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PARTE I Revisão Teórica

2. Modelos Médicos de Prevenção

Em consequência de inúmeros factores históricos e sociais, a partir de meados do séc. XX, pelo menos em muitos países ocidentais, a vivência da sexualidade passou a ser encarada de uma forma mais liberal. Essa maior liberdade sexual teve inúmeros efeitos positivos, como ter criado uma abertura para o diálogo e estudo da sexualidade, ter precipitado mudanças legislativas, nomeadamente no que diz respeito ao divórcio, e ter permitido a generalização da utilização dos contraceptivos, mas esteve também na origem do aumento de gravidezes não desejadas na adolescência, da disseminação das doenças de transmissão sexual e do desenvolvimento intenso da pornografia (López, 1990). É neste contexto que surgem muitas propostas de programas de educação sexual, a serem implementados em meio escolar ou não, cujo objectivo é evitar os riscos associados à actividade sexual (controlo e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, prevenção do aborto e de gravidezes não desejadas).

Estes modelos de educação sexual aparecem claramente associados a instituições e profissionais de saúde e às necessidades sentidas de controlar certas epidemias, como é o caso da sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis que atingiam níveis preocupantes, nomeadamente nos soldados que regressavam das guerras. É preciso relembrar que essas necessidades eram ainda mais prementes porque só após a Segunda Guerra Mundial é que surgiram medicamentos eficazes no

tratamento de algumas dessas doenças e que apenas a partir dos anos 60, com a comercialização da pílula, passou a existir um meio contraceptivo realmente eficaz (Vaz, 1996).

É preciso também fazer referência aos movimentos de “birth control”, que reivindicaram a importância, necessidade e direito ao planeamento familiar e passaram a ter uma maior expressão a partir de 1952, ano da criação da International Planned Parenthood Federation (IPPF) e subsequente constituição de associações de planeamento familiar nos mais diversos países do mundo. De referir que a IPPF desenvolve actualmente o seu trabalho em 180 países, contando com o apoio de milhares de voluntários. Só em 2005, prestaram apoio a 36 milhões de pessoas, distribuíram 17,5 milhões de contraceptivos orais e 98 milhões de preservativos. As suas grandes áreas de trabalho são os adolescentes, o HIV/SIDA, o aborto e o apoio a inúmeros projectos e causas. A IPPF ambiciona “um mundo no qual todas as mulheres, homens e jovens tenham acesso à informação e serviços de que necessitem; um mundo no qual a sexualidade seja reconhecida como um aspecto natural e precioso da vida e como um direito humano fundamental; um mundo no qual as escolhas sejam plenamente respeitadas e onde o estigma e discriminação não tenham lugar” (IPPF, 2006). Neste contexto, a IPPF pretende melhorar a qualidade de vida dos indivíduos através de campanhas de promoção do reconhecimento global e efectivo da importância da saúde sexual e reprodutiva, defende o direito de todos os jovens apreciarem as suas vidas sexuais sem doenças, gravidezes indesejadas, violência e discriminação, apoia o direito das mulheres decidirem terminar uma gravidez de forma legal e segura e luta pela eliminação das infecções sexualmente transmissíveis e pela redução da propagação e impacto do HIV/SIDA.

Já em 1971, foi criada a Family Health International (FHI) uma organização não governamental internacional que trabalha na área da saúde pública internacional e cuja missão é melhorar o bem-estar da população do mundo através da investigação, educação e serviços de saúde familiar. Desenvolve as suas actividades em mais de 70 países, trabalhando com organizações governamentais e não governamentais, grupos comunitários e do sector privado. Os seus principais objectivos são: 1) prevenir a propagação da infecção pelo HIV/SIDA e as infecções sexualmente transmissíveis e atender os afectados por elas; 2) aumentar e melhorar o acesso das pessoas a serviços de saúde pública de qualidade e a métodos de planeamento familiar seguros, eficazes e

com um custo acessível; e 3) melhorar a saúde das crianças e mulheres, especialmente os que vivem em contextos com escassos recursos.

Os movimentos de planeamento sexual tiveram, e continuam a ter, um papel relevante no âmbito da educação sexual ao alertarem para a sua importância como meio de prevenir o recurso ao aborto ilegal e sem condições de segurança e de diminuir o número de gravidezes não desejadas.

Para além da questão do controlo de determinadas doenças, da prevenção do recurso ao aborto e da diminuição de gravidezes não desejadas, também a preocupação com o crescimento demográfico viria a ter um papel no que diz respeito à educação sexual. Com efeito, na década de 60, a educação sexual passou também a ser vista como um possível meio de controlar a explosão demográfica. Na China, por exemplo, desde 1979, o planeamento familiar está intimamente relacionado com uma política anti- natalista que limita a maioria dos casais a terem apenas um filho e torna obrigatória a utilização de contraceptivos, sendo o DIU ou mesmo a esterilização os métodos mais utilizados (Hardee, Xie & Gu, 2004). Pelo contrário, actualmente na Austrália, face à baixa taxa de natalidade, o governo lançou a campanha “Um para a mãe, um para o pai e outro para o país”, criando incentivos financeiros para as famílias numerosas, que parece estar a ter resultados já que em 2005 nasceram mais 260 mil australianos, número que já não se registava desde 1992 (in Visão, nº 170, 2006). De forma mais ou menos directa, com maior ou menor respeito pelas liberdades individuais, as políticas de natalidade são um exemplo efectivo de como factores políticos, sociais e económicos podem influenciar a sexualidade e a sua vivência.

O aparecimento da SIDA no início dos anos 80 fez as instituições e profissionais de saúde valorizarem ainda mais a educação sexual, sendo hoje consensualmente aceite que a transmissão eficaz de informação e a prevenção de comportamentos sexuais de risco são às únicas formas de controlar o crescimento desta epidemia.

Os objectivos principais dos modelos preventivos prendem-se com a aquisição de conhecimentos sobre anatomia, fisiologia, doenças sexualmente transmissíveis e contracepção. Utilizam frequentemente como metodologia a organização de sessões informativas e campanhas publicitárias e são estes modelos que estão subjacentes aos programas de disciplinas como Ciências da Natureza ou Biologia leccionados nas escolas portuguesas.

Apesar de se reconhecer a utilidade e premência destes modelos não é possível deixar de lhes apontar algumas fragilidades: 1) muitas vezes não abordam as componentes emocionais e relacionais da sexualidade; 2) a abordagem da sexualidade acaba por ser feita pelo prisma dos perigos que com ela estão relacionados, correndo-se o risco de transmitir uma visão negativa da sexualidade; 3) não levam em linha de conta outras preocupações e situações que podem igualmente influenciar o desenvolvimento dos adolescentes. Além disso, estes modelos podem também assumir um carácter doutrinal. Segundo López (1990), podem ser utilizados numa perspectiva moralista conservadora, reforçando a associação entre sexualidade e perigo e defendendo como única forma legítima de evitar os riscos a fidelidade, o dever moral da abstinência e a limitação da actividade sexual ao contexto matrimonial. O mesmo autor reconhece, no entanto, que na sua generalidade estes modelos assumem uma postura técnica e não se limitam a defender a abstinência.