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Risco na polarização do movimento ativista

6.3 RAZÕES PARA SE EVITAR O MESSIANISMO MINISTERIAL

6.3.2 Risco na polarização do movimento ativista

A grande legitimação alcançada pelo Ministério Público, sobretudo em face de suas ações voltadas ao combate da corrupção na administração pública, pode estar causando um indesejado efeito polarizador da atividade ativista.

Durante alguns momentos deste estudo foi asseverado não só a importância do ativismo (seja ministerial, seja judicial, seja social) como também os grandes desafios que este deverá superar, sobretudo em se tratando da realização de políticas públicas que exigem a realização de planos, planejamentos e orçamento151.

Diante de toda a complexidade envolvida, deve-se considerar que a tarefa de fiscalização e correição de políticas públicas deva ser capilarizada, envolvendo a atuação de vários atores legitimados para tal tarefa. Essa atuação pode, inclusive, iniciar mediante a politização do cidadão, que poderá, por exemplo, fazer uso da ação popular, exigindo a correição da gestão pública, além de poder promover manifestações pacíficas, realizar singelos abaixo-assinados e os encaminhar a vereadores e outros agentes públicos152.

Ações de utilidade semelhantes podem ser tomadas pelas associações, sindicatos, organizações não governamentais e pela própria administração pública, que, reconhecendo

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BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. cit., p. 258-259.

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Nesta quadra Marcus Vinícius Pereira Júnior assegura que a população possui inúmeros meios de se fazer ouvir. Assim, pode o cidadão se juntar a organizações não governamentais, partidos políticos, grêmios, conselhos tutelares, elaborar campanhas públicas, projetos acadêmicos entre outros, não lhe faltando meios de se fazer ouvir. (PEREIRA JÚNIOR, Marcus Vinícius. Op. cit., p. 123 e 124).

seus lapsos e até mesmo carência orçamentária, pode buscar ajuda técnica e financeira junto ao governo federal e agências de fomento internacional.

O Parquet, apesar de sua importância neste cenário de promoção da boa governança, é apenas mais uma instituição das várias que podem socorrer a sociedade. Achar que os promotores e procuradores polarizam a realização das ações ativistas é condenar o Ministério Público a suportar obrigações superiores às suas forças. Afinal, não existe instituição que possua equipamentos e pessoal capazes para, de uma só vez, receber e resolver todos os problemas relacionados com a gestão da coisa pública.

Salomão Abdo Azis Ismail Filho demonstra grande preocupação com a concentração de atribuições que tem sido lançada ao Ministério Público e a seus membros:

Porém, que fique claro: o Ministério Público não deve se arvorar como único defensor dos interesses da sociedade; é preciso que a própria sociedade civil seja estimulada a buscar a defesa dos seus direitos junto aos Poderes Públicos. Ou seja, não se quer uma sociedade civil hipossuficiente e sem iniciativa, em que o Ministério Público seja o seu “super-herói”, sempre pronto a indicar as soluções e as respostas para todos os problemas e conflitos sociais. O que se defende aqui é a existência de mais um canal de acesso à Justiça, mais um instrumento de apoio à sociedade civil, sem qualquer pretensão messiânica. Inclusive, na sua atuação extrajudicial e no seu atendimento ao público, o promotor de Justiça tem o dever de conscientizar as partes dos seus direitos e da possibilidade de defendê-los diretamente, através da organização em associações civis.153

Infelizmente, o panorama atual é desanimador. A população em geral desconhece seus deveres e direitos cívicos de forma que a iniciativa popular tem sido incipiente no que se refere à promoção e correção de políticas públicas. Nesse panorama, a ação popular, importante instrumento constitucional posto à disposição do cidadão-eleitor, tornou-se uma das iniciativas processuais mais raras. A apatia popular é visível, a inércia é gritante.

No campo das associações, sindicatos e demais legitimados a realidade não é muito diferente. Mesmo podendo tomar medidas judiciais e extrajudiciais na busca da implementação de políticas públicas, essas instituições preferem encaminhar os seus reclames ao Ministério Público.

Isto é, em vez de agir, muitos atores sociais preferem transferir a responsabilidade de ação e reação ao Ministério Público. Como resultado, já temos promotorias assoberbadas de trabalho e acabam por atender insatisfatoriamente os pedidos de providências que lhe são feitos.

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A concentração de tarefas, em face da omissão dos demais legitimados, provoca outro efeito indesejado. O Ministério Público, como principal agente, acaba sendo alvo de toda e qualquer medida voltada ao descrédito da militância ativista.

Consequência desse ataque direcionado à instituição encontra-se concretizada nos projetos de lei que pretendem instituir limitações à capacidade de investigação do Ministério Público. Se a atividade ativista fosse mais pulverizada, havendo participação mais evidente dos demais atores sociais, muito provavelmente o Ministério Público não teria suas atividades visadas pela referida proposição normativa.

Internamente, o Ministério Público tem adotado algumas medidas para evitar a contaminação deste indesejado “messianismo”. Nesse caminho, a criação de procedimentos promocionais que patrocinem a coordenação de ações conjuntas entre diversos atores sociais é um evidente esforço de deslocar o foco de ação, permitindo que demais interessados participem da reclamação por melhor atendimento dos direitos fundamentais.

A realização de forças-tarefas para a investigação de ilícitos e mediante o envolvimento de várias esferas, como agentes polícias e de fiscalização, trata-se de outra forma de capilarizar forçadamente o ativismo, convocando outras autoridades públicas para, conjuntamente com o Ministério Público, promoverem a sindicância de atos da administração pública.

De outro modo, quando se tem o ajuizamento de uma ação judicial, notadamente em se tratando de ações civis públicas de grande repercussão, tem-se preferido que tais peças sejam assinadas por vários membros do Parquet e até membros de ramos diversos do Ministério Público. Assim, tornaram-se comuns ações conjuntas dos Ministérios Públicos estaduais e federais assinadas por até mais que uma dezena de promotores.

Esta providência evita a personalização da lide, demonstrando que a ação foi ajuizada mediante a conjugação de vontade de vários membros da instituição, não havendo espaço para revanchismos ou vinganças de ordem pessoal. De qualquer forma, ainda com a adoção dessas medidas, o ativismo só será um fenômeno completo quando seu centro de gravidade for distribuído pelos demais atores sociais, ao assumirem seu papel e importância neste processo.