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O direito à saúde nas Constituições Brasileiras

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CAPÍTULO 2 – PROTEÇÃO À SAÚDE INFANTOJUVENIL NAS CONSTITUIÇÕES

2.2. O direito à saúde nas Constituições Brasileiras

O fenômeno da constitucionalização é assinalado por Canotilho como a incorporação de direitos em normas formalmente básicas, com a subtração do seu reconhecimento e garantia da disponibilidade do legislador ordinário, tendo, como consequência mais notória, a proteção dos direitos fundamentais mediante o “controlo jurisdicional da constitucionalidade dos actos normativos reguladores

destes direitos, interpretados e aplicados como normas jurídicas vinculativas” (2000, p. 78).

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira Carta brasileira a consagrar o direito fundamental à saúde. Textos constitucionais anteriores possuíam apenas disposições esparsas sobre a questão.

A Constituição do Império (1824), de acordo com Gilmar Mendes (2013, p. 622), “fazia referência à garantia de socorros públicos (art. 179, XXXI)”.

Discorrendo, ainda, sobre a evolução histórica do direito à saúde nas Constituições brasileiras, o doutor Antonio Gelis Filho ressaltou que:

A Constituição de 1891, a primeira do período republicano, apresentava um feitio extremamente liberal, sem qualquer previsão em relação à saúde. (…). A Constituição de 1934, promulgada já durante o período da ditadura Vargas, foi a primeira Constituição brasileira a contemplar com mais profundidade os temas sociais. Seu artigo 10 estabelece a competência para cuidar da saúde, sem que, entretanto tenha sido discutido o alcance dessa cobertura. (…). O artigo 121 introduz uma tradição de nosso direito constitucional: a explicitação da saúde como um direito ligado ao trabalho. (…). Já o artigo 138 introduz uma noção estranha à nossa realidade, a da eugenia como política de Estado. (…). No artigo 140, cristaliza-se a preocupação com o combate das endemias nacionais. (…). A Constituição de 1937 definiu o chamado “Estado Novo”. Virtualmente fechando ainda mais a ditadura que vivia o país, a Constituição de 1937 restringiu bastante a presença da saúde, regulando competências do poder de legislar sobre o assunto e prevendo proteção à saúde do trabalhador. (…). A Constituição de 1946 instituiu o regime que viria a ser conhecido como “República Populista”. Em relação á saúde, manteve sua discussão constitucional limitada à divisão de competências e proteção à saúde do trabalhador. Uma inovação foi a discussão da saúde em um contexto tributário. (...). A Constituição de 1967 seria modificada inteiramente pela emenda 1/69. (…). A par do binômio divisão de competências referente à saúde do trabalhador, a constituição prevê a assistência à saúde dos ex-combatentes da segunda guerra mundial e remete a um plano nacional de saúde que nunca seria implementado (GELIS FILHO, 2005, p. 56-62).

Por sua vez, a Constituição de 1988, contrariamente às anteriores, discute a saúde em muitos pontos distintos, sendo rica em dispositivos sobre a saúde em geral. A primeira referência aparece no artigo sexto, no qual a saúde é definida como sendo um direito social, fazendo menção específica, e pela primeira vez, à saúde infantil e, como nas outras constituições, de forma geral:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

E continua no seu artigo 196:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Constata-se, destarte, que a saúde é um direito garantido a todos, independentemente de raça, sexo, credo, origem e outras possíveis discriminações fáticas ou jurídicas. Verifica-se, destarte, que se trata de um direito tanto individual quanto coletivo de proteção à saúde. A propósito, o ministro Gilmar Mendes ressalta que

a dimensão individual foi destacada pelo Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que 'a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente', impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que 'a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (art. 197)', legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço (2013, p. 622-623).

De outro lado, denota-se a existência de incumbência fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo esta uma competência comum, nos termos do artigo 23, inciso II, da CF/88, devendo desenvolver políticas públicas que tenham por fim a redução de doenças, a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, competindo à União o estabelecimento de normas gerais, e aos Municípios as suplementares (art. 24, §§ 1º e 2º, c/c art. 30, II, CF), e cooperação técnica e financeira com o auxílio da União e dos Estados (art. 30, VII, CF).

competência legislativa privativa à União para legislar sobre seguridade social, que se compõe da previdência social, da assistência social e da proteção e defesa da saúde. Já no artigo 24, inciso XII da Constituição Federal de 1988, se dá à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre a matéria.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXIII - seguridade social; [...]

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre: [...]

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; [...]

XV – proteção à infância e à juventude;

A Carta Magna admite, ainda, por conta de razões de gestão de recursos destinados à saúde, nos moldes do art. 34, inciso VII, alínea “e”, a intervenção da União nos Estados, e dos Estados nos Municípios.

Do mesmo modo, o município, por dotar de autonomia, fica também sujeito à intervenção, caso não aplique o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento dos serviços públicos de saúde (art. 35, inciso III, CF/88).

A Constituição admite, ainda, exceções ao princípio geral da proibição da acumulação de cargos públicos para profissionais de saúde, ao dispor

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

Por sua vez, o artigo 167, inciso IV, do Texto Maior de 1988 apresenta uma primeira norma tributária com referência à saúde, vedando “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a (…) destinação de recursos

para as ações e serviços públicos de saúde”. Os recursos vinculados a finalidades específicas como saúde, por exemplo, serão utilizados, exclusivamente, para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Os artigos 194 e 195 da Constituição Federal apresentam alguns princípios gerais da seguridade social, que engloba saúde, previdência social e assistência social.

O legislador ordinário determinou, ainda, um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde, o que reforça a responsabilidade solidária dos entes da federação, garantindo, inclusive, a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” (art. 7º, IV, da Lei nº 8.080/90).

No artigo 197, a Carta Magna estabelece o modus operandi da atuação do Estado, atribuindo aos termos da lei o modo de sua regulamentação, fiscalização e controle, admitida sua execução de forma direta (ou seja, pelo Poder Público) ou através de terceiros (pela iniciativa privada, na forma do artigo 199 da Constituição Federal):

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

O artigo 199, por sua vez, regula a participação da iniciativa privada e do capital estrangeiro, bem como prevê uma legislação sobre transplantes, proibindo sua comercialização.

O Poder Público é o responsável pelas ações e serviços de saúde, distinguindo-se da assistência à saúde pela iniciativa privada, que poderão participar de forma complementar Sistema Único de Saúde, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.

Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados, quanto às condições para seu funcionamento, os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema único.

Após haver disposto sobre a saúde na seção anterior, a Constituição volta a tratar do assunto na seção sobre Comunicação, em que está prevista a necessidade de advertência sobre malefícios que possam decorrer do uso de determinada substância:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

[…]

§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Preocupou-se aqui o legislador no direito fundamental à saúde dos seres humanos ao expor os malefícios que determinados produtos podem causar.

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