• Nenhum resultado encontrado

2- A PRODUÇÃO HISTÓRICA DO ALUNO “ANORMAL”

2.4 Intelectuais responsáveis pelas teorias educacionais sobre os “anormais” no

2.4.4 Lourenço Filho

O professor Manuel Bergström Lourenço Filho foi um importante intelectual para educação no Brasil do século XX, concebia a escola como regeneradora da sociedade e trouxe inúmeras mudanças no campo educacional e na propagação da “ciência psicológica aplicada à educação.” (SGANDERLA; CARVALHO, 2008, p.173). Durante sua trajetória assumiu posições de destaque. Em São Paulo iniciou sua carreira na Escola Normal de Piracicaba, lecionando psicologia. Nesse período aproximou-se da literatura da psicologia educacional norte-americana, “iniciando pesquisas com o emprego de testes psicológicos.” (RAFANTE, 2011, p.75).

Realizou ainda reformas no estado do Ceará (1922), montando o laboratório da Escola Normal de Fortaleza, introduzindo no estado as pesquisas científicas na área da psicologia aplicada à educação.

E, no ano de 1925, assumiu o Laboratório de Psicologia da Escola Normal de São Paulo, efetuando pesquisas psicológicas com fundamentação na psicologia francesa e suíça, “Lourenço Filho destacou-se pela difusão de teorias de aprendizagem baseadas no comportamentismo e modelos curriculares de base psicogenética.” (MONARCHA, 2008, p.9).

Outro importante feito de Lourenço Filho foi a organização da Biblioteca de educação, para qual traduziu diversas obras estrangeiras, um esforço que marca a tentativa de consolidar a educação como campo científico, bem como são dessas que surgem duas de suas obras de referência “Introdução ao Estudo da Escola Nova” (1930) e “Testes ABCpara verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita” (1933). A produção intelectual de Lourenço Filho é extensa: “entre 1920-1930, ele já havia escrito sobre temas de psicologia, alfabetização, formação de professores.” (SGANDERLA; CARVALHO, 2008, p.180).

Em 1930, foi convidado para assumir o posto de Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo,

[...] sua gestão foi marcada pela substituição das práticas rotineiras e de natureza empírica por procedimentos científicos. Nesse sentido criou a Biblioteca Central, o Museu da Criança, os Serviços de Assistência Técnica e Inspeção Escolar, de Inspeção Médica Escolar e de Psicologia Aplicada. Nomeou Noemy Rudolfer para coordenar esse último serviço, que ficou encarregada de organizar as classes homogêneas de primeiro ano dos grupos escolares e por aplicar os testes mentais e pedagógicos, incluindo os testes Binet-Simon. (RAFANTE, 2011, p. 76).

Um importante nome a se destacar na trajetória do autor é da normalista Noemy Rudolfer, pois além de ter sido aluna de Lourenço Filho e realizado diversos cursos na área de psicologia nos Estados Unidos, foi um importante personagem no desenvolvimento científico da psicologia aplicada à educação.

Devido ao seu vasto conhecimento nesse campo, foi convidada por Lourenço Filho para assumir a direção do Serviço de Psicologia Aplicada, assim como o auxiliou no desenvolvimento das suas importantes obras e pesquisas.

Dentre as pesquisas desenvolvidas no Laboratório de São Paulo, por Lourenço Filho e sua equipe, destaca-se a produção e padronização de testes para verificação de maturidade dos escolares. Para tanto, inúmeras escalas métricas foram revisadas, como a de Binet- Simon, gerando posteriormente o livro supracitado sobre os Testes ABC.

Esses testes, desenvolvidos pelo pedagogista, serviriam para identificar aptidões e verificar se os escolares possuíam algum tipo de deficiência mental ou distúrbio com vistas a melhorar a organização das escolas, tornando-as mais eficientes em relação ao aproveitamento e rendimento escolar, classificando assim os escolares pela sua maturidade psicológica através de provas objetivas e de curta duração.

Diferenciando-se de outras medidas psicológicas, os testes “ABC” produziam um “diagnóstico precoce” do nível de maturidade psicológica e um “prognóstico seguro”, com relação à aquisição da leitura e da escrita e homogeneização das classes, em decorrência da classificação obtida.

Exames coletivos de base bioestatística, os “testes ABC”, nas palavras do formulador, destinavam-se a captar “a criança real em sua diversidade”. Para tanto, eram aplicadas oito provas para avaliação

das seguintes funções: coordenação visivo-motora, memória imediata, memória motora, memória auditiva, memória lógica, prolação, coordenação motora, atenção e fatigabilidade. Ao quantificar os atributos individuais em categorias — alunos “fortes”, “médios” e “fracos” — ele almejava a efetuação de um ensino diferencial. (MONARCHA, 2008, p.13)

Nesse período marcado pela soberania do discurso médico-sanitária, higienista, eugenista, biológico e psicológico, a ciência tornou-se a única alternativa para regenerar e solucionar os problemas das questões sociais. Para tanto, a educação com status científico seria a solução dos problemas de aprendizagem. Por isso, os testes ABC, assim como todos os outros testes, desse período, foram “amplamente difundidos nos meios escolares.” (MONARCHA, 2010, p.50).

Para o idealizador dos testes, “a classificação dos anormais de inteligência, discriminação de temperamento, identificação de aptidões e seleção e orientação profissional” (MONARCHA, 2010, p. 68), culminaria na homogeneização das classes, separando aqueles que eram considerados “avançados” dos “retardados”. Esses últimos eram ainda divididos em: “atrasados pedagógicos”, “retardados físicos” e “indisciplinados natos”. Os testes ABC foram utilizados como orientação oficial nos meios escolares para organizar as classes homogêneas por muitas décadas em todo país.

Assim como os testes ABC, Lourenço Filho teve destaque pela sua participação na Liga Nacionalista de São Paulo, na Associação Brasileira de Educação e como membro do Movimento Renovador da educação brasileira, defensor da Escola Nova, fundamentada nos avanços científicos, na biologia e na psicologia, questionando a escola tradicional e a passividade do educando nessa concepção.

Em uma de suas principais obras, “Introdução ao Estudo da Escola Nova”, referida anterior, disserta sobre essa escola moderna e sua finalidade em função da socialização os sujeitos “para o que emprega sistemas de trabalho em comunidade” (MONARCHA, 2010, p. 52), uma educação organizada de forma flexível e baseada nas necessidades individuais. Essa escola pauta-se na liberdade interior, sendo o escolar um sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem, portanto a educação teria como ponto de partida a vontade do indivíduo. É ainda contrária ao ensino pautado em conteúdos fixos de acordo com planos lógicos e bem sistematizados, conforme a estrutura de pensamento de um adulto.

Pode-se dizer que a acolhida significativa de Introdução ao estudo da Escola Nova deve-se a diversos fatores que se complementavam, como originalidade na abordagem do tema, pertinência científica, e síntese metódica das questões teóricas, fatores que, certamente, contribuíram para estabilizar o paradigma de estudos em educação denominado de “Escola Nova”. De imediato, o livro repercutiu mais intensamente no círculo intelectual que partilhava expectativas assemelhadas às do autor. (p. 62).

Apesar de aclamadas por muitos intelectuais, a Escola Nova, defendida por Lourenço Filho, era extremamente criticada por outros. Conforme salienta Monarcha (2010), alguns intelectuais criticavam os autores, considerando a Escola Nova uma pedagogia burguesa.

É importante destacar que, conforme apontado no capítulo anterior, o movimento da escola como regeneradora da sociedade já circulava no Brasil desde 1910. As aspirações por uma “Escola Nova”, com significado de uma pedagogia experimental, já haviam sido colocadas como aspiração no Anuário do Ensino do Estado de São Paulo (1917), em consonância as discussões realizadas pela Liga Nacionalista de São Paulo, na qual Lourenço Filho fazia parte.

Entretanto, segundo Monarcha (2010), após a Reforma de 1920, inicia um ciclo de mudanças e reformas estaduais no ensino, e esse movimento tinha por intuito a “renovação dos métodos e processos de ensino e finalidades sociais da educação; ciclo este nomeado pela historiografia acadêmica como “movimento Escola Nova”.” (p. 34).

Assim, concluímos que Lourenço Filho foi fundamental para implementação da psicologia científica aplicada à educação no Brasil, defendendo veementemente seu ideal de sociedade moderna no contexto de industrialização e urbanização. Entendia que a educação como forma de inserir os indivíduos na ordem social, defensor da Escola Nova em um momento em que havia grande entusiasmo pela pedagogia experimental, como forma de desenvolvimento de um projeto nacionalista para a formação de uma nação forte.

3- AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DOS DIRETORES E INSPETORES DA

No documento ISABELLE KAROLLINE CHAVES DE OLIVEIRA (páginas 84-88)