Estado custêa actualmente cinco fazendas-modelos: Gamelleira, no município de Bello Horizonte; Retiro do Recreio, no de Santa Bárbara; Fábrica, no de Serro; Diniz no de Itapecerica e Bairro Alto no de Campanha383”.

Apreendemos pela análise dos debates parlamentares que, nas fazendas-modelo, era oferecido ensino técnico de agricultura, mas não vamos nos demorar no entendimento especifico sobre essas, visto que a principal ação no âmbito das fazendas-modelo na direção dos desvalidos seu deu no IJP aqui aludido. Aqui nos chamou mais a atenção outro destaque do então Governador Braz, ainda no mesmo comunicado oficial:

À vista dos magníficos resultados que esta oferecendo o Instituto João Pinheiro, resolveu o governo crear em idênticas bases um outro estabelecimento na colonia de Itajubá, e o fez pelo dec. N. 2.826, de 15 de maio de 1910, nomeado para dirigil-o o dr. Socrates Brasileiro, ex-professor do Curso Fundamental, tendo já iniciado os trabalhos de matricula dos alunos384.

O Decreto de criação de outro Instituto em Minas, nos moldes do IJP, pode ser conferido no site da ALMG e data 14 de maio de 1910. Por esse documento, é criado, em Itajubá, o Instituto Dom Bosco, regido pelo mesmo regulamento do Decreto n. 2.416, o qual instituiu, na fazenda Gameleira, o Instituto João Pinheiro. A nomenclatura Dom Bosco nos dá pistas da convicção católica do Estado mineiro e confirma a convicção de que parceria entre

convenientes, até seis fazendas modelo-agrícolas-pastoris e contém outras disposições. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=438&comp=&ano= 1906>. Acesso em: 19 jul. 2015.

382 VERSIEUX, 2010, p. 41. 383 GOMES, 1910, p. 9, 19. 384 Ibid., p. 48-49, grifo nosso.

Estado e igreja católica, em Minas Gerais, foi profícua no que diz respeito aos desassistidos socioeconomicamente, o que pudemos averiguar em distintas situações refletidas no Congresso Mineiro.

Vale esclarecer que, quando da criação do Instituto Dom Bosco, Minas já contava com a ação dos Salesianos, responsáveis, dentre outras empreitadas, por um internato rural católico em Cachoeiro do Campo, distrito de Ouro Preto. A então Escola D. Bosco era subvencionada pelo Estado e, em troca, abrigava e instruía, para o trabalho agrícola, menores desvalidos. A igreja católica faz parte da trama instrução, trabalho e pobreza em diferentes situações no Estado montanhoso, sempre revestida de benemérita intenção de caridade cristã. Essa sintonia entre o Estado mineiro e a igreja católica, na direção das onerosas criaturas indesejadas, já que improdutivas, é insistentemente debatida na Casa Legislativa, o que nos causou inquietação. Evidentemente, outras Congregações católicas foram contempladas pelas iniciativas legais mineiras, mas, nas análises dos registros parlamentares, as ações legais voltadas a beneficiar as obras salesianas são bastante enfatizadas, assim como os benefícios para o Estado advindos dessa parceria, o que sinalizou a importância da sociedade que pretendemos desvelar no capítulo a seguir.

4 A AÇÃO SALESIANA COMO ALTERNATIVA PARA INSTRUIR, MORALIZAR E