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O mundo que queremos, é um mundo possível?

No documento V.1, N.1 - Edição Impressa (páginas 118-121)

1 Jornalista, educadora ambiental. Coordenadora Geral - Instituto Ecoar para Cidadania Associação Ecoar Florestal - Centro Ecoar de Educação para Sustentabilidade - www.ecoar.org.br / miriam@ecoar.org.br / 11 3052 1362

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de revista brasileira

A procura incessante pelo acúmulo de riquezas materiais vem exaurindo os recursos naturais do Planeta sem, no entanto, melhorar as condições de vida de grande parte da população da Terra.

O domínio destas fontes de riqueza e a distribuição dos bens produzidos estão sob controle, cada vez mais acirrado, de pequenos grupos dominantes.

No hemisfério norte, países ricos desenvolvem ciência e tecnologia de ponta, instruem e capacitam suas populações, cuidam de sua saúde, protegem sua produção e emprego, criando assim condições de prosseguir em sua trajetória de sucessos...

Do lado de fora, muitas vezes no mesmo lado do mundo, milhões, bilhões de seres humanos sonham com água limpa, um prato quente de comida, um remédio para aliviar a dor de dente, baixar a febre. Batem à porta dos ricos e ela está irremediavelmente fechada. Nos dois hemisférios.

Apesar de, a partir dos anos 50, já haver nas esferas governamental e científica, o conhecimento da gravidade das conseqüências que tal modelo de civilização estava trazendo ao Planeta como um todo, a destruição da natureza e a exclusão social prosseguiram ininterruptas.

A década de 60 traduz-se para o mundo como o berço da contracultura, de um novo arcabouço de princípios, onde os valores do nacional-desenvolvimentismo são severamente questionados. Movimentos de libertação nacional, de resistência, pacíficistas, naturalistas, de consumidores, de direitos humanos, de gênero e o ambientalista, colocam na pauta universal, entre outros, os temas da injustiça social, da concentração econômica, da discriminação, da corrupção e da deterioração ambiental.

Nas décadas subseqüentes, paralelamente à ascensão dos regimes democráticos em diversos países e ao aumento vertiginoso do número de organizações não governamentais, sindicatos, movimentos populares, o movimento ambientalista se organiza e seu discurso, embasado nas novas descobertas científicas, mobiliza a sociedade civil, especialmente nos países mais desenvolvidos e esta passa a exigir de governantes e empresas, medidas de recuperação e conservação dos recursos naturais.

Conferências são realizadas, tratados estabelecidos, documentos globais elaborados. Países assinam acordos de redução de emissões de poluentes, de conservação de florestas e da biodiversidade, de pesquisa de fontes de energia alternativa etc.

Populariza-se o conceito de desenvolvimento sustentável. Para dar concretude ao conceito, primeiramente cunhado por Lester Brown, surge então a noção do exercício da responsabilidade social das empresas.

Melhoram as técnicas de produção, minimizam-se os resíduos, sua disposição é mais cuidadosa, a reciclagem vira uma febre, tratam-se os efluentes, não se contrata mais mão de obra infantil, não mais se descrimina acintosamente as mulheres, os negros, os deficientes, as emissões de poluentes são controladas, compensações ambientais são estabelecidas pelos governos, surgem legislações mais severas, fiscalização mais eficiente, programas sociais de vulto são mantidos pelas grandes empresas, etc.etc.etc.

Mas não se toca no cerne da questão: a mudança do marco civilizatório, a construção de um novo paradigma.

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Assim, ao mesmo tempo em que medidas mitigadoras e compensatórias se alastram, o poder político do mundo continua estreitamente relacionado ao poder financeiro.

Os países ricos tornam-se cada vez mais ricos, aumenta o número de jovens bilionários enquanto nos países pobres explode o número de miseráveis.

Nos países ricos de recursos naturais, governos, mesmo quando democráticos, estimulam seu uso intensivo como fator de geração de riquezas.

Nos países emergentes, a pós-modernidade, a tecno-ciência e a abundância convivem, sem nenhum constrangimento, com as trevas da idade média, a ignorância, a fome, a doença.

E a destruição do Planeta prossegue apesar do “novo” modelo de desenvolvimento, dito sustentável, estar em grande evidência nos discursos de políticos, empresários e cientistas.

O centro de poder global prefere desconhecer e/ou minimizar o grito de alerta que a comunidade científica lança, no advento do século XXI: pela primeira vez em 15 bilhões de anos, a manutenção da vida na Terra está seriamente ameaçada!

Problemas como o aquecimento global, o comprometimento dos estoques de água doce, a destruição da biodiversidade, o desflorestamento, a chuva ácida, a contaminação dos solos e do lençol freático, aliadas ao agravamento do problema da exclusão social, da fome, da miséria e da violência desafiam a modernidade e põe em xeque o futuro de nossa caminhada, enquanto humanidade, nesta Terra.

A despeito de todas as evidências, alguns ainda se recusam a crer e prosseguem em sua jornada leviana, outros se sentindo impotentes cruzam os braços e apenas lamentam.

Faz-se necessário então um imenso esforço de todos nós, para que um número cada vez maior de pessoas re-conheçam o contexto em que estão inseridos, recuperem sua história, conheçam sua geografia, observem o funcionamento da teia da vida, percebam as estreitas conexões existentes entre as boas condições do ambiente, as boas condições sociais e boas condições econômicas, transformem-se em protagonistas de suas próprias histórias.

E juntem-se aos milhares, milhões de seres humanos, nos quatro cantos do mundo que procuram informações e conhecimento, se articulam em redes, se organizam coletivamente, formam verdadeiras comunidades de aprendizagem e buscam construir em silêncio, anonimamente, um novo paradigma, um outro modelo de civilização.

Um paradigma alicerçado em uma visão de mundo sistêmica, onde o respeito à diversidade e a todas as formas de vida e a solidariedade, são os fios condutores de ações concretas de transformação do “pedaço”, do bairro, da cidade, do estado, do país, do mundo...

Um novo mundo que convive lado a lado com o outro, velho e poderoso, procurando minar seus alicerces, conquistar cada um de seus artífices, roubar-lhe os soldados, converter seus mentores e mantenedores...

Tarefa árdua, talvez batalha perdida, mas à qual não podemos nos furtar, educadores e educadoras que somos...

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A noção de horizontalização das organizações sociais através das estruturações em redes nasce na mesma época que a Educação Ambiental (EA), na dinâmica dos movimentos brasileiros da contracultura dos anos 60, abarcando cenários, territórios e sujeitos distintos. A Tropicália semeava a liberdade contra a hegemonia do padrão cultural dominante, permitindo que expressão artística, aliada com demais outros setores, promovesse a participação dos sujeitos, evidenciando que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer1”. A semeadura

deste grito originou a Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA), que se fortaleceu durante a Eco92, como fruto da luta ambientalista de vários protagonistas. Constituída de Organizações Não-Governamentais (ONG), grupos sociais diversos, universidades e pequenas parcelas governamentais, sua trajetória vai demarcando amplos espaços, hoje incorporando significativas partes dos organismos governamentais e até membros das empresas privadas.

É claro que, ao aumentar a ciranda em constante movimento, a REBEA incorpora enormes desafios. Seu potencial de diálogos deve se magnificar para abarcar múltiplos sujeitos com posições ideológicas diferenciadas, métodos e campos epistemológicos bastante plurais. Evidenciam- se, também, sujeitos híbridos que atuam em academias e ONGs, ou paradoxalmente, em organismos governamentais e não-governamentais, misturando as combustões da vida, em busca de oxigênio que alimente os sonhos. A constatação de que os fragmentos necessitavam de aproximação, mesmo em campos opostos e contraditórios, é igualmente revelada nas estruturas científicas, em especial ao movimento da Pós- Modernidade, questionadora dos valores cartesianos da Modernidade, e cuja inquietação provoca o mal estar da hierarquia das ciências.

No paralelismo entre redes e universidades, é preciso considerar que para uma vasta gama de docentes e estudantes universitários, o ideal acadêmico é universalizar o saber, através dos clássicos espíritos científicos, que permitem competições produtivas ao avanço tecnológico. Neste engessamento epistemológico, consideram que a EA é um campo panfletário de “discurso de banquinho”, sem lugar ao sol no mundo dos iluminados. Separam

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