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instrumento para Agenda 21 (1)

No documento V.1, N.1 - Edição Impressa (páginas 110-113)

Aline Pinto de Almeida(2)

Este trabalho busca reunir algumas reflexões sobre o universo da arte e o âmbito da ecologia social, que foram as fontes inspiradoras desta pesquisa que, por sua vez, procurou estabelecer a interseção desses dois domínios. A partir de experiências práticas e teóricas foi possível estabelecer conexões e perceber o quanto a utilização do Teatro do Oprimido pode contribuir estimulando novos modelos de parceria, provocando um engajamento comunitário na tomada de decisões, engendrando uma caracterização dos problemas comuns, delimitando iniciativas para resoluções possíveis, enfim, despertando, em todos os empenhos e desempenhos comunitários, a “percepção do poder efetivo do realizar” (IRVING, 1999, p.139).

É evidente a importância de metodologias que propiciem uma visão mais abrangente do ser humano e que, além disso, viabilizem, aos sujeitos não letrados, uma outra forma de expressão que não esteja restrita aos códigos verbal e escrito. O Teatro do Oprimido em apoio à construção da Agenda 21 Comunitária tornam-se instrumentos interessantes e inovadores, que colaboram com os compromissos da Educação Ambiental.

Tanto o Teatro do Oprimido como o processo de construção da Agenda 21 Comunitária constituem desafios no sentido de estimular a mobilização e o engajamento coletivos na solução de problemas para a melhoria da qualidade de vida e o empoderamento dos participantes. Os caminhos a serem percorridos devem ser traçados pela própria comunidade, expressando, com sua linguagem, os seus anseios, inquietações, reivindicações e desejos.

Constata-se no Brasil uma tendência crescente no número de iniciativas que utilizam o teatro como instrumento de desenvolvimento social. Augusto Boal criou o Teatro do Oprimido nos anos 60, na mesma época e atmosfera em que surgiu a Pedagogia do Oprimido, de Paulo

1 Este artigo foi escrito a partir dos resultados de pesquisa de mestrado: ALMEIDA, A. Agenda 21 Comunitária: uma experiência no entorno do Parque Nacional da Tijuca (RJ). 2002. 240 p. Dissertação (mestrado em Psicossociologia e de Comunidades e Ecologia) – Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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Freire, assumindo com essa uma afinação essencial. Os temas abordados no neste teatro estão diretamente ligados à realidade dos chamados espect-atores. Os princípios do Teatro do Oprimido são (Boal, 1998, p.4): “1) Transformação do espectador em protagonista da ação teatral: espect-ator; 2) A tentativa de, através dessa transformação, modificar a sociedade e não apenas interpretá-la, a fim de preparar as ações para mudanças futuras”.

Boal distingue cinco modalidades no Teatro do Oprimido: Teatro-Imagem, Teatro- Invisível, Teatro-Legislativo, Arco Íris do Desejo e o Teatro-Fórum. Sendo o último, o mais indicado para Programas de Educação Ambiental. O Teatro-Fórum é a apresentação de uma cena de opressão vivida por um protagonista, o personagem oprimido, que deseja algo, mas não é bem sucedido por conta da ação de alguns opressores. Depois da apresentação, os “espect-atores” são convidados a entrar em cena no lugar do protagonista e, com isso, propor soluções para que o mesmo possa equacionar a situação vivenciada. Segundo Boal, mais importante até do que se chegar a uma solução ao final é o debate que será promovido durante o espetáculo sobre determinado fato.

A Agenda 21 é um dos resultados mais significativos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). Resulta de um longo processo de busca, constituindo-se como um roteiro de compromissos que propõe metas, ações, recursos e responsabilidades. A Agenda 21 é um documento de intenções que consolida o compromisso de diversos países na busca do modelo de Desenvolvimento Sustentável.

A pesquisa proposta foi realizada na área do entorno do Parque Nacional da Tijuca (RJ), uma Unidade de Conservação de Proteção Integral que, por seus atributos ecológicos, se associa a condições especiais de uso e ocupação do solo e manejo de recursos naturais. Trata-se de uma área de exuberante Mata Atlântica secundária, que atua como redutora da poluição e amenizadora do clima. Na pesquisa de campo foram priorizadas duas comunidades, Tijuaçu e Mata Machado, que possuem condições muito semelhantes como problemas de saneamento básico, abastecimento de água, lixo nos rios e na floresta, falta de atendimento médico, entre outros. Cada uma delas possui uma Associação de Moradores, contudo, ainda são pouco mobilizados para os problemas ambientais, de participação comunitária e para as questões ligadas a sua localização no entorno de uma área protegida.

Faz-se necessário contextualizar a psicossociologia enquanto o “pano de fundo” da elaboração teórica do trabalho e das opções metodológicas adotadas durante a pesquisa. As escolhas dos percursos, os instrumentos utilizados, o processo de observação participante no campo bem como a avaliação dos dados coletados foi delineada a partir desta perspectiva. A psicossociologia é uma área de intercessão entre diferentes saberes, na qual o ser humano é concebido como um sujeito que sofre influências tanto de fatores sociais, históricos e geográficos como de fatores psicológicos essenciais nas suas atitudes. Nesse conjunto de influências de caráter objetivo e subjetivo, o ser humano será sempre constituído e determinado pelo social e pelo individual. Os sujeitos da pesquisa são compreendidos como “sujeitos dotados de pulsões, afetos, desejos, defesas, projeções e identificações” (NASCIUTTI, 1996, p.54), pois todos estão inseridos em um contexto social de determinada cultura e, conseqüentemente, sofrem determinações desse meio (MAUSS, 1974).

A abordagem metodológica foi a Pesquisa Participante (BRANDÃO, 1999). Na primeira etapa do trabalho foram selecionados 20 sujeitos identificados como lideranças

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locais3. O critério para a identificação desses líderes partiu do reconhecimento e indicação

dos próprios moradores. A duração da pesquisa de campo foi de um ano e meio e a entrada nas duas comunidades se deu através das Associações de Moradores.

Inicialmente, foi realizado um mapeamento de lideranças por observação participante. A fase seguinte foi exploratória, para a qual foi elaborado um diagnóstico da situação das comunidades através de pesquisa de documentos publicados sobre a região. Em um momento posterior, foi realizada a etapa das entrevistas semi-estruturadas, com as 20 lideranças selecionadas, categorizadas por setores representativos locais.

Com os dados coletados, foi realizada a análise de conteúdo das entrevistas. As informações adquiridas serviram para a montagem das oficinas, para a elaboração e escolha dos jogos e exercícios do Teatro do Oprimido, e para o encaminhamento do processo de construção da Agenda 21 Comunitária. Em fase subseqüente, foram realizadas cinco oficinas com as lideranças e demais participantes que se informaram espontaneamente sobre o trabalho, alguns deles representantes de órgãos públicos.

Uma das características intrínsecas à Agenda 21 é a condição de ser um processo contínuo que exige, sempre e a cada vez, o engajamento e a organização permanente da comunidade. Assim sendo, não se deve esperar do presente trabalho o esgotamento de seus resultados em rígidas conclusões.

A análise do trabalho permite destacar alguns outros resultados que parecem indicar sua aplicabilidade em iniciativas de metodologias que garantam a participação e o envolvimento comunitário. O primeiro deles é o próprio processo de construção da Agenda 21 Comunitária, que foi algo inédito nessas comunidades. O processo estimulou o início das obras na Unidade do Posto de Saúde que será transformada em Posto de Saúde, devido à demanda das próprias comunidades. Foram também elaborados três abaixo assinados relacionados com as questões levantadas na Agenda 21. Outro resultado importante foi a divulgação da Agenda 21 na comunidade e, o reconhecimento dessa como instrumento efetivo de diálogo com o poder público.

A proposta desse trabalho tende a contribuir como um “deflagrador” no processo de engajamento comunitário. Apesar das dificuldades e limitações identificadas, os resultados obtidos poderão certamente contribuir para um novo “olhar”, visando à inclusão dos atores sociais locais no processo de implantação e gestão de áreas protegidas, a participação no processo de tomada de decisões e o movimento para a melhoria da qualidade de vida dos moradores.

Em relação à avaliação da efetividade dos jogos e dramatizações do Teatro do Oprimido para a construção da Agenda 21 Comunitária, algumas conclusões parecem possíveis. A utilização dessa técnica funcionou como uma alternativa para acelerar o processo de envolvimento comunitário. Ou seja, o engajamento comunitário em um curto espaço de tempo foi possível, através das situações trazidas nas cenas, permitindo a reflexão direta

3 O conceito de liderança que norteou o processo de pesquisa é o mesmo que FAUNDEZ (1993, p.51), denomina por animadores: “O animador ele próprio é, de certo modo, um processo, na medida em que

as características do seu trabalho não são mais do que ideais a atingir. Pode-se dizer que o animador não é jamais ele mesmo, mas é um ser “em devir”, é um ser transformando-se em um animador, ou prestes a tornar-se um bom animador”.

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sobre os hábitos e condições de vida dos moradores e a discussão dos seus problemas de uma maneira espontânea. Vale destacar o caráter lúdico dessas técnicas, nas quais o processo se dá de forma sutil e verdadeira, além da diversão que é gerada por alguns dos exercícios.

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