• Nenhum resultado encontrado

PARTE II Sexualidade: Vamos

1. PROTOCOLO DE INVESTIGAÇÃO

1.5 Instrumentos de recolha de dados

Foram utilizados os seguintes instrumentos de recolha de dados: 1.5.1 Instrumentos de análise qualitativa

A metodologia de investigação qualitativa é um método de recolha de dados mais dirigido à compreensão e descrição dos fenómenos globalmente considerados, cujo enfoque de análise é de cariz indutivo, holístico e ideográfico (Almeida & Freire, 2003). O investigador observa, descreve, interpreta e aprecia o meio e o fenómeno tal como se apresentam, sem o fragmentar ou descontextualizar, acontecendo frequentemente que «se investiga “com” e não “para” as pessoas de interesse; certos investigadores vão ao ponto de designar os sujeitos do seu estudo como “co-investigadores”» (Fortin, 1999, p. 148). Para a compreensão ou explicação dos fenómenos parte-se sobretudo dos próprios dados e não de teorias prévias e centra-se mais nas peculiaridades do que na obtenção de leis gerais (Almeida & Freire, 2003). Algumas críticas têm sido feitas a esta

metodologia. Por um lado, questiona-se o peso da subjectividade nas suas análises e conclusões; por outro lado, salienta-se a sua pouca capacidade de fundamentar conclusões no sentido da sua generalização ou da descrição dos fenómenos ao longo do tempo e do espaço. No entanto, a aplicação do método científico a certos fenómenos, nomeadamente os psicológicos, também levanta dificuldades, dada a complexidade, dinâmica e natureza interactiva desses fenómenos... De facto, parece haver áreas das ciências sociais que as estatísticas não podem medir (Silverman, 2000).

Numa investigação qualitativa utilizam-se métodos mais informais de recolha de dados como a entrevista, a observação participante ou a análise de documentos. Silverman (2000) considera quatro tipos de dados qualitativos: entrevistas, notas de campo (fieldnotes), textos e transcrições. Na presente investigação, com o objectivo de fazer uma cuidadosa avaliação do processo de implementação de uma intervenção no âmbito da educação sexual, recorreu-se à observação participante e à elaboração de notas de campo detalhadas, notas essas que foram depois analisadas.

1.5.2 Instrumentos psicométricos

- Questionário de Caracterização Sociodemográfica (QCSD)

Trata-se de um questionário com questões fechadas (à excepção de duas) e pré- codificadas, distribuídas por quatro secções: Caracterização do Agregado Familiar (10 questões fechadas); Caracterização Religiosa (7 questões fechadas); Caracterização Escolar (9 questões fechadas e 2 abertas) e Sociabilidade (6 questões fechadas). Com este questionário pretendia-se fazer uma descrição detalhada de cada adolescente ao nível familiar, religioso, escolar e social. Dado o elevado número de variáveis, realizou-se uma estrita selecção daquelas consideradas mais relevantes para a presente investigação, tais como o sexo, idade, habilitações literárias dos pais, religião, participação religiosa, aproveitamento escolar e sociabilidade.

Este questionário foi aplicado aos três grupos no primeiro momento (antes da intervenção).

- Escala de Comportamentos e Atitudes face à Sexualidade (ECAS)

Constituído na totalidade por questões fechadas, esta escala inclui duas partes distintas. Na primeira parte pretende-se obter informação sobre os comportamentos e experiência sexual dos adolescentes, através de nove questões. Os 42 itens da segunda parte foram elaborados para aferir atitudes face à sexualidade e são respondidos de acordo com uma escala de Likert de quatro pontos em que 1 corresponde a concorda totalmente, 2 a concorda, 3 a discorda e 4 a discorda totalmente. Note-se que foram apenas validadas as escalas em que as questões foram respondidas na totalidade e em que havia apenas uma resposta assinalada para cada questão.

A construção desta segunda parte da escala foi inspirada em vários questionários de atitudes sexuais já existentes (Snyder, Simpson & Gangestad, 1986; Hendrick & Hendrick, 1987; Fisher & Hall, 1988; Carpintero & Fuertes, 1994; Somers, Johnson & Sawilowsky, 2002; Diéguez et al., 2005) e pensada em função de nove sub-escalas: Permissividade (6 itens), Afectividade vs. Instrumentalidade (6 itens), Genitalidade vs. Não Genitalidade (4 itens), Práticas Sexuais (6 itens), Motivações (4 itens), Papéis de Género (4 itens), DST (4 itens), Planeamento Familiar (4 itens) e Educação Sexual (4 itens).

Desde já se reconhece que criar uma escala de raiz foi talvez demasiado ambicioso, uma vez que a sua aferição implicava à partida a recolha extensa de dados que permitissem a sua validação empírica. As fragilidades metodológicas da escala, nomeadamente a inexistência de um estudo piloto e o reduzido número de sujeitos relativamente ao número de variáveis, explicam provavelmente as dificuldades sentidas na análise dos seus resultados. Através da análise factorial de componentes principais, foram encontrados 6 factores, constituídos por apenas 25 itens. Realizou-se também uma análise à validade de conteúdo dos itens, em resultado da qual se optou por analisar apenas um score total de uma selecção dos 20 itens mais relacionados com o construto de liberalismo/conservadorismo no que diz respeito às atitudes sexuais. Estes procedimentos são descritos mais detalhadamente na secção dedicada ao tratamento estatístico.

Interessa referir que o construto de liberalismo/conservadorismo é um dos mais frequentemente utilizados na investigação no âmbito das atitudes sexuais (López & Fuertes, 1999) e, tendo em conta as opções tomadas, torna-se necessário explicitar os conceitos. Em primeiro lugar, as atitudes, enquanto predisposições para avaliar favorável

ou desfavoravelmente um objecto, têm sido uma variável muito utilizada na investigação sobre sexualidade humana pelo seu valor preditivo em relação ao comportamento. Esse valor preditivo advém do facto das atitudes englobarem três componentes em estreita interligação: cognitiva (opiniões e crenças), afectiva (sentimentos) e comportamental (tendência para agir de um determinado modo) (López & Fuertes, 1999). Sendo assim, a atitude liberal, por oposição à atitude conservadora, corresponde a um entendimento da sexualidade como uma dimensão humana com múltiplas possibilidades (prazer, reprodução, afecto...), implicando assim uma maior aceitação das diferenças e respeito pela liberdade individual. As pessoas com atitudes predominantemente liberais face à sexualidade são geralmente mais tolerantes em relação a temas socialmente polémicos (aborto, divórcio, contracepção, masturbação, homossexualidade, etc.), apoiando uma maior liberalização das leis e dos costumes sociais (ibidem). Tendem também a demonstrar menos preconceitos ou crenças erróneas (nomeadamente, sobre as DST’s) e a defender a importância do planeamento familiar/contracepção e da educação sexual. Já a atitude conservadora caracteriza-se por uma visão da sexualidade que coloca a reprodução como o seu principal fim e, como tal, tende a considerar legítimos apenas os comportamentos sexuais que ocorrem no contexto do casamento. Em geral, têm posições negativas em relação a temas como o divórcio, relações pré-matrimoniais, homossexualidade, masturbação, uso de contracepção, etc. Actualmente, a maioria das pessoas com atitudes deste tipo, considera que deve haver educação sexual mas abordando apenas alguns temas (um bom exemplo desta atitude são os programas

abstinence-only). Tal como referem López & Fuertes (1999): “Esta distinção tem valor

pedagógico e refere-se sobretudo aos extremos de um contínuo no qual se costuma situar a maioria das pessoas.” (p. 29).

As atitudes sobre a sexualidade, utilizando as metáforas informáticas de McGuire (1986, cit. in Vilar, 2003a), podem ser entendidas como um hardware que orienta os comportamentos nesse campo, pelo que diferentes atitudes estarão na base de diferentes padrões de comportamento sexual, nomeadamente no que diz respeito à adopção de comportamentos de risco. De salientar que uma atitude mais liberal face à sexualidade, não só em termos individuais como da sociedade em geral, tem vindo a ser correlacionada com menores taxas de gravidez na adolescência, aborto e DST: “Onde os jovens recebem apoio social, total informação e mensagens positivas em relação à sexualidade e às relações sexuais, e têm fácil acesso a serviços de saúde sexual e

reprodutiva, eles assumem comportamentos mais saudáveis e as taxas de gravidez, aborto e DST são mais baixas.” (Guttmacher Institute, 2001, p. 10).

No que diz respeito à análise de conteúdo dos itens foi utilizada a definição de atitude liberal acima referida, dando especial atenção aos aspectos relativos à aceitação da sexualidade fora dos contextos reprodutivos, à tolerância face à contracepção, masturbação, homossexualidade, às crenças em relação às DST e à defesa da importância do planeamento familiar/contracepção e da educação sexual. A definição de atitude conservadora faz-se por oposição a esta. Os 20 itens seleccionados foram, portanto, os relacionados com as funções da sexualidade (prazer, afecto, reprodução…), as DST, o planeamento familiar e a educação sexual.

Dado que os termos liberal e conservador estão excessivamente conotados em termos ideológicos, na discussão dos resultados optou-se por utilizar a denominação atitude aberta (liberal) e atitude fechada (conservadora).