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malhas surrealistas na tessitura das redes

No documento V.1, N.1 - Edição Impressa (páginas 121-123)

1 Geraldo Vandré: Para não dizer que falei das flores.

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ideais militantes do saber científico - embalados pelas orientações do Cartesianismo, que ainda continuam forte, fragmentando a visão complexa do mundo. Habermas (1983) considera que o pedestal edificado em torno das ciências não possui estirpe do método científico ou da fidedignidade epistemológica, mas situa numa plataforma política de poderes.

Este texto encerra, assim, a vontade da ruptura, e quebrando a cronologia tirana do tempo, revisita o passado, trazendo Gaston Bachelard à tona para a reflexão adiante. Educador, filósofo, cientista, poeta e louco, assim também autodenominado, as Redes de EA possuem algo parecido com este movimento que alia conhecimentos ambientais à educação do sensível. Paulo Freire diria que é preciso temperar a racionalidade com doses de paixão, sem medo de ser taxado de piegas, num mundo de labirintos da semântica científica, que segregando a condição da existência humana da epistemológica, insiste em continuar fragmentando a vida, sem conseguir responder aos desafios da humanidade.

Muito antes das redes aparecerem, ainda no início do século XX, Bachelard trouxe a circulariedade da educação para o campo epistemológico e desta, à poesia. Não obstante, aproximou a poesia à ciência. Assim, para Bachelard (1988, p. 4), “educar é uma atitude filosófica para alimentar sonhos”. Buscava construir-se a si mesmo, e as narrativas dizem que suas aulas mergulhavam no turbilhão de dúvidas, inquietações e incertezas. Embora não oferecesse seguranças, nem utilizasse qualquer teoria didática, era um excelente professor. Numa alusão às redes, temos necessidade de construir a formação dos sujeitos, promovendo a comunicação e o fenômeno das descobertas à construção de um projeto em comunhão, ainda que em campos aventureiros e cheios de erros pedagógicos.

A construção de identidades dos sujeitos participantes das redes é uma busca que não desfaz o encantamento da travessia dirigida para o encontro, mas enfrenta a luta conflituosa do bem (POESIAS NOTURNAS) e do mal (CIÊNCIAS DIURNAS). O despertar não se faz sem espera, que pode adormecer e ser esquecido, mas que foi construído na tomada de consciência de dois mundos (RODRIGUES, 1999). Não há caminhos, o andar é ritmado pela cadência das forças na procura. Mas a procura pode ser de si mesmo, no movimento dinâmico do “equilíbrio - caos - superação - transformação”. O tempo da viagem, portanto, é sem horas, revelando a cosmicidade humana, na morada da consciência clara e escura.

Bachelard adentrou-se em campos conceituais científicos, tendo Einstein como parâmetro referencial, afirmando que a ciência não pode ser ponto de partida, mas de uma intuição organizada, objetivada à sustentação do conhecimento, enunciando a importância do detalhe sobre o geral, no dilema tardio de Platão que simultaneamente separava e agregava o uno ao múltiplo. Sob este olhar, parece ser bastante improvável expelir nossos desejos de militância às concreções de nossos saberes, e destas relações, com nossa ativa participação na formulação das políticas públicas. A atuação dos sujeitos, portanto, seja em qual espaço for, jamais pode ser considerada neutra ou desprovida das nossas identidades e escolhas.

Nas estruturas das redes, marcadamente pela morfologia Pitagoriana de linhas e pontos, há quem considere que a comunicação (linhas) seja mais importante que os participantes das redes (pontos) (MARTINHO et al., 2003). Na perspectiva da dialética conflituosa, que não pretende encontrar um consenso padronizador para mascarar as diferenças, Aristóteles teve seus momentos não lineares, enunciando que não poderia fragmentar o desenho das redes, assumindo que as linhas não teriam existência sem os pontos. Reafirmava que conectividade da comunicação das linhas estava na dependência de

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sua própria composição dos pontos. Em outras palavras, o alvitre libertário das redes encontra seu próprio desafio exatamente em sua proposta: para sua existência, necessita da participação dos sujeitos, inclusive considerando aquilo que não se expressa em oralidades, mas em gestos inefáveis da condição humana. É necessário assumir que sujeito (pontos) e objeto (linhas) são partes de um importante diálogo entre concepções distintas do mundo. A tensão dos pólos pode gerar incompreensão e resistência, e por isso mesmo, as redes necessitam transcender valores meramente racionais, clamando por dimensões polissêmicas da EA. Assim como o pensador francês, as redes querem revolucionar o modo de organização dos grupos, num enfoque de uma geometria diligente não euclediana; na dinâmica dos movimentos contra a inércia newtoniana; e na construção de saberes sem fragmentos, livres das amarras cartesianas.

Bachelard reivindicava o tempo enquanto instantâneo e descontínuo, tentando mostrar que o ritmo é uma noção temporal fundamental para a compreensão da descontinuidade do tempo. Continua influenciado pelas teorias da Relatividade, acrescido da Psicologia (ritmanálise), enunciando que o tempo tem apenas uma realidade: a do instante (RODRIGUES, 1999). Na ritmanálise, ele nega qualquer referência ao tempo absoluto, afirmando que o ser humano toma gosto de ultrapassar-se a si mesmo, na ruptura constante contra a continuidade do tempo, buscando trabalhar com ritmos salutares, porque são criadores do tempo e do sonho. As redes de EA não são proposições tradicionais, nasceram de um ideal libertário na construção de utopias individuais e coletivas, visando a inclusão social e a justiça ambiental. Para promover a comunicação de seus participantes, utilizam-se da virtualidade, rompendo espaços, territórios e tempos tiranos, tentando a aproximação mais direta em encontros e reuniões presenciais, com oportunidades de tecer tramas afetuosas de amizades, fios coloridos de diálogos e nós entrelaçados de vivências. Possibilita, também, o aperto das mãos, a beleza do sorriso e o toque sensível que o espaço digital esconde pelas máquinas frias.

As redes, assim como o pensamento Bachelardiano, tomam o surrealismo como metáfora de analogia, no desejo da formação integral dos sujeitos, via poesias e ciências, que não depende de uma finalidade utilitária e imediata, mas representa um processo na formação de um mutante que sofre se não ousar a transformação. De semelhante consideração, o surrealismo consiste na metamorfose, sem a preocupação meramente estética da obra. Distanciando do dadaísmo, movimento de ruptura anarquista, a arte surrealista busca num pensamento da esquerda influenciada e originária por Karl Marx, e também na necessidade da formação da personalidade orientada por Sigmund Freud. A estética consubstanciada pela ética, busca na poética (POI-etike) seu poder de criação (POI-esis). É a energia vigorosa capaz de mudar a vida, reinventar as paixões, expressar as diferentes formas de cultura e oferecer a imagem da transformação num movimento de transcendência. Não significa abandonar os campos das ciências e dos saberes acadêmicos, mas denota a ultrapassagem do conhecimento utilitarista admitindo a existência de um pensamento simbólico de territórios e imagens, metáforas e cosmogonias.

A linguagem passa por uma retificação conceitual dos erros, dentro

No documento V.1, N.1 - Edição Impressa (páginas 121-123)