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1. PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA TRATAMENTO E

1.3 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: ENTREVISTA SEMI-

Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, por possibilitar a coleta de informações sem muita rigidez, ou melhor, sem a exigência de perguntas fechadas, direcionadas para um objetivo único, específico. Além disso, esse instrumento faz com que os sujeitos entrevistados se sintam confortáveis ao responderem questionamentos relacionados ao seu cotidiano, como a cultura, os valores, as normas, entre outros. Nesse sentido, Kandel (apud THIOLLENT, 1980, p. 84) define “[...] a entrevista não-diretiva como instrumental para o estudo das culturas e subculturas (conjuntos de valores, normas, representações, símbolos, etc., tudo o que certos autores chamam de ideologias) ”.

Desse modo, as falas dos sujeitos desta pesquisa revelaram suas maneiras de pensar o mundo que os cerca, possibilitando construir uma análise da vida cotidiana dos pescadores entrevistados, pois “[...] o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento” (VYGOTSKY, 1993, p. 104). Isso demonstra segurança em coletar e analisar dados por meio de entrevista, porque a palavra revela significado material das relações sociais nas quais os indivíduos estão situados. Na realidade,

[...] não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN, 2009, p. 99).

Coletar dados por meio de entrevista, principalmente semiestruturada, assegura confiança, pois as falas representam o contexto socioeconômico, político e formativo de um fenômeno que se quer pesquisar, como as relações de produção-formação e práxis política dos pescadores da Z-16. Logo, “[...] uma das mais importantes fontes de informações para um estudo de caso são as entrevistas. [...] as entrevistas, não obstante, também são fontes essenciais de informação para o estudo de caso” (YIN, 2001, p. 112).

A opção pela entrevista semiestruturada também se articula com as ideias de Aires (2011, p. 28), quando ele afirma que “[...] as entrevistas não estruturadas, dada a sua natureza qualitativa, desenvolvem-se de acordo com os objetivos definidos”. A autora destaca ainda que esse tipo de entrevista consiste na escolha e aprofundamento das informações sobre acontecimentos, dinâmicas, concepções detectadas, ou não, durante a informação. Em outras

palavras, está inserido no contexto das condições humanas: “[...] no geral, as entrevistas constituem uma fonte essencial de evidências para os estudos de caso, já que a maioria delas trata de questões humanas” (YIN, 2001, p. 114). Além disso,

A entrevista qualitativa [...] fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos (GASKELL, 2002, p. 65).

As entrevistas têm, por conseguinte, para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2000), a possibilidade de coletar os dados pelo menos no início da pesquisa de maneira informal, de modo que o pesquisado se sinta à vontade para falar, expressar aquilo que venha a contribuir para o estudo, amenizando situações que, por ventura, sejam desagradáveis para ele e, ao mesmo tempo, possibilitando a sua participação na construção do conhecimento. As entrevistas também exigem cuidados, por isso, no desenvolvimento do estudo, não se pode esquecer o foco da pesquisa, ou seja, as informações que irão contribuir para analisar o objeto investigado. Sobre isso, Yin (2001) menciona que:

Uma percepção que se deve ter ao se fazer boas perguntas é compreender que a pesquisa baseia-se em perguntas e não necessariamente em respostas. Se você é do tipo de pessoa para quem uma resposta tentadora já leva a uma quantidade enorme de novas questões, e se essas questões eventualmente se juntam a algum estudo significativo sobre como e por que o mundo funcionava dessa maneira, é provável que você seja um bom entrevistador (YIN, 2001, p. 82).

Uma das vantagens importantes para se apoiar na entrevista semiestruturada é a possibilidade de ela permitir a coleta de informações por meio de tópicos-guia, pois ela “[...] não é uma série extensa de perguntas específicas, mas ao contrário, um conjunto de títulos de parágrafos” (GASKELL, 2002, p. 66). Assim, nesta pesquisa, fazemos uso desses títulos de parágrafos ou, em outra expressão, eixos temáticos, que possibilitaram orientar a conversa com os pescadores da Z-16, pois não são questões fechadas, mas guias que nortearam a conversa entre pesquisador e pesquisado.

Os tópicos-guia são: o contexto histórico da organização da Colônia Z-16; a atuação política da Colônia para com seus filiados; e a luta da Colônia no cotidiano da práxis política dos pescadores da Z-16. Essa técnica possibilitou-nos coletar, de modo mais organizado, os dados a serem analisados, exigindo conhecimento teórico e prático junto à realidade pesquisada, bem como conversas com pesquisadores experientes. Assim,

É fundamental colocar tempo e esforço na construção de um tópico guia, e é provável que se tenha de fazer várias tentativas. Em sua essência, ele é planejado para dar conta dos fins e objetivos da pesquisa. Ele se fundamentará na combinação de uma leitura crítica da literatura apropriada, um reconhecimento do campo (que poderá incluir conversações e/ou algumas conversações preliminares com pessoas relevantes), discussões com colegas experientes, e algum pensamento criativo (GASKELL, 2002, p. 66).

Vale ressaltar que essa técnica de pesquisa foi utilizada na coleta de dados em outra pesquisa desenvolvida por nós — na dissertação de mestrado —, demostrando que o condutor desta pesquisa já tem experiência no desenvolvimento dessa técnica de coleta de informações em campo. No mestrado, desenvolvemos os seguintes tópicos-guia:

Para gerarmos as informações dos entrevistados, articulamos os direcionamentos das conversações em quatro eixos, a saber: (i) saberes próprios dos pescadores da Colônia Z-16; (ii) as aprendizagens dos saberes dos pescadores; (iii) o processo de escolarização dos pescadores; (iv) a luta dos pescadores no contexto dos movimentos sociais (Colônia de Pescadores Z-16). Esses elementos nortearam a geração de dados desta pesquisa, contribuindo para facilitar o processo de análises (MARTINS, 2011, p. 25). Essa experiência de coletar dados com tópicos-guia contribuiu para coligir as informações junto aos sujeitos desta pesquisa e, embora seja o mesmo lócus de pesquisa, trata- se de outro objeto de estudo, em um contexto histórico diferente, envolvendo outros conhecimentos e outros tópicos-guia. Além disso, ao desenvolver esses tópicos com os entrevistados, houve a preocupação em adaptá-los de acordo com sua linguagem para facilitar a coleta das informações, conforme os objetivos da pesquisa, pois “[...] a entrevista semiestruturada [...] se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente porque permite que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p. 34).

À medida que o tópico-guia é desenvolvido, ele se torna um lembrete para o pesquisador de que questões sobre temas sociais científicos devem ser apresentadas em uma linguagem simples, empregamos termos familiares adaptados aos entrevistados. Finalmente, ele funciona como um esquema preliminar para a análise das transcrições (GASKELL, 2002, p. 67).

Por isso, os tópicos-guia que subsidiaram a entrevista não eram algo fechado, dogmático e sem flexibilidade. De acordo com as necessidades das informações sobre algum determinado tópico da entrevista, poderiam sofrer alterações, eliminar ou incluir temas que, por ventura, a natureza das circunstâncias o exigissem, ou seja, “[...] embora o tópico-guia deva ser bem preparado no início do estudo, ele deve ser usado com alguma flexibilidade. Uma coisa

importante: todas estas mudanças devem ser plenamente documentadas com as razões que levaram isso” (GASKELL, 2002, p. 67).

Uma das entrevistas foi direcionada para o atual presidente da Colônia Z-16, por compreender que esse sujeito tem conhecimento sobre a organização, a estrutura e o planejamento da entidade. Ele é, segundo Rodrigues (2012, p. 116), um sujeito que conhece “[...] sobre a organização da Colônia, suas ações políticas, seus avanços e retrocessos, seus projetos, seus ideais, enquanto administrador, e sobre aspectos sócio-históricos da entidade”. São informações que contribuíram na compreensão do objeto da presente pesquisa.

Em relação à quantidade de entrevistas necessárias, Gaskell (2002, p. 70) não especifica quantas entrevistas devem ser realizadas em uma pesquisa, mas, para ele, “[...] mais entrevistas não melhoram necessariamente a qualidade, ou levam a uma compreensão mais detalhada”. Nessa perspectiva, esse autor nos ajuda a compreender que não há necessidade de grande quantidade de entrevistas, mas sim de organizar bem as informações com um grupo de informantes, neste caso formado por 10 pescadores, para dar conta de responder aos objetivos propostos pela pesquisa.

Dessa forma, entrevistamos 10 (dez) sujeitos vinculados à Colônia Z-16, dentre os quais havia 4 (quatro), com função administrativa, e 6 (seis), sem função administrativa, apenas pescadores filiados. As entrevistas com os coordenadores de base se justificam porque esses sujeitos assumem diretamente papel político no contexto do movimento da entidade. A contribuição desses entrevistados foi informar a relação dos filiados a partir da base da Colônia, proporcionando elementos para a compreensão do problema da pesquisa, relacionado com os objetivos e intermediado pelo eixo temático proposto. Os coordenadores são pescadores responsáveis para articular, informar e organizar os demais pescadores da sua comunidade. Sobre esses sujeitos, assim os descreve Rodrigues (2012):

Além da Diretoria, há os Coordenadores que atuam junto às comunidades onde também residem, articulando-as e demandando ações para a Diretoria e vice-versa. Trata-se de pescadores eleitos em suas comunidades, delas recebendo contribuição financeira para o exercício do mandato. Em suas comunidades esses coordenadores realizam reuniões setorizadas, planejam e encampam ações, a partir das discussões travadas com o coletivo de pescadores reunidos (RODRIGUES, 2012, p. 120).

As falas dos coordenadores são importantes, porque estão próximas dos pescadores; são os coordenadores de base que discutem as necessidades da comunidade, sua atuação política por meio de assembleias, contribuindo para desenvolver as atividades da Colônia Z-16, tal como fora observado por Vázquez (2011, p. 193): “[...] na atividade prática, o sujeito age sobre

uma matéria que existe independentemente de sua consciência e das diversas operações ou manipulações exigidas para a transformação”. Assim, as entrevistas com os coordenadores de base são importantes no sentido de relatar a sua participação nas assembleias e reuniões, nas quais são repassadas para os pescadores as informações; compreendemos que nessa participação se materializa a práxis política que proporciona aos pescadores as condições de resolverem suas necessidades cotidianas.

Há ainda instâncias de participação coletiva como Assembleias e Congresso de Pescadores. Na primeira, os pescadores em sua totalidade reúnem-se para, junto com a Diretoria, procederem discussões sobre mensalidades e projetos, por exemplo, podendo, entretanto, ocorrer apenas com os Coordenadores, haja vista que se constituem como representantes dos interesses de cada comunidade de pescadores. Na segunda, realizada tanto com coordenadores quanto com os demais pescadores, são debatidas ações de longo, médio e curto prazo (RODRIGUES, 2012, p. 221).

Além dos coordenadores de base, entrevistamos também os sujeitos que não possuíam funções administrativas, isto é, aqueles pescadores vinculados à Z-16 sem função na hierarquia da entidade, apenas filiados, pois a intenção é confrontar as falas dos pescadores que assumem função na gestão com as falas dos sujeitos que não assumem nenhuma função administrativa, para contribuir nas análises das informações propostas na hipótese. Todavia, mesmo sem participar diretamente da gestão, são sujeitos que participam da assembleia da entidade, momento político de fundamental importância para o direcionamento da entidade, conforme destacou Rodrigues (2012, p.121): “[...] as assembleias realizadas pela Colônia Z-16, por exemplo, nos permitiram inferir um tipo de saber voltado para o desenvolvimento de decisões participativas, em oposição à forma de administração exercida pelos presidentes que outrora eram indicados pela FEPA [...]”. Além disso,

Uma das mais marcantes características de todo grupo social que se desenvolve no sentido do domínio e sua luta pela assimilação e pela conquista “ideológica” dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 1988, p. 9).

A assembleia é um momento de fundamental importância para os pescadores, porque é o espaço onde se reúnem todos os filiados para debater, discutir e deliberar ações para o coletivo de pescadores. Por isso a importância de entrevistar tanto os pescadores que compõem a coordenação da entidade, como os pescadores que não exercem função administrativa, mas que têm poder de voto no momento oportuno no interior da Z-16, conforme o Estatuto da

Colônia Z-16: “Artigo 5º São direitos dos associados e das associadas quites com suas obrigações sociais: participar de todas as assembleias, propondo, discutindo votando e sendo votado [...]” (2014, p. 2).

Para complementar as entrevistas, faremos ainda análise documental36, pois, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), os documentos podem revelar as normas, os regimentos, as ações oficiais da instituição, ou seja, são os registros dos perfis das lideranças e da entidade, são sínteses construídas no coletivo da organização, por isso, sua importância nesta pesquisa. Recorremos, então, aos documentos que registram as ações dos pescadores e que são produtos das discussões e dos planejamentos, materializados nas sínteses das atividades, nas normas, nas regras do direcionamento da produção-formação e na práxis política dos pescadores da Colônia Z-16.

Esses documentos, para Lüdke e André (1986), constituem uma fonte estável e rica, podendo ser complementados várias vezes. Além disso, representam um contexto, ou melhor, fornecem informação sobre esse contexto:

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações de declarações do pesquisador. Representam uma fonte “natural” de informação. Não apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39).

Analisar a práxis política dos pescadores da Z-16 requer a compreensão do contexto histórico desses sujeitos, considerando os aspectos socioeconômico, político e formativo da realidade em que se encontra o lócus da pesquisa. Contextualizar significa situar o fenômeno pesquisado num terminado tempo, espaço e realidade. Além disso, ajuda pesquisar o fenômeno para além das aparências, para que se possa aproximar de sua essência. Nesse sentido, é necessário partir do empírico para ampliar as análises e compreender a realidade concreta.

No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo “em situação” cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade (KOSIK, 2002, p. 14).

36 “São considerados documentos qualquer material escrito que possam ser usados como fonte de informação”

(Phillips, p. 187). Estes incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e arquivos [...]” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38).

É nesse sentido que as análises dos documentos se tornam necessárias nesta pesquisa, pois registram a organização da entidade pesquisada, os seus objetivos e os princípios das atividades dos sujeitos analisados. São registros que materializam as discussões presentes nas assembleias, nas reuniões e nos outros mecanismos da Z-16, tal como é apresentado no planejamento operacional da Colônia Z-16 (2016, p. 2): “[...] este documento sintetiza o planejamento da Colônia de pescadores Z-16 de Cametá realizado nos dias 11 e 12 de março de 2016, na sede da Colônia de pescadores auditório Juvenal Viana”. Analisar documentos desta natureza são importantes, para o estudo de caso, porque podem:

[...] corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes. Em primeiro lugar, os documentos são úteis na hora de se verificar a grafia correta e os cargos ou nomes de organizações que podem ter sido mencionados na entrevista. Segundo, os documentos podem fornecer outros detalhes específicos para corroborar as informações obtidas através de outras fontes. Se uma prova documental contradizer algum dado prévio, ao invés de corroborá-lo, o pesquisador do estudo de caso possui razões claras e específicas para pesquisar o tópico de estudo com mais profundidade (YIN, 2001, p. 109).

Dessa forma, os documentos produzidos pelos pescadores da Z-16, ao longo do processo histórico, são importantes fontes de análise desta pesquisa. Por isso, analisamos os seguintes documentos: Estatuto da Colônia de Pescadores Artesanais Z-16; Planejamento Operacional da Colônia Z-16 (2016-2018); Atas das reuniões e assembleias das eleições da Colônia Z-16. Esses documentos foram produzidos a partir das necessidades reais dos pescadores e constam de normas, diretrizes, políticas, entre outros elementos que representam a sua articulação política. Além disso, esses documentos informam um contexto histórico, produto de decisões coletivas e de embates políticos internos. Tudo isso contribuiu, enfim, para uma análise da práxis política dos trabalhadores/pescadores mais próxima possível da sua realidade.

1.4 AS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO-FORMAÇÃO E PRÁXIS POLÍTICA DOS