• Nenhum resultado encontrado

Instrumentos processuais disponíveis para garantir o direito à saúde

No documento Download/Open (páginas 124-128)

CAPÍTULO 3 – CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

3.4. Instrumentos processuais disponíveis para garantir o direito à saúde

Após a Constituição Federal de 1988, os instrumentos processuais de acesso à Justiça foram bastante ampliados, seja em relação às diversas modalidades de tutela jurisdicional, seja quanto aos legitimados para sua utilização.

judicial do direito à saúde, razão pela qual será feita uma abordagem sucinta acerca desses instrumentos.

A princípio, cumpre destacar que as ações referentes ao controle concentrado de constitucionalidade servem para amparar os direitos fundamentais sociais, quando violados pelo legislador, como ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, inciso I, alínea “a”, primeira parte), a ação declaratória de constitucionalidade (CF, art. 102, I, “a”, in fine), e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º). As duas primeiras servem para aferir a constitucionalidade de atos normativos infraconstitucionais frente à Constituição Federal; a última, ampara o cidadão diante da omissão do órgão legislador.

Existem, ainda, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (CF, art. 102, § 1º) e a ação direta interventiva (CF, art. 36, III), que também se referem ao controle concentrado, e objetivam a efetividade dos direitos fundamentais sociais.

De outro viés, existem as ações individuais, como os provimentos mandamentais, que também servem para tutelar o cidadão frente à violação do direito fundamental à saúde. Em referidas ações, nos termos dos §§ 6º e 7º do art. 273 do Código de Processo Civil, tem-se admitido o pleito de tutela antecipada em face da Fazenda Pública.

Há, também, os instrumentos de tutela coletiva, como o mandado de segurança coletivo, e o procedimento de execução específica das obrigações de fazer.

A mestre Ruth Barros Pettersen da Costa aponta, a propósito, os seguintes instrumentos processuais para salvaguardar os direitos fundamentais sociais de cunho prestacional:

a) Mandado de injunção: no caso dos direitos sociais, o mandado de injunção tem a finalidade de suprir a omissão legislativa inconstitucional que

inviabiliza, particularmente a fruição de direitos a prestações materiais. (…). b) Arguição de descumprimento de preceito fundamental: destina-se a prevenir ou reparar lesão contra preceitos fundamentais da Constituição e pode ser proposta pelo mesmos entes e órgãos legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (CF, art. 103). (…). c) Representação interventiva: interessa para o presente estudo, na parte que toca ao controle de legitimidade dos atos estaduais em face dos princípios sensíveis perante o STF (art. 34, VII c/c o art. 36, III). Dentre os princípios sensíveis incluem-se os direitos da pessoa humana e a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (…). d) Provimentos mandamentais: tratam-se de mecanismos processuais que permitem ao juiz, sem propriamente prescindir da vontade do devedor, constrangê-la de modo a forçar o cumprimento da prestação específica, a cujo descumprimento comina-se uma sanção, regra geral, consistente de multa diária ou astreintes. (…). e) Mandado de segurança individual e coletivo: o traço distintivo, entre os mandados de segurança individual e coletivo, refere-se à natureza dos interesses defendidos. (…). f) Ação Civil Pública: cuida-se de instrumento de defesa de interesses sociais, como a preservação do patrimônio público, do meio ambiente e de outros interesses difusos coletivos e individuais homogêneos, cuja conceituação, em relação a esses últimos encontra-se detalhada nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 81 da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) (COSTA, 2011, p. 177-178).

Cumpre observar, por fim, que o Ministério Público detém, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal, legitimidade para a defesa de direitos individuais indisponíveis da criança e do adolescente, sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente reforça essa legitimidade ao prever expressamente que o órgão atuará como substituto processual de criança ou adolescente em situação de risco, na defesa de seus direitos indisponíveis, (art. 201, III, IV, VIII e IX).

As ações relativas à saúde infantojuvenil relacionam-se com o direito à vida e, portanto, pode ser buscado pelo Ministério Público ante a evidente indisponibilidade do direito.

3.5. A cláusula da reserva do possível como limite de implementação do direito à saúde

É cediço que, para a proteção e a efetivação do direito à saúde, haverá um dispêndio econômico de recursos.

De acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, a cláusula da reserva do possível é criação do Tribunal Constitucional alemão, podendo ser compreendida como a possibilidade material (financeira) para prestação dos direitos sociais por parte do Estado, diante da circunstância de que referidas prestações positivas dependem de recursos presentes nos cofres públicos (2012, p. 591).

O axioma da reserva do possível, segundo Botelho,

representa uma adaptação de um tópos da jurisprudência constitucional alemã, que entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição de disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentares, através da composição dos orçamentos públicos (BOTELHO, 2011, p. 114).

Reserva do possível, portanto, é um conceito econômico que decorre da constatação da existência da escassez dos recursos, públicos ou privados, em face da vastidão das necessidades humanas, sociais, coletivas ou individuais; e cada indivíduo, ao fazer suas escolhas e eleger suas prioridades, tem que levar em conta os limites financeiros de suas disponibilidades econômicas.

Não há, infelizmente, e nem haverá jamais recursos suficientes para implementar, de forma completa e cabal, o direito à saúde de modo a satisfazer plenamente todas as necessidades da sociedade.

Ingo Sarlet, em preciosa obra, destaca que

a dependência, da realização de direitos sociais prestacionais, da conjuntura socioeconômica é tudo menos pura retórica ou mera 'ideologia'. Negar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe e desconsiderar que o Direito não tem o condão de – qual toque de Midas – gerar recursos materiais para sua realização fática, significa, de certa forma, fechar os olhos para os limites do real (SARLET, 2010, p. 327).

Ressalta, ainda, que

em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais objeções

aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou não) resultar a prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e Canotilho, que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão somente um direito subjetivo prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada (SARLET, 2010, p. 324).

Deve-se ter em consideração, desta forma, que as limitações impostas pela falta de recursos financeiros não podem ensejar um esvaziamento do conteúdo do direito social à saúde, principalmente quando ligado ao núcleo essencial da dignidade – mínimo existencial. Por esta razão, já foi afirmado que o postulado só tem sentido caso a prestação postulada ultrapasse os limites desse “mínimo”.

Nesse sentido, para que o Estado possa negar efetividade a um direito social sob o argumento da reserva do possível, deve demonstrar que tem motivos fáticos razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de prestações positivas.

O sentido do princípio da reserva do possível deve, analogamente, ser construído em consonância com os valores tutelados pelo Estado Democrático de Direito, buscando-se uma harmonização com os demais princípios. Deve-se atentar para que o princípio não seja utilizado como um discurso político autorizador de medidas de retrocesso, notadamente verificados em países periféricos como o Brasil, onde a escassez de recursos públicos em face das necessidades da sociedade é geralmente apresentada como justificadora do desrespeito às diretrizes constitucionais e da ineficiência em implementar direitos sociais.

No documento Download/Open (páginas 124-128)