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7 PRÁTICA PROCESSUAL E EXTRAPROCESSUAL DO ATIVISMO

7.3 INSTRUMENTOS EXTRAPROCESSUAIS

7.3.2 Notificação Recomendatória

Com o progresso do trabalho investigativo realizado no Inquérito Civil Público o

Parquet poderá obter elementos de convicção que o orientará na adoção de medida judicial ou

extrajudicial, que terá por objetivo a promoção de ações positivas pelo poder público.

Apesar da litigância latente que cerca o tema de políticas públicas, haverá situações em que uma recomendação formal (Notificação Recomendatória) emitida pelo Ministério Público será suficiente para alertar sobre a existência de uma omissão administrativa, permitindo que a entidade envolvida reconheça seu lapso e adote medidas corretivas, sem a necessidade de invocação da via judicial.

Assim, a recomendação do Ministério Público assumirá o status de um aviso, uma advertência, um caminho a ser seguido, um chamado à adoção de medidas sem as quais a administração pública estaria incorrendo em omissão perigosa, passível da sindicância ministerial e judicial.

A Notificação Recomendatória é expressamente prevista no artigo 6o, inciso XX da Lei Complementar n.º 75/9 164 , que concede ao Parquet a faculdade de “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo

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GOMES, Luiz Roberto. O Ministério Público e o controle da omissão administrativa: o controle da omissão Estatal no direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 236-237.

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razoável para a adoção das providências cabíveis”.

A recomendação, em face de sua natureza jurídica, não tem caráter coercitivo. As medidas sugeridas pelo Parquet, por mais que sejam razoáveis e calcadas na Constituição Federal e na legislação ordinária, assumem o caráter de orientação jurídica fundamentada. A administração, quando notificada, seguirá as orientações emitidas pelo Ministério Público, se assim for sua vontade.

Luiz Roberto Gomes traduz a natureza da recomendação ministerial com as seguintes linhas:

A recomendação consiste num ato formal não coercitivo dirigido ao investigado, no qual é expressamente traduzida a vontade da ordem jurídica pelo Ministério Público, que toma posição e sugere a realização de determinada conduta referente a um caso concreto, com o escopo de atingir finalidade de interesse público primário com o propósito expresso ou subjacente na Constituição e nas leis.165

Destaca-se na recomendação seu caráter orientador. É bem certo que muitas administrações públicas (principalmente aquelas existentes nos municípios encravados nos rincões brasileiros) não contam com assessoria jurídica avançada e ainda sofrem com a baixa instrução dos chefes do Poder Executivo. Nessas situações, a Notificação Recomendatória serve à instrução dessas administrações públicas, permitindo que adotem os melhores caminhos, pratiquem as melhores ações, respeitem e cumpram as políticas públicas necessárias ao bom desenvolvimento social.

Como exemplo do papel educador das Notificações Recomendatórias, temos aquelas que foram enviadas a vários municípios do nordeste potiguar, por iniciativa conjunta de vários ramos do Ministério Público, desaconselhando a realização de contratação de bandas e artistas musicais para a realização de festas juninas em localidades em que se decretou estado de calamidade em face da devastação causada pelo período de estiagem 166.

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GOMES, Luiz Roberto. Op. cit., p. 236.

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Vejamos o inteiro teor da recomendação conjunta nº 01/2012: O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do estado do Rio Grande do Norte, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte e o Ministério Público Eleitoral, pelos promotores e procuradores que esta subscrevem, no uso de suas atribuições, fundadas nas disposições constitucionais e legais pertinentes, CONSIDERANDO que compete aos Ministérios Públicos promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme dispõe o art. 127 da Constituição da República, inclusive com a adoção das medidas preventivas que forem necessárias; CONSIDERANDO que ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, perante o qual oficia o Ministério Público de Contas, compete realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos Municípios, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade da despesa pública, na forma do art. 70 da Constituição Federal e art. 52 da Constituição Estadual, bem como art. 1º, inciso II, “a”, da Lei Complementar Estadual nº 464/2012 (Lei Orgânica do TCE/RN); CONSIDERANDO que o

Daquela recomendação destacam-se dois fatos de bastante interesse. Inicialmente, a recomendação foi fruto do entendimento de diversos ramos do Ministério Público, o que se traduziu numa visão plural e traduzida numa detalhada redação que expõe cuidadosamente os motivos justificadores para a recomendação, não deixando qualquer sombra de dúvidas no que se refere à correção do comportamento recomendado e à fundamentação jurídica Ministério Público junto ao Tribunal de Contas pode requerer ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte a determinação de medidas cautelares no curso de qualquer apuração, sem prejuízo da apuração da responsabilidade do gestor e da aplicação das sanções administrativas cabíveis, nos termos do art. 107, art. 108 e art. 120 da Lei Complementar nº 464/2012; CONSIDERANDO que o Decreto nº 22.637, de 11 de abril de 2012, assinado pela Excelentíssima Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, declarou a situação de emergência em 139 (cento e trinta e nove) municípios do Rio Grande do Norte afetados por Desastres Naturais Relacionados com a Intensa Redução das Precipitações Hídricas em decorrência da Estiagem (seca), pelo prazo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período; CONSIDERANDO a afirmação contida no referido Decreto nº 22.637, de 11 de abril de 2012, de que “a estiagem na área rural dos municípios do RN é caracterizada como gradual e de evolução crônica, de nível III, de grande porte e grande intensidade, onde os danos causados são importantes e os prejuízos vultosos, contribuindo para intensificar a estagnação econômica e o nível de pobreza do semiárido norte-riograndense e, consequentemente, os desequilíbrios interregionais e intra-regionais”; CONSIDERANDO que alguns Municípios abrangidos pelo Decreto nº 22.637, de 11 de abril de 2012, apesar de se encontrarem em situação de emergência, vêm empregando verbas públicas na contratação de bandas e realização de festas em geral, o que se mostra incompatível com a grave situação de estiagem enfrentada; CONSIDERANDO que a prática e a experiência demonstram que a realização de festas e eventos em ano eleitoral costumeiramente é desvirtuada, passando a ser utilizada com fins eleitoreiros, conduta que, se já é reprovável em condições normais, o é ainda mais quando se tem contexto de situação de emergência causada pela seca; CONSIDERANDO, que alguns gestores dos referidos Municípios incluídos no Decreto nº 22.637, de 11 de abril de 2012, não vêm cumprindo a obrigação legal de prestar informações ao Sistema Integrado de Auditoria Informatizada (SIAI), o qual consiste em programa informatizado desenvolvido pelo TCE/RN para possibilitar o acompanhamento e controle sobre a execução orçamentária e financeira dos entes públicos sob sua jurisdição, fato esse que tem dificultado as ações do Controle Externo a cargo do TCE/RN e se constitui em infração punível pela Corte de Contas; CONSIDERANDO que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres” pertencentes a entidades públicas, consoante dispõe o art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, sujeitando-se o infrator às sanções previstas no inciso II do artigo 12, da citada lei. CONSIDERANDO, por fim, que compete ao Ministério Público expedir recomendações visando ao respeito a interesses e direitos que lhe cabe defender, RESOLVEM, na forma do art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar n. 75/93; RECOMENDAR Aos Excelentíssimos Senhores Prefeitos dos 139 (cento e trinta e nove) municípios do Rio Grande do Norte que, enquanto persistir a situação de emergência declarada por meio do Decreto nº 22.637, de 11 de abril de 2012, assinado pela Excelentíssima Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Norte abstenham-se de realizar despesas com eventos festivos, incluindo a contratação de artistas, serviços de “buffets” e montagens de estruturas para eventos, sob pena de adoção das providências cabíveis a cargo de cada uma das Instituições subscritoras da presente, inclusive eventual postulação de atuação preventiva e cautelar à Corte de Contas, com pedido de sustação de atos, contratos e procedimentos administrativos e suspensão do recebimento de novos recursos, sem prejuízo da aplicação de multa ao gestor, além de outras sanções cabíveis; Consignam que a presente recomendação não se aplica ao uso de verbas federais recebidas do Ministério da Cultura ou do Ministério do Turismo, quando sua destinação seja especificamente vinculada à realização de festas ou eventos culturais no município, ressaltando que na hipótese não se aplica o art. 24, IV, da Lei 8.666/1993, por não se tratar de bem necessário ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa. Em tal caso, a documentação relativa à execução do convênio, acompanhada do processo licitatório - inclusive notas fiscais pertinentes -, deve ser encaminhada ao Ministério Público Federal no prazo de 30 dias após a realização da festa ou evento. Requisitam, nos termos do artigo 6°, inciso XX, da Lei Complementar 75/93, no prazo de 30 (trinta) dias, informações e documentação comprobatória sobre as medidas adotadas em relação à presente RECOMENDAÇÃO, as quais deverão ser enviadas à Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.” Disponível em: <http://www.mp.rn.gov.br/controle/file/Recomendacao_conjunta_seca.pdf> Acesso em: 15 fev. 2012.

pertinente.

Como resultado, muito da discricionariedade administrativa, responsável por omissões em políticas públicas, pode ser corretamente direcionada em face da orientação prestada pela notificação recomendatória.

Outro fator merecedor de destaque naquela recomendação ministerial, e em qualquer outra corretamente fundamentada, é a vinculação do comportamento do administrador a partir do ato de notificação. Se o administrador público deixar de cumprir o comportamento recomendado ele estará vinculando os futuros atos administrativos a uma situação de flagrante ilegalidade, uma vez que foi instado a regularizar sua conduta, optou, porém, por caminho diverso descumprindo recomendação corretamente fundamentada em texto constitucional ou legal.

Em síntese, descumprir uma bem fundamentada recomendação lança severas suspeitas sobre o administrador público, uma vez que flagrantemente optou por comportamento distinto daquele que a razão e a lei recomendam, fato que poderá ser alvo de sindicância judicial, como salientado por Luiz Roberto Gomes:

Além do mais, considerando que as recomendações obrigam os agentes públicos a responder fundamentadamente ao Ministério Público, apresentando razões políticas ou jurídicas que justificam determina ação ou omissão, cria-se uma relação jurídica de vinculação aos motivos determinantes que pode municiá-lo de fundamento para acionar o controle jurisdicional, caso comprovada a improcedência técnica, a falsidade ou a ilegalidade do que for invocado para justificar a conduta administrativa.167

Voltando a análise da recomendação conjunta, direcionada a vários municípios do interior do estado do Rio Grande do Norte, temos que esta surtiu os efeitos desejados. Naquele momento, embora na presença de pressão de vários setores sociais (principalmente do comércio, que aumenta suas vendas em períodos festivos), os municípios notificados deixaram de realizar atividades festivas, podendo concentrar seus esforços e orçamento na realização de políticas públicas importantes ao combate dos efeitos da estiagem.

Tal resultado foi digno de merecedora comemoração, uma vez que se preveniu grande ingerência estatal de forma rápida e eficaz, através de procedimento extrajudicial. Noutra realidade, imaginemos se as recomendações não fossem emitidas e acatadas. Seriam necessárias 137 ações judiciais para evitar o desvio de conduta dos 137 municípios que decretaram o estado de calamidade pública.

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Destaca-se que a recomendação tem a vantagem de permitir que a administração pública corrija sua omissão através de atos de mão própria, isto é, o próprio administrador, inspirado pela recomendação, altera sua conduta sem a necessidade de um processo judicial ou de maiores formalismo. Tal fato elimina os argumentos críticos daqueles que acusam o ativismo ministerial de ferimento da divisão entre poderes. Ora, em todo caso, na presença da recomendação ministerial, cabe ao administrador público seguir ou não a conduta sugerida. Numa ou em outra hipótese a conduta sempre será administrativa, eliminando qualquer possibilidade de ingerência indevida no mérito, na conveniência e na discricionariedade pública.

A Notificação Recomendatória, diante dos resultados úteis que podem ser alcançados, de suas evidentes vantagens, figura como importante instrumento do ativismo ministerial, comprovando que o Ministério Público poderá, mesmo sem a participação do Poder Judiciário, realizar ações e políticas públicas destinadas a atender à concretização dos direitos fundamentais168.