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O instituto para anormais

No documento ISABELLE KAROLLINE CHAVES DE OLIVEIRA (páginas 109-114)

3- AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DOS DIRETORES E INSPETORES DA

3.3 O instituto para anormais

O documento de 1911 apresenta uma nova preocupação dos inspetores e da diretoria geral da instrução pública: a educação dos alunos “anormais” que, conforme assinalado, já vinha sendo pauta dos “países adiantados”.

O movimento em relação à educação do anormal é citado como um ato de solidariedade, uma ação que auxiliaria no avanço do país, pois todos os cidadãos deveriam ter o direito à instrução para que pudessem ingressar no mercado de trabalho.

Com effeito, si todas as crianças, qualquer que seja a sua condição social precisam da instrucção, como instrumento indispensável de trabalho e aperfeiçoamento moral, com muito mais razão aquellas, que, por um defeito congênito ou por um desenvolvimento desigual do seu organismo, se tornaram incapazes para a acquisição dos meios de que precisam para lucta pela vida e para o desempenho do seu papel na sociedade em que vivem. (ANNUARIOS,1911, p.26)

Há uma sugestão para o governo do estado de São Paulo, como estado mais preocupado com a instrução pública em atuar em todas as direções, em especial as crianças “anormais”, como um benefício para as famílias, a sociedade e economicamente viável ao governo: “em vez de um fardo inútil e pesado para a família e sociedade, um elemento útil e proveitoso, capaz de concorrer, na medida das suas forças e condições em benefício dos mesmos.” (ANNUARIOS,1911, p.27).

Com essa justificativa, solicita-se ao Sr. Secretário do interior que viabilize ações para atender esse público, como uma condição humanitária, deixando a cargo

do professor Miguel Carneiro Junior, encarregado de realizar os estudos sobre o assunto.

A solicitação específica para criação de um instituto para alunos “anormais” acontece pela primeira vez em 1911 e é reforçada no Anuário de 1913, colocando como pauta de extrema “importância e conveniência de se crearem escolas dessa natureza.” (1913, p. X).

Em 1915, novamente surge o relato sobre a criação de um instituto para “anormais”.

A idéa corresponde, sem dúvidas, a uma grande necessidade e o Governo accorrerá certamente á sua realização, no menor praso possivel, como acontece sempre que um emprehendimento de ordem pública reclama sua attenção e seu concurso. (ANNUARIOS,1915, p.XXI)

Segundo o Diretor Geral (1915), houve um volumoso crescimento da população de infelizes e inúteis, tornando-os fardos às famílias e ao Estado, por isso havia a necessidade de o governo garantir a proteção e a assistência para torná-los aptos ao trabalho e “proveitosos a sociedade” (p. XXI).

Assevera ainda que, na capital, o instituto privado de surdos-mudos poderia ser de alguma forma aproveitado para a constituição do instituto em São Paulo, já que esse, apesar de particular, recebia auxílio do Estado.

No anuário de 1917, é mencionada uma reforma no ensino de educação das pessoas “anormais”, notificando a existência de um Instituto de Surdos-Mudos mantido pelo Prof. Nicolau Carusone40, que atendia 95 alunos e apresentava excelentes resultados.

Muitos médicos e educadores estavam preocupados com a questão do aluno anormal, em especial Miguel Carneiro, Mariano de Oliveira, Basilio de Magalhães, Clemente Quaglio e Vieira de Mello, que estudavam e publicaram interessantes trabalhos sobre o tema. Cita ainda como os professores estavam inteirados do assunto, pelo Prof. Ugo Pizzoli, quando esse veio para Escola Secundária Normal da Capital inaugurar os estudos referentes à psicologia experimental.

40 Nicolau Carusone de origem italiana, veio para o Brasil em 1905, segundo Guedes (2019) teria sido enviado ao Brasil por intermédio do Monsenhor Bispo Giovanni Batista Scalabrini. Carusone foi habilitado pela Escola Normal, anexa ao Instituto de Surdos-mudos de Milão. Era um defensor do método oral puro para surdos, tornou-se reconhecida pelos paulistanos por ensinar os surdos de forma particular.

Ainda é destacada a importância de um trabalho para a educação dos “anormais” pelo Estado, pelo seu alcance humanitário, haja visto que pode criar novas faculdades a partir da promoção do adestramento.

Assim, em vez de os anormaes marcharem para os manicômios, para os asylos, ou para penitenciarias, pesando nos cofres públicos, parasitariamente, ou na bolsa dos particulares, incorporar-se hão á atividade social, como apreciáveis factores do seu progresso, em todos os seus matizes. (ANNUARIOS,1917, p.151)

Salienta, ainda, que a criação de institutos para “anormais”, que estava prescrito em pela Lei nº 1579 de 19 de dezembro de 1917, trouxe benefício aos estudos dos alunos normais, modificando métodos e processos que seriam bons para as escolas normais.

Outra questão difícil era em relação à seleção dos alunos” indisciplinados” e “malcuidados” dos alunos “anormais”. O professor precisava fazer pesquisa e ter critérios para distinguir, para que determinasse de maneira segura o seu parecer sobre o aluno. E para isso era essencial ter um conceito fechado do que era anormalidade, que então era a dificuldade capital.

Segundo os anuários, a normalidade havia sido definida por Sampaio Doria, “illuste lente de psycholohia na Escola Normal de São Paulo [...] Normalidade, diz ele é a capacidade de adaptação ás condições da vida.” (ANNUARIOS,1917, p.152). Sendo notável na prática diária a diferença de comportamento na escola.

Cita, ainda, como os países adiantados, que consideram a educação como base para mudança da sociedade, buscam resolver a questão do aluno “anormal”, tendo muitos avanços nos estudos de antropologia e psicologia. Thompson nesse anuário (1917), postula que “uma pedagogia científica e experimental como instrumento capaz de exorcizar tensões e conflitos inerentes a uma sociedade intrinsecamente desigual”. (MONARCHA, 2010, p.28).

Legiões de crianças transitam pelas escolas sem que consigam alcançar os necessários elementos de combatividade para resistirem aos embates, cada vez mais inclementes e inexoráveis, da vida moderna, cheia de imprevistos, de lutas acerbas e que manifesta uma bem marcada tendência para um espirito selectivo, que assignala a cada um o seu lugar, segundo o grau de laborosidade e de apitidão que revele. Essas crianças, mais tarde, são elementos de perturbação, nocivos á ordem social, augmentando a criminologia, como no-lo demonstram, exuberantemente, as estatísticas.

Nos organismos individuaes, como nos collectivos, a grande lei é esta: ascender das formas simples ás mais complexas e diferenciadas. As sociedades de amanhã serão caracterizadas por um rigoroso espírito de seleção, de diferenciação funcional, de molde a designar a cada individuo a sua orbita de acção para harmonia do conjunto. Ai! dos resíduos! Ai! dos parasitas! Cada um valerá o que produzir. (ANNUARIOS,1917, p.153).

Os indivíduos, assim, deveriam exercer uma função na sociedade, no sentido de manter a harmonia da organização social. Thompson como um integrante da Liga Nacionalista de São Paulo, “ressaltava o trabalho do professor na tarefa de nacionalização e a atuação da escola como centro regenerador da vida nacional” (MONARCHA, 2010, p.24). A escola deveria ser orientada por essa visão, “descobrir, encaminhar ou açacalar tendencias, convertendo em aptidões utilizáveis na vida prática.” (ANNUARIOS,1917, p.154).

O conhecimento da psicologia pelo professor, segundo o Diretor da Instrução Pública, era essencial, pois a falta dele reduziria os conhecimentos e traria maior sofrimento aos estudantes. Com esses conhecimentos ele poderia selecionar os “anormais”, que para tanto deveriam ser encaminhados a professores especializados. Ainda nesse documento, afirma-se que um livro seria feito em que se colocaria de forma condensada um pouco mais sobre o assunto e apresentaria a classificação dos “anormais”. É realizado, também, um panorama histórico dos estudos sobre anormalidade na Europa e na América, como referências a serem seguidas aqui no Brasil.

Foi citado em documento a questão histórica da pessoa “anormal”, em especial o “Surdo-Mudo”, que era rechaçado e tratado como “aberração”, sendo descartado de forma violenta, dando ênfase ao fato de que, com o método oral41 a vida do surdo melhorou. Destaca-se, ainda, a importância de se falar em nome dos desvalidos: “falar em nome do surdo-mudo é falar em nome do sofrimento.” (ANNUARIOS, 1917, p.158). Portanto, sabendo de toda essa questão e do comprometimento com a educação dos “anormais” pelos países adiantados, São Paulo, “que pretende ser o índice do Brasil em matéria de instrucção”, deveria criar especializações nas escolas

41 Método para treinar surdos a falar, o objetivo é que a pessoa surda ou com deficiência auditiva consiga se comunicar com os ouvintes. O oralismo surgiu no século XVI, entretanto, teve seu auge em 1880, quando no Congresso Internacional de educadores surdos, foi colocado em votação qual método deveria ser utilizado na educação dos surdos, o oralismo ganhou, pois “acreditava-se que o uso de gestos e sinais desviasse o surdo da aprendizagem da língua oral, que era a mais importante do ponto de vista social.” (LACERDA,1998, p.73). O oralismo manteve seu domínio até os anos 70.

normais, desenvolver a educação dos “anormais”, “assim como a pedagogia dos normaes tem lucrado e progredido muito á custa da dos anormaes.” (ANNUARIOS,1917, p.159).

Não esqueçamos que a sociedade vale o que a escola valer. As sociedades superiormente organizadas devem caracterizar-se por uma perfeita diferenciação funccional – aquillo que em biologia se chama diferenciação physicológica, e, em economia, combinação do trabalho.

Assim como, na escola da vida, os indivíduos são tanto mais perfeitos, quanto maior fôr a diferenciação physicologica, assim também as sociedades são tanto mais intelligentemente organizadas, quanto mais elevado fôr o espitito selectivo que a ellas presida.[...]

Povo em que os anormaes sejam numerosos é povo em que um forte elemento de depressão econômica existe, porque esses anormaes representam elementos de improdutctivos, ou de produtividade relativamente inferior. A pedagogia moderna procura valorizar taes elementos e tem, realmente, conseguido verdadeiros prodígios. (ANNUÁRIOS, 1917, p.160).

Desta forma, a nova pedagogia podia ver aptidões para o trabalho nos alunos “anormais”, para que deixassem de ser um fardo ruim para a economia. A reabilitação dessas pessoas, além de ser importante para economia, seria um gesto de compaixão, pela trágica história que tiveram no passado.

É declarado, ainda, que o Estado de São Paulo, preocupado com a qualidade da educação e do progresso, estava naquele momento interessado com a educação dos “anormais” (em especial surdos-mudos), tornando esse público sua responsabilidade com intuito de torná-los seres sociais úteis e produtivos.

A defesa da educação dos anormais foi feita em virtude da economia dos cofres públicos e dos bolsos dos particulares, pois assim evitariam manicômios, asilos e penitenciárias tendo em vista que essas pessoas seriam incorporadas ao trabalho. (JANNUZZI, 2012, p.45).

Chamando a atenção ao Secretário do Interior, destaca-se a necessidade de democratização do ensino, até mesmo para aqueles que a natureza não havia selecionado. Criando escolas especiais para os alunos “anormais”, vincularia “seu nome a uma obra meritória, altamente humana e democrática.” (ANNUARIOS,1917,

Era essencial, portanto, nessa perspectiva, escolas para os anormais, com base em processo de seleção cauteloso e enviados para lugares específicos, de modo a regenerá-los, para tornar esses sujeitos fortes e proveitosos.

A necessidade de escolas para essas crianças e também para os mentalmente “anormais”, sendo que tinham a necessidade de escolas diferentes dos habituais, precisavam de um espaço separado das demais, pois nas escolas comuns nada aproveitavam, e martirizavam os docentes, portanto mais do que escola precisavam de “ar e luz e nutrição [...] restaurar-lhes há o physico, proporcionar-lhes, há educação, oferecendo-lhes- Escolas ao ar livre.” (ANNUARIOS,1917, p.179).

A seguir, a publicação de um documento para complementar aos anuários de 1917, criado pela Inspeção Médica Escolar, intitulado “Escolas ao ar livre e colônia de férias para débeis Escola especiais para tardos”, produzida pelo Dr. Balthazar Vieira de Mello, em que foram encaminhadas as ações necessárias para a criação de um espaço físico para os alunos “anormais” tipo A e B, pelo Estado de São Paulo.

3.4 Escolas ao Ar Livre, Colônia de Férias para débeis e Escolas especiais para

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