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III. Metodologia Empírica

1. Desenvolvimento da Investigação

1.3. Instrumentos de recolha de dados

O estudo das narrativas tem vindo a conquistar uma enorme importância nos últimos anos, derivada da crescente consciência do papel que contar histórias desempenha na formação de fenómenos sociais, desde a infância até à idade adulta. Involuntariamente é possível encontrar o fenómeno das narrativas quase de forma infinita, já que o ser humano tem a necessidade de contar, promovendo a forma elementar de comunicação humana.

O uso da narrativa como instrumento fundamental de comunicação, e por conseguinte, como possível método de pesquisa, pode fornecer uma melhor compreensão de ensino, aprendizagem e desempenho.

Segundo Webster e Mertova (2007), a narrativa estuda os problemas com base no conto de histórias envolvendo características ao nível pessoal e social. Desta forma, através da captura e da análise das histórias de vida, torna-se possível a documentação detalhada de eventos críticos, dando às histórias, um potencial valioso de pesquisa. Bauer e Gaskell (2000) acrescentam ainda que a narrativa pode ser considerada como uma situação com vista a encorajar e estimular o contador da história a relatar algum acontecimento importante da sua vida, de forma a reconstruir uma experiência por este vivida.

1.3.1 A narrativa como método de pesquisa e a influência de eventos críticos

“O aspecto comum de todas as histórias, que lhes oferece a sua amplitude para iluminar situações da vida real, é a sua estrutura narrativa”. (Webster e Mertova., 2007)

Segundo Reissner (2005), a análise da narrativa permite, de uma forma consistente, avaliar mudanças nas histórias e narrativas, ao nível pessoal e organizacional, relatando a experiência pessoal no desenvolvimento organizacional. O estudo das narrativas como método de pesquisa pode, de acordo com Alvarez e Urla (2002: 48), “tornar-se a base para a elaboração de uma crítica à representação da gestão numa organização”. As histórias dos

Evento Definição

Crítico Um evento seleccionado devido à sua natureza única, ilustrativa e confirmatória.

Similar

Com o mesmo nível sequencial que o evento crítico, apenas ilustra, confirma e repete a experiência de um evento crítico.

Outro Evento que ocorre ao mesmo tempo que um evento crítico ou similar.

colaboradores que usam sistemas de informação podem apontar para desigualdades estruturais e modos de domínio que outras técnicas de recolha eliminariam ou normalizavam.

Um evento pode ser crítico se tiver um impacto de performance perante o contador de história, em termos profissionais ou relacionados com o meio laboral, introduzindo consequências ao nível pessoal. Desta forma, defende-se que aquilo que torna o evento de teor crítico é o impacto que este tem na vida do contador de histórias, podendo originar uma mudança radical na pessoa, devido ao carácter inesperado do evento. (Webster e Mertova., 2007)

Tabela 5 – Definição dos termos “crítico”, “similar” e “outro” no contexto do evento.

Fonte: Webster e Mertova (2007:79)

O contexto de um evento, segundo Webster e Mertova (2007: 83), pode existir no interior de uma estrutura organizativa, sendo factor importante na sua “governança, processos disciplinares, autoridade, procedimentos operacionais e expectativas de desempenho”.

1.3.2. Fases principais da narrativa

A narrativa é usada para “criar explicações plausíveis para as acções do contador da história”. (Alvarez e Urla, 2002: 41) É uma técnica de geração de histórias, sendo aberta quanto aos procedimentos de análise que seguem a recolha de dados. (Reissner, 2005)

De forma a explorar os eventos críticos, o investigador procede à sua pesquisa perante o contador de histórias, através do uso de questões abertas, onde o convida a descrever um evento de forma detalhada.

A narrativa processa-se a partir de um determinado número de regras, presentes em cinco fases de execução, como descreve a tabela 5. Estas regras funcionam como guia e

Fases Regras

Exploração do campo

Formulação de questões exmanentes Formulação do tópico inicial para narração Emprego de auxilios visuais

Não interromper

Somente encorajamento não verbal para continuar a narração Esperar para os sinais de finalização

Somente "O que aconteceu então?"

Dar opiniões ou fazer perguntas sobre atitudes Não discutir sobre contradições

Não fazer perguntas do tipo "Porquê?" Ir de perguntas reguláveis para imanentes Parar de gravar

São permitidas perguntas do tipo "Porquê?"

Fazer anotações imediatamente depois da entrevista Preparação

Iniciação

Narração Central

Fase de perguntas

Fala conclusiva

orientação para o investigador, de forma a encontrar uma narração intensa sobre determinado tópico, evitando os perigos inerentes ao esquema “pergunta-resposta” de uma entrevista. O seguimento destas regras, segundo Bauer e Gaskell (2000), “levará certamente a uma situação isenta de constrangimentos, e manterá a disposição do informante de contar uma história sobre acontecimentos importantes”.

Tabela 6 – Fases principais da narrativa

Fonte: Bauer e Gaskell (2000)

O processo de preparação da narrativa exige o investimento de algum tempo, dado que é fulcral a compreensão do objectivo principal, para uma formulação convincente do tópico central. Na fase de iniciação, o investigador deve explicar o contexto de investigação, bem como pedir permissão para gravar a intervenção, sendo que o procedimento da narrativa é brevemente explicado, quanto à ausência de interrupções durante a narrativa, bem como da fase de questionamento. O tópico principal deve fazer parte da experiência do narrador, ter significância pessoal, social ou comunitária e deve ser amplo para permitir o desenvolvimento de uma história longa. A não referência de datas, nomes ou locais é um aspecto fulcral a considerar, sendo estes apenas focados pelo narrador, no decurso da sua história.

Posteriormente, na narração central, após o início da narração, esta não deve ser interrompida até que se entenda que o narrador se detém ou dá sinais de que a história terminou. O investigador deve tomar notas para perguntas posteriores, de forma a não

interferir com a narração, e demonstrar interesse, a partir de palavras como “hmm”, “sim” ou “sei”, anotando possíveis perguntas posteriores.

Na fase de questionamento, após a narração chegar ao fim, o investigador inicia o ciclo de questões que absorveu durante a narrativa. No entanto, não deve realizar questões do tipo “porquê?”, deve-se restringir a palavras do narrador nas questões imanentes e não deve apontar contradições na narrativa. Esta fase tem como finalidade recolher material novo e adicional, para além do esquema da história narrada.

Na última fase, a fase conclusiva, após o gravador ser desligado, muitas vezes surgem discussões interessantes feitas de modo informal, muito importantes para interpretação de dados. Nessa fase, o investigador pode utilizar questões do tipo “porquê?”, podendo ser uma porta de entrada para aspectos abordados durante a narrativa. Ainda, é aconselhável que o investigador utilize um diário de campo ou um formulário especial para sintetizar o conteúdo de comentários informais.

1.3.3. Aspectos a considerar no processo de narrativa

“Teóricos argumentam que as histórias são realizadas de forma a compreender o sentido das situações equívocas e a sua função como precedentes de acções futuras” (Alvarez e Urla, 2002: 41).

Contudo, atendendo à ideia de Bauer e Gaskell. (2000), no decurso da narrativa podem surgir situações incontroláveis, na medida em que cada narração prevê uma descrição completa dos acontecimentos que expressem uma perspectiva específica. O investigador deve colocar-se como alguém que não sabe nada do assunto, quando na verdade o seu conhecimento vai crescendo de uma narrativa para outra.

Segundo o mesmo autor, por parte dos contadores de histórias, pode existir o caso da constituição de hipóteses sobre aquilo que o investigador gostaria de ouvir, depreendendo suavidade na narração dos factos. A questão da subjectividade pode ainda ser um risco resultante da narrativa. Segundo Webster e Mertova (2007), a pesquisa feita através da narrativa pode não produzir resultados que correspondam por completo à realidade exacta, definindo conclusões incertas.

Ainda, segundo a ideia de Bauer e Gaskell (2000), existem regras estipuladas pelo investigador para o guiar neste procedimento que se podem tornar irrealistas. Sendo que

este se apresenta como se não soubesse nada sobre o assunto, o contador de histórias pode interpretar essa atitude como um truque, e tal percepção poderá interferir com a sua cooperação. A forma como o investigador inicia o processo da narrativa influencia a qualidade da mesma. A padronização do início do processo é difícil e apoia-se na capacidade do investigador de enfrentar a ansiedade e o stress. Esta ideia cruza-se com a ideia de Webster e Mertova (2007), na medida em que restrições culturais e sensibilidade de discussões podem ditar o decurso da narrativa e os seus resultados baseados em factos completamente verídicos.