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Integração Fé e Ensino

No documento Francisco Luiz Gomes de Carvalho (páginas 129-134)

Os pesquisadores atentos que tem como objeto de estudo as instituições adventistas de Ensino Superior perceberão que estas são dotadas de características próprias, o que contribui para constituir o perfil próprio da educação ofertada nestas instituições (GREENLEAF, 2010). Convém atentar-se para o fato de que a integração fé e ensino avança para além do discurso permeando práticas pedagógicas, ambiente e cultura escolar.

Como ponto de partida é pertinente explicitar a concepção de integração fé e ensino que permeia a educação adventista. O pesquisador da história da educação superior adventista afirma que:

A integração Fé e Ensino é um processo contínuo e sistemático mediante o qual se enfocam todas as atividades educativas de uma perspectiva bíblico-cristã, a fim de

que os alunos, ao completarem seus estudos, tenham internalizado voluntariamente uma visão de vida, do conhecimento e seu destino. Essa visão se centraliza em Cristo, orienta-se para o serviço e projeta-se até o reino do Céu (STENCEL, 2005, p. 27).

Segundo Stencel (2005) a integração fé e ensino entendida como processo apresenta-se em duas formas consideradas de igual importância, a saber: intencional e espontânea. Sendo que a intencional, permeada pelas demandas da visão bíblico-cristã e da filosofia educacional adventista deve ser prevista no planejamento de todas as atividades do ano escolar. Por sua vez, a integração fé e ensino apresentada na forma espontânea

[...] acontece quando o professor adventista manifesta espontaneamente seu compromisso pessoal com Deus, com a Missão, com a Visão e com os Valores da Educação Adventista, bem como com os fins últimos de sua declaração de fé pessoal e compromisso denominacional (STENCEL, 2005, p. 27).

Assim fica evidente que o filão da confessionalidade tem por intenção costurar as mais diversas atividades listadas no calendário escolar. Documentos institucionais evidenciam as bases que fundamentam a educação e orientam as práticas pedagógicas no Ensino Superior. Todavia, cabe ressaltar a preponderância balizadora do Plano Mestre de Desenvolvimento

Espiritual (PMDE) e da Pedagogia Adventista (DSAIASD, 2009) como principais instrumentos consultivos e orientadores para o planejamento.

O PMDE apresenta-se como orientação de trabalho, ensino de metodologia prática que contribua para que as ―[...] instituições consolidem cada vez mais sua identidade adventista e assegurem sua presença cristã a serviço da juventude, da igreja e da comunidade [...]‖ (DEDSA, 2008, p. 7). Tem-se como objetivo final a pretensão de que o estudante, mesmo que tenha passado somente um ano na instituição educacional adventista sinta como influência em sua vida a importância dos princípios, crenças e valores que orientam o sistema educacional adventista. Desta forma, entende-se que a base geral norteadora para a educação adventista é que:

Partindo da realidade de cada aluno, poderemos ajudá-los a se desenvolver espiritualmente, confirmando às Instituições Educacionais Adventistas como lugar de evangelização, às pessoas como responsáveis pelo desenvolvimento da fé, às atividades e programas como uma oportunidade de encontro com a fé, ao Espírito Santo como Princípio ativo no desenvolvimento espiritual do aluno, implementado por meio do PMDE de cada escola, colégio, faculdade ou universidade adventista (DEDSA, 2008, p. 47).

A questão curricular na educação adventista tem sempre ocupado a pauta das preocupações institucionais da IASD, pois é neste campo onde se assentam as bases para a

integração fé e ensino pretendida por este sistema educacional confessional. Com a prerrogativa de que um currículo equilibrado é aquele que fomenta o desenvolvimento integral da vida espiritual, intelectual, física, social, emocional e vocacional, na educação adventista o currículo além de promover a excelência acadêmica, deve contar com ―[...] cursos de formação espiritual que guiarão o viver cristão [...] A formação do cidadão inclui apreço por sua herança cristã [...]‖ (RASI, 2001, p. 08).

É nítida a preocupação com a implantação de um currículo ―plenamente adventista‖, no qual a Bíblia constitua a base de todo o currículo e os escritos de Ellen G. White sejam permanente fonte de leitura e orientação, a fim de que o ―modo de vida adventista‖ seja ensinado (AZEVEDO, 2003).

Como exposto até aqui, percebe-se que o professor é peça chave na integração fé e ensino, pois é o docente que no ambiente escolar e na relação com os estudantes operacionalizará na prática o que a teoria rege. Orientado pela perspectiva educacional cristã, balizado pela filosofia educacional adventista, o educador para alcançar os propósitos da educação adventista deve manifestar e buscar continuamente algumas posturas. Destacam-se, as seguintes: ―a) ser um imitador de Jesus; b) ter senso da presença divina; c) conhecer e estar sintonizado com a filosofia e a proposta da educação adventista [...]‖ (DSAIASD, 2009, p. 63,64). Como diz-nos Bourdieu (2009, p. 215): ―Não há professor que não esteja obrigado a ter em conta a situação e a função pedagógica no tocante à elaboração de seu discurso professoral e, muitas vezes, de toda sua obra‖.

Entendido como astro de primeira grandeza no firmamento educacional adventista, o professor adquire a função de catalisar o processo de integração fé e ensino na sua prática pedagógica em seu ambiente privilegiado, a sala de aula. Isto se dá porque ―quando o professor entra na sala e fecha a porta, ele é o currículo, por que o aprendizado é grandemente comunicado através da sua visão de mundo e da vida‖ (STENCEL, 2004, p. 31). Isto estabelece as bases para que o professor se torne a personificação da integração fé e ensino.

Stencel (2005) refletiu sobre o modo como se relacionam fé e ensino na experiência docente na educação adventista e concluiu que há quatro relações possíveis, são elas: a) dualismo; b) diálogo; c) ilustração e d) integração. As duas primeiras são entendidas como posições antagônicas ao processo integração fé e ensino, enquanto que a terceira posição

(ilustração) evidencia que o professor já consegue fazer pequenas interações demonstrando interesse pela integração fé e ensino. A posição de integração (considerada a ideal) aponta que o professor parte:

[...] de uma clara cosmovisão e aproxima de seu trabalho educativo e de investigação com a intenção de penetrar todas as dimensões de sua atividade profissional com premissas, valores, objetivos e fins bíblico-cristãos (STENCEL, 2005, p. 30).

Em acréscimo ao que foi explicitado até agora acerca da integração fé e ensino na educação adventista, tendo compreendido a relevância do papel do professor como elemento catalisador do processo, há que se desvelar que em seu magistério o docente pode incrementar o cotidiano da sala de aula com algumas atividades de cunho espiritual, tais como:

[...] realizar oração intercessória por alunos, familiares, professores e funcionários; planejar e executar semanas especiais com temas espirituais; compartilhar textos bíblicos com as famílias e pessoas da comunidade que estejam necessitando de auxílio especial; dar estudos bíblicos e distribuir folhetos com mensagens bíblicas de saúde que promovam a qualidade de vida; promover campanhas de cunho social e espiritual; fazer uma maratona de leitura da Bíblia com a turma; estimular a criação de uma agenda pessoal e coletiva de oração (DSAIASD, 2009, p. 74).

As atividades proselitistas que atravessam o cotidiano das instituições educacionais protestantes podem ser percebidas principalmente nas práticas educativas, pois é sempre difícil a delimitação clara entre a prática educativa e a prática religiosa. Basta relembrar que ―[...] o programa educativo é uma das primeiras e mais importantes expressões da obra missionária‖ (RAMALHO, 1976, p. 69). Por isso, que é inegável perceber que em um sistema educacional confessional tão racionalizado como o adventista e estreitamente orientado, a

[...] própria lógica de seu funcionamento, modifica o conteúdo e o espírito da cultura que transmite e, sobretudo, cumpre a função expressa de transformar o legado coletivo em um inconsciente individual e comum (BOURDIEU, 2009, p. 212).

Posto que, ao longo deste capítulo tem ficado patente a ideia de que a educação adventista ―[...] se propõe a alcançar um elevado ideal distinto dos modelos educacionais vigentes [...] e implica constante estudo da Bíblia e dos escritos de Ellen G. White‖ (DSAIASD, 2009, p. 105), torna-se pertinente questionarmo-nos a respeito das possíveis relações entre o imaginário, educação e a cultura escolar conforme se apresentam neste sistema educacional confessional.

A abordagem adotada neste capítulo tem privilegiado as práticas educacionais com a intenção de evidenciar que as mesmas são orientadas por uma racionalidade, que sendo técnica visa conduzir as atividades educacionais, de forma que sejam marcadas pelo princípio da uniformidade confessional que submete normas, espaços, tempos, estudantes, docentes, saberes e processos de inculcação (BARROSO, 1993, p. 14). Assim, as instituições educacionais adventistas são nutridas por uma pedagogia oficial, que se institucionaliza tornando-se burocrática a ponto de pretender estruturar e condicionar o pensamento e ação de seus agentes (LOBROT, 1973). Neste sentido, Bourdieu (2009, p. 215, 216) ressalta que

[...] o programa de pensamento e de ação que a escola tem a função de transmitir, deriva uma parte importante de suas características concretas das condições institucionais de sua transmissão e dos imperativos propriamente escolares.

A partir deste espectro maior esboçado nas linhas acima é imperioso rastrear o lugar do discurso pedagógico no quadro da cultura escolar, sublinhando o caráter ideológico da educação adventista que socializa um sistema de valores com a finalidade de inculcar nos alunos um modo de pensar, sentir e agir uniformizador (ARAÚJO; ARAÚJO, 2010).

Como a cultura escolar compreende a dimensão antropológica, sociológica e pedagógica, ela busca legitimidade no discurso pedagógico, pois é este que atualiza o imaginário que busca objetivar a idealidade das práticas nos diversos contextos sócio- históricos e políticos. Assim, é possível assinalar que no caso da educação adventista este

[...] tipo de discurso (tornado sinônimo de texto) visa a educação com o objetivo de legitimar determinados aspectos em detrimento de outros. E, consequentemente, através dessa mesma legitimação pretende alcançar e estabelecer a verdade que, no seu caso, é sempre de ordem prática (REBOUL, RICOUER apud ARAÚJO; ARAÚJO, 2010, p. 34).

Notadamente o discurso pedagógico textualizado e fontalizado nos escritos de Ellen G. White, conquanto pedagógico demonstra densidade filosófica que favorece a continuidade da tradição educativa desta confissão. Mesmo que se configure como instaurador de sentidos do imaginário educacional, se caracteriza majoritamente pelo forte apelo praxiológico, que neste caso mesmo os enunciados sendo

[...] meramente indicativos e aparentemente descritivos, são, contudo, prescritivos, injuntivos [...] prescritivos em relação a uma ‗práxis‘, quer dizer, no sentido mais lato do termo, aquilo que num comportamento, num conjunto de atitudes e

sentimentos, pode ser o objeto de enunciados normativos (CHARBONNEL apud ARAÚJO; ARAÚJO, 2010, p. 38).

Seria obtuso de nossa parte asseverarmos apenas a rigidez do discurso pedagógico, sem, contudo apontarmos a potencialidade criadora dos sujeitos em suas mais diversas realidades sociais, o que por sua vez faz-nos acrescermos a importância de atribuir protagonismo à comunidade interpretativa, que pode ser representada pela individualidade ou coletividade dos atores educativos. Pois, está mais que provado pela História das Ideias Educativas, que as ideias educativas enquanto discurso se afirmam e se transformam em ―circulantes‖ e ―discordantes‖, e

[...] quando elas circulam, são utilizadas e provocam discórdia ou polêmica, metamorfoseiam-se em práticas discursivas mediadas em e por contextos determinados nos quais se encontram os atores educativos, individual e coletivamente considerados. Estes atores situam-se em comunidades interpretativas, cuja ação é fundamental para entender a construção, a reconstrução, a transmissão e a recepção de tais ideias através do tempo e do espaço (NÓVOA, FERRER apud ARAÚJO; ARAÚJO, 2010, p. 40).

Vislumbra-se neste momento a possibilidade de que outras pesquisas fundamentadas especialmente na teoria da recepção para a qual os significados dos textos não são obra do autor, mas do leitor (SORIA, 2005; BURKE, 2000; VILANOU, 2005) empreendam estudos que considerem pelo menos uma dessas três ideias-força: a) a relação discurso-texto-contexto (autonomia do texto versus campo semântico dos contextos onde os textos ocorrem), b) as formas através das quais se produz o discurso da história, e c) o papel fundamental da imaginação na reconstrução histórica, a sensibilidade ao simbolismo e aos temas do imaginário, mesmo que social, utopia e mitos (ARAÚJO; ARAÚJO, 2010).

É igualmente importante ainda neste capítulo indicar o desenvolvimento da instituição educacional de Santo Amaro ao longo dos anos do século XX, buscando flagrar em sua história institucional aspectos que considerem os fundamentos da pedagogia adventista, a prática da pedagogia adventista ou mesmo a busca pela integração fé e ensino.

No documento Francisco Luiz Gomes de Carvalho (páginas 129-134)