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INSURGÊNCIA, TERRORISMO E GUERRA ASSIMÉTRICA

CAPÍTULO I: CHECKS AND BALANCES NA IDEOLOGIA ISLAMISTA 1.1 CONCEITOS TEMÁTICOS 1.1 CONCEITOS TEMÁTICOS

2. INSURGÊNCIA, TERRORISMO E GUERRA ASSIMÉTRICA

À semelhança daquilo que descrevemos anteriormente como uma genérica confusão conceptual entre religião e ideologia, também no que toca ao terrorismo encontramos múltiplas interpretações e, em muitos casos, totalmente desadequadas. Isto deve-se, não só à tendência de políticos, académicos e jornalistas em utilizarem terrorismo como sinónimo stricto sensu de violência política, mas também à propensão para a banalização do conceito “terrorismo”, sob justificação de ser demasiado pejorativo para os “defensores de liberdade” ou “revolucionários”, como gostam de ser apelidados aqueles que perpetuam atos terroristas94.

Por estas razões, mas acima de tudo por ser o método de excelência entre grupos islamistas, conforme nota Mozaffari (2007), o “terrorismo, e difusão do medo na população civil é o instrumento de escolha nas mãos de grupos islamistas”95 (Mozaffari, 2007: 8), e

em virtude de ser um conceito indispensável para a compreensão do sistema al-Qaeda, importa rever o conceito de terrorismo e as suas relações com outras formas de luta armada.

De facto, têm sido numerosas e oriundas das mais diversas fontes as propostas para definir o próprio conceito de terrorismo. A multiplicidade de formas adotadas, as próprias circunstâncias em que se manifesta e a variedade de atores e diferentes interpretações, tornam o conceito de terrorismo de difícil materialização. De entre o vasto manancial de opiniões, escolhemos seguir o conselho de Alex Schmid (1992) e abordar o conceito em sentido lato de acordo com a arena académica96 e, mais especificamente, de

acordo com a sua interpretação:

Terrorismo é um método promotor de ansiedade por meio da recorrente ação violenta, empregada por indivíduos (semi-) clandestinos, grupos, ou atores estatais, por razões idiossincráticas, criminais ou políticas, onde – em contraste com o assassínio – os alvos diretos de violência não são os alvos principais. As imediatas vítimas humanas da violência são geralmente escolhidas ao acaso ou seletivamente de uma população alvo, e servem como geradores de mensagem97 (Schmid, 1988: 28).

94

Em analogia ao caso dos islamistas, que só se consideram muçulmanos. A exceção será o Sudão islâmico de Hassan al-Turabi. Sobre o líder sudanês, consulte-se Ahmad S. Moussalli (1994). “Hasan al-Turabi´s Islamist Discourse on Democracy and Shura”. Middle Eastern Studies.

95 Tradução da nossa responsabilidade. 96

O autor identifica quatro “arenas de discurso” a saber: a arena académica, a visão estatal, a interpretação da opinião pública e por último, a própria subversão da realidade pelos terroristas (Schmid, 1992: 7-13).

97

28 O terrorismo pode também ser entendido como weapon-system “que tem vindo a ser utilizado por uma vasta quantidade de grupos não-estatais, regimes ou governos”98

(Wilkinson, 2011: 6). Apesar de historicamente o terrorismo estatal ser largamente mais letal que o seu congénere não-estatal, abordaremos apenas o terrorismo enquanto método não-estatal por ser conforme o nosso objeto de estudo.

Neste caso, interessa-nos estudar o Jihadismo global. A al-Qaeda, representante máxima desta tipologia de terrorismo, tem na sua extensa rede, células e grupos afiliados operáveis em pelo menos 90 países, tornando-a no grupo terrorista mais disperso da história mundial (Wilkinson, 2011). Importa aprofundar um pouco mais as características, motivações e etapas de um género de terrorismo que não se esgota nas suas características religiosas. O Jihadismo global comporta um vasto conjunto de características que ajudam a compreender esta tipologia terrorista, bem como a reconhecer o que é o terrorismo em lato sensu. Seguindo as tipologias avançadas por Alex Schmid e Albert Jongman (1988), pretendemos demonstrar como o Jihadismo global se insere em cada uma delas99.

2.1. ELEMENTOS DEFINIDORES DE TERRORISMO

A maior parte das atividades terroristas islamistas podem ser enquadradas enquanto crimes. Atos típicos de grupos terroristas como ataques bombistas indiscriminados, homicídios, raptos, sequestros, e hijacking são atos que facilmente se percecionam enquanto crimes, não só pela sua ilegalidade (mala prohibitia) mas como pela sua malvadez inata (mala per se), ou seja, são hediondos por si só.

Por outro lado, a relação entre terrorismo e revolução remonta à revolução francesa. Apesar da origem medieval, a palavra terror irá ganhar um outro pendor no decorrer da revolução francesa de 1789100 (Roberts, 2002; Rapoport, 2002: 18). A partir de

21 de janeiro de 1793, data da decapitação do rei francês Luís XVI, o regime de terror decretado pelos radicais jacobinos101, percecionado como necessário para fazer face ao

avanço da contrarrevolução que ganhava ênfase, rapidamente perdeu todo o sentido e o apoio social que o suportava.102 Assim, foi durante a revolução francesa que surgiu a

98 Tradução da nossa responsabilidade. 99

Neste sentido, consulte-se Anexo VI.

100 A revolução russa de 1917 é outro claro exemplo de terrorismo aplicado durante um período

revolucionário.

101 Fação mais extremista dos partidários da revolução francesa, era composta pelas classes mais baixas da

sociedade francesa.

102

Aqueles que anteriormente tinham apoiado entusiasticamente as medidas draconianas jacobinas de Robespierre, principal representante do reino de terror, viravam-se agora contra os mentores, arrastando-os

29 definição “terrorismo” (Banlaoi, 2009; Roberts, 2002; Ansart, 2011; Beutel, 2007: 2), que junta a palavra “terror” com o sufixo “ismo” próprio de uma filosofia política ou, de forma mais assertiva, enquanto ato ou atitude, em analogia ao caso de fanatismo.

Como iremos ver mais adiante, os atos terroristas surgem como forma de intimidação, de propaganda, de comunicação, ou simplesmente como forma exemplificativa. Os atentados jihadistas do 11 de setembro e de 11 de março são a prova de uma ideologia que procura aproveitar os tempos de antena ocidentais de modo a criar efeitos psicológicos transcendentes da simples dimensão física (Moreira, 2004).

Com efeito, a relação entre terrorismo e revolução é longa, sendo esta tática utilizada tanto enquanto forma de alcançar o poder, como de o assegurar. Enquanto na maioria dos casos é visto como uma ferramenta ao serviço dos revolucionários, para outros como Mao Tsé Tung ou Che Guevara, o terrorismo vai ser enquadrado numa guerra de guerrilha contra Estados repressivos (Young e Gray, 2011).

Numa outra tipologia, terrorismo enquadra-se na “arena política”. Efetivamente, atos de terrorismo normalmente desenrolam-se em contextos de conflito político. Tal como no celebradíssimo adágio de Clausewitz103, o terrorismo é também uma continuação de

política. Na estratégia radical islamista isto é particularmente evidente. O facto da maioria dos grupos islamistas políticos servirem como “escudo” de grupos jihadistas vai ao encontro do discutido no capítulo anterior, sobre a dificuldade de sabermos quais destes grupos são verdadeiramente moderados, democráticos ou liberais, e não aquilo que eles querem que nós pensemos que são.

Neste sentido, uma boa forma de compreendermos a relação próxima entre as ações indiretas dos grupos dawah e as ações diretas dos grupos jihad, encontra-se plasmada na esquematização dos estádios de ação política de Alex Schmid104 (1988: 58-

59). As ações próprias do Islamismo político, presentes no primeiro e segundo estádio, ligam-se às do Islamismo radical, tipicamente a figura do último nível de confrontação numa lógica de escalada de poderes.

Segue-se-lhe a conexão do terrorismo com a guerra. Escusado será dizer que os atos terroristas não se confinam aos tempos de paz, algo amplamente demonstrado. O terrorismo tem sido prática comum antes, durante e após as guerras. No entanto, aquilo que define um ato de terrorismo e um terrorista não é, de forma alguma, similar aos conceitos de guerra e de soldado105.