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INSTRUMENTOS DO ATIVISMO MINISTERIAL

7 PRÁTICA PROCESSUAL E EXTRAPROCESSUAL DO ATIVISMO

7.1 INSTRUMENTOS DO ATIVISMO MINISTERIAL

Toda ação humana necessita de instrumentos próprios para atingir seus resultados. Desde o ato humano mais simples até o mais complexo, a assistência de ferramentas e instrumentos é indispensável para o atingimento de um bem acabado resultado final.

Tomemos alguns exemplos. O marceneiro que talha a madeira com o objetivo de criar um móvel se valerá de serrotes, formões e lixas até que o molde final do objeto se torne reconhecível. A mesma assistência é necessária ao artista que precisa da pena, do pincel e da inspiração para conseguir realizar sua obra, sua expressão de arte.

Não poderia ser diferente no campo jurídico. A ação humana se guia pela mesma conclusão: instrumentos são essenciais para o atingimento de metas. Para se conseguir resultados positivos, os atores judiciais se valem de instrumentos processuais e extraprocessuais que orientam a obtenção de resultados, o atingimento de metas e descortinam a prestação jurisdicional.

No sistema jurídico, esses instrumentos são ainda mais necessários, tendo em vista que temos um processo baseado, desde sua mais tenra origem, no seguimento de fórmulas (processo formular) em que cada resultado, cada prestação jurisdicional deveria e deve ser alcançado mediante o seguimento de padrões, processos e rotinas.

Esse seguimento de fórmulas esteve inicialmente ligado ao direito primitivo, que guardava estreitos laços (ou muitas vezes se confundia) com as práticas religiosas, concretizadas em orações e ritos de seguimento obrigatório, conservados por sacerdotes e anciões154.

Num segundo momento, com a publicidade das normas, iniciada com o advento da Lei

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“O direito, nos primeiros tempos, manteve-se vigente graças à memória dos sacerdotes, que foram os primeiros juízes, e que guardavam em segredo as regras jurídicas. Depois, vigorou nas decisões do conselho dos mais velhos. Transmitiu-se oralmente a princípio. Era então tradição sagrada. Cada caso a rememorava e devia ser decidido fielmente como o antecedente. Neste tempo, inexistiam códigos ou leis. Secreto era o conhecimento do direito, guardado com muito zelo pelos sacerdotes ou pelos mais velhos, que assim mantinham as suas posições sociais e privilégios. [...] O formalismo, o cerimonial, caracteriza o direito arcaico, prevalecendo a forma, os atos simbólicos, os gestos, as apalavras sagradas e o ritual sobre o conteúdo de atos e de ações. O formalismo era uma marca registrada. [...] O emprego de uma fórmula de natureza normativa, de um rito, de um símbolo, sem contestação possível, produz, segundo a crença então dominante, o resultado previamente conhecido. Marca o direito antigo em todos os seus aspectos, pois nele, como nota Fustel de Coulages (A cidade antiga, trad.), o exterior, a letra , é tudo, não sendo pensável naquele tempo a investigação do sentimento ou espírito da lei. As palavras são sagradas, devendo ser repetidas corretamente para que sejam produzidos os efeitos jurídicos desejados. Devido a isso o direito arcaico é constituído de formas e formulas sagradas, religiosamente conservadas [...]”. (GUSMÃO, Paulo Dourado de.

das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum), teve início a marcha de popularização do direito, retirando-o da esfera do sagrado e transferindo-o ao conhecimento público.

Altavila registra esta transformação do direito com a seguinte ponderação:

Entretanto, o direito havia perdido o seu mistério; deixara de ser frustradamente sagrado; saíra da escuridão conveniente dos templos; poderia agora ser consultado e invocado por patrícios e plebeus; fincara no solo romano o seu princípio de universalidade; deixara de ser um raio fulminante de Júpiter para se constituir um clarão perpétuo na razão humana; deixara de ser um ditame real para se transformar num mandamento escrito e divulgado; deixara de ser um subterfúgio legal para se converter numa comunhão de ideias e de interesses coletivos; não era mais um tributo dos sacerdotes, porque passara à secularidade e ao condomínio do povo; não era mais uma fórmula imprecisa e obsoleta e sim a consubstanciação de uma conquista historiada em doze placas de bronze de boa têmpera, encravadas naquela parte do foro destinada aos comícios e banhada pela luminosidade rubro- dourada do sol que fecundava prodigamente todo o Lácio.155

As fórmulas perderam sua força, mas ainda sobrevivem na burocracia necessária à prestação jurisdicional. As ações e o processo (que nada mais é do que a prática de atos processuais em sequência lógica) para terminarem na prestação jurisdicional satisfatória precisam seguir padrões, prazos e regras de maior ou menor rigidez. Nesse diapasão, tudo que colabore com o acesso ao Poder Judiciário deve ser visto como instrumento do operador do direito.

Utilizando os instrumentos jurídicos, cada ator processual tem condições de representar o papel que lhe é reservado na ciência jurídica e não será por coincidência que as ações e demais procedimentos refletem a natureza de cada instituição jurídica. Assim, por exemplo, a sentença com seu caráter declaratório, mandamental ou constitutivo predominante reflete o papel de agente decisório que é reservado ao magistrado. Já o Ministério Público tem à sua disposição uma coleção de ações que permitem o acesso ao Judiciário, apresentando os seus reclames ao aparato judicial.

Na realidade que cerca o Ministério Público, a necessidade de manejo de instrumentos é premente para o atingimento de sua missão institucional. Alguns, como veremos, são próprios da instituição e refletem o caráter especialíssimo de sua atuação; outros são postos à disposição de outros atores judiciais, mas quando acionados pelo Ministério Público tomam novas nuances em virtude de sua missão institucional.

De toda forma, os instrumentos judiciais e extrajudiciais à disposição do movimento ativista orientam a atuação dos membros do Ministério Público de forma que ora tenham suas

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ações voltadas à prática processual e judiciária, ora concentre esforços na busca de soluções consensuais, fora dos meios de litigância judicial e fruto da equalização de interesses e de possibilidades fáticas. Ambas as formas de atuação são válidas, uma não subtrai a importância da outra156.

Neste estudo, não temos a pretensão de pontuar todas as ações judiciais à disposição do Ministério Público, mas apenas lançar luzes naqueles instrumentos mais evidentes e ligados à realização de resultados inerente à instituição. Nesta linha, serão destacados instrumentos processuais, mas, sobretudo, instrumentos acionados extraprocessualmente e que assumem grande importância perante o exercício do ativismo ministerial.