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PARTE I – PROBLEMÁTICAS DO REPATRIAMENTO COLONIAL

1.3 Pieds-noirs e Retornados

1.3.3 A integração

“O conceito de integração é (…) a capacidade de um conjunto (…) de assegurar a coesão, reunindo as diferentes unidades que o compõem, na aceitação de valores e de normas comuns” (Comtat, 2009, p. 141). As vivências e o perfil das ‘unidades’ vão determinar a forma como se vai processar essa ‘idealizada’ coesão.

Os retornados e os pieds-noirs partilharam experiências comuns. Em primeiro lugar, os dois grupos vivenciaram períodos de guerra nos territórios onde residiam. Na Argélia, de 1954 a 1962, totalizando oito anos de violentos conflitos, enquanto em Angola, Moçambique e Guiné Bissau a Guerra Colonial se prolongou por treze anos, de 1961 a 1974, e um número considerável de colonos foi mobilizado, incorporando, em média durante 18 meses, o exército português. O clima de medo e de insegurança dominavam, esperando-se que as metrópoles os defendessem contra um inimigo comum: os movimentos de guerrilha independentistas.

Tal como os retornados, a maioria dos pieds-noirs viveu os anos de guerra na expetativa. Não sabiam se deveriam partir ou se poderiam permanecer nos territórios ultramarinos e só se renderam à evidência praticamente nas vésperas das independências. Contribuíram para este ambiente de incerteza as informações parcas e contraditórias do poder metropolitano e da comunicação social. Nas colónias portuguesas eram claramente filtradas pela ‘Censura’ do regime ditatorial. Assim, a tendência generalizada era para acreditar na continuidade dos territórios ultramarinos, vistos como departamentos franceses ou províncias ultramarinas portuguesas. No entanto, durante os anos de guerra, assiste-se a uma gradual movimentação cautelosa para as cidades, da já reduzida comunidade rural nas colónias.

Mais tarde, no inesperadamente rápido processo de descolonização, após a revolução de 25 de abril de 1974, os retornados acompanharam, com preocupação, os avanços e recuos nas negociações, cuja agenda era visivelmente definida pelos movimentos de libertação. “Os acordos de descolonização limitaram-se a definir as vias de conversão dos movimentos de libertação nos novos Estados e a regular a técnica de passagem de poderes da potência administrativa para o respetivo movimento de libertação-Estado” (Silva, 1997, p. 368). Em Angola, a situação é ainda mais

complicada: os três movimentos não constituem partidos e proclamam a independência de diferentes ‘Estados’ nos limites territoriais da antiga colónia portuguesa.

Novamente sem acesso a uma informação rigorosa, pelos representantes governamentais e por uma imprensa comprometida com o poder político, os colonos portugueses sentem-se esquecidos e traídos por uma metrópole que intensificou o fluxo de emigrantes para as colónias, apenas alguns anos antes, com a promessa de um eterno império colonial, repleto de oportunidades, especialmente para as famílias que procuravam um novo rumo. De facto, registou-se, nos últimos anos de colonização, “um padrão diverso do apresentado pela emigração para o estrangeiro até aos anos 60, no qual predominam os isolados que partem para amealhar dinheiro e acalentar o sonho do regresso. (…) O projeto dos que demandam a África portuguesa foi crescentemente um projeto de fixação familiar” (Castelo, 2007, p. 198).

Também os pieds-noirs se sentiram “abandonados pela França e pelos franceses no Referendo de 8 de Abril de 1962, no qual a população metropolitana ratifica os acordos de Évian que põem fim à presença francesa na Argélia” (Comtat, 2009, p. 82) e consideraram que não foram suficientes os esforços e as vontades políticas, após sucessivas promessas governamentais, para a manutenção de uma Argélia francesa. Sentem-se ainda traídos por uma França pela qual combateram durante a 2ª Guerra Mundial, pois “a geração que desembarca nas praias francesas, em 1944, para libertar o país, é a mesma que foi repatriada dezoito anos mais tarde, em 1962” (idem, p. 83).

As perceções dos repatriados, portugueses e franceses, sobre os conflitos e os processos de independência nas respetivas colónias, são fatores decisivos a ponderar na sua subsequente integração nas sociedades metropolitanas, assim como os regressos inesperados e desorganizados, com a perda de todos os bens, para a maioria, associados aos acolhimentos ineficientes, pelos governos das metrópoles, e à hostilidade dos que os receberam. “Se é consensual, na globalidade, que a inserção dos repatriados no tecido metropolitano, foi rápida, e singularmente benéfica, esquece-se, frequentemente, que foi acompanhada de problemas psicológicos e de traumas, por vezes graves” (Jordi, 1993, p. 185). O carácter traumático dos repatriamentos é muitas vezes ignorado, procurando- se “o regresso a uma paz social, particularmente difícil no desfecho da história colonial”

(Scioldo-Zurcher, 2010, p. 300).

Paradoxalmente, os repatriados decidem regressar, pois querem continuar a ser portugueses ou franceses, ou seja, a questão da identidade nacional parece não se ter colocado, optando-se, ainda que aparentemente sem reflexão aprofundada dado o contexto de guerra e a urgência no repatriamento, por uma nacionalidade metropolitana, e europeia, e rejeitando-se a integração em nações africanas independentes, recém- nascidas, onde muitos residiam há várias gerações. O perfil dos repatriados portugueses, maioritariamente emigrantes de primeira geração e com vínculos muito fortes à metrópole, pode explicar esta tomada de posição, o que não se reconhece nos repatriados franceses da Argélia, visto que, para a maioria, a França era desconhecida, longínqua e idealizada. “Para os franceses da Argélia, a Argélia era a França, mas a maioria só conhecia a metrópole através dos livros de História (…). Por esta razão, os franceses da Argélia só descobrem a existência duma entidade argelina no momento do repatriamento e da independência, sem nunca se terem apercebido que viviam numa colónia” (Savarese, 2007, p. 100). Deste modo, “mais do que um simples repatriamento, este movimento pode ser considerado como uma verdadeira migração, uma vez que implica sentimentos de êxodo e de exílio” (Jordi, 1993, p. 7). Ainda assim, os pieds-

noirs regressaram massivamente à metrópole.

A colonização da Argélia, território considerado como um prolongamento de França, processou-se também com franceses da metrópole, mas maioritariamente com a emigração de outras populações europeias, por motivações políticas ou económicas. “Aqueles que povoaram a Argélia não eram, assim, originários de França, mas vinham de regiões mediterrânicas. Tornaram-se franceses por naturalização ou casamento” (Comtat, 2009, p. 28). São espanhóis, italianos, mas também, em menor número, malteses, alemães e suíços. Em 1896, estes emigrantes suplantavam os colonos de origem francesa, mas, após algumas décadas de colonização, “em 1954, 79% dos pieds-

noirs tinha nascido na Argélia (…). A maior parte vivia nas cidades costeiras e 80% da

terra argelina estava nas mãos de cerca de 10% dos colonos” (Shipway, 2008, p. 57). Refira-se ainda a considerável comunidade judaica, instalada na Argélia antes da colonização francesa, que obteve coletivamente, em 24 de outubro de 1870, pelo

Decreto Crémieux, a nacionalidade francesa. “No final dos anos 40, os 600.000 membros da comunidade judaica, a residir no Magreb há várias gerações, repartia-se por Marrocos, país onde a concentração era mais forte (50%), a Argélia (30%) e a Tunísia (20%)” (Dubois, 1994, p. 93). Foram repatriados para a metrópole cerca de 125.000 judeus residentes no território argelino.

Tratava-se de uma população diversificada, em termos étnicos, culturais, económicos e sociais, afastada geográfica e culturalmente da metrópole, mas tendo em comum a nacionalidade francesa e os ideais, ainda que difusos, da República Francesa, uma vez que na sociedade colonial argelina, extremamente desigual, os europeus detinham a posição dominante. “Eram a elite dominante numa região onde a maioria da população era muçulmana e pobre, e onde a raça se tornou o elemento determinante da hierarquia social” (Silva, 2015, p. 80).

Na fixação em território metropolitano, “com os primeiros repatriamentos coloniais, o governo já tinha tentado distribuir os repatriados pelo território nacional (…), em «zonas críticas» que correspondiam aos locais onde os repatriados tinham «possibilidades de exercer as suas atividades com melhores hipóteses de sucesso» (…). As tentativas do governo para criar um movimento migratório dos repatriados da Argélia para essas regiões fracassou. (…) Concentraram-se no sul de França e na região parisiense” (Scioldo-Zurcher, 2010, p. 222). Por oposição ao observado nos retornados portugueses, “os pieds-noirs não se instalaram, na maioria dos casos, nas regiões de onde eram originários antes da colonização, pois, com o tempo, os laços perderam-se. Preferiam os locais onde tinham um parente, ou um próximo, também anteriormente repatriados” (Comtat, 2009, p. 142). Para além da indesejada concentração, a instabilidade geográfica é igualmente uma característica dos primeiros anos de repatriamento. Era evidente uma “difícil sedentarização e uma atração dos repatriados pelas zonas meridionais, procurando reencontrar as condições climatéricas perdidas. (…) A vontade de reconstituição das unidades familiares era também particularmente forte” (Scioldo-Zurcher, 2010, p. 203).

A concentração geográfica da população repatriada da Argélia “favoreceu a tendência para o estabelecimento e sedimentação de quadros de interação entre

repatriados, em detrimento de relações mais intensas entre os pieds-noirs e as populações metropolitanas” (Pires, 2003, p. 193), o que dificultou, nos primeiros anos, a sua integração. Esse distanciamento conduziu a um envolvimento mais ativo nas associações de pieds-noirs, permitindo que, nos mais variados domínios, se negociasse coletivamente a integração na sociedade francesa (idem), o que não se verificou no caso dos retornados, dispersos pelo território nacional.

Os impactos do repatriamento na metrópole francesa evidenciaram-se, primeiramente, na estrutura demográfica e no mercado laboral.

Ao nível demográfico, para além da ‘combatida’ concentração regional, 30% da população tinha menos de 15 anos e a escolarização desempenhou um papel relevante na integração: “os filhos dos pieds-noirs, em 1976, concluíam cursos superiores, em número duas vezes superior ao dos outros franceses” (Comtat, 2009, p. 157).

A mão-de-obra repatriada era jovem e dinâmica e na integração profissional presidia o ‘princípio da continuidade’, o qual foi mais facilmente cumprido nos funcionários públicos, cujas carreiras não sofreram interrupções, na maioria dos casos, através de diversas medidas de integração nos organismos estatais, que incluíram um quadro de excedentes e reformas antecipadas. Claro que não foram evitadas a desclassificação e a reclassificação profissional, devido às “diferenças das estruturas profissionais da França e da Argélia e às dificuldades ligadas à implantação geográfica dos repatriados” (Jordi, 1993, p. 137).

A atenção do governo francês centrava-se principalmente no setor privado (trabalhadores por conta de outrem e por conta própria) e “os agricultores repatriados ocupavam um lugar especial nas preocupações do governo. A regra que estabelecia que os repatriados fossem instalados em condições equivalentes às abandonadas não se aplicava. Revelou-se impossível a criação de grandes explorações, de monocultura intensiva, com lucros equivalentes aos da Argélia” (Scioldo-Zucher, 2010, p. 254).

A inclusão profissional dos pieds-noirs beneficiou também de um contexto económico favorável na metrópole, com a “criação de novos negócios, o desenvolvimento e a modernização do setor económico, assim como o aumento notável da massa monetária” (Jordi, 1993, p. 11) e de uma sistemática intervenção estatal que

“procurava adaptar toda a legislação prevista que se confrontava, por vezes com dificuldades, com as realidades do repatriamento” (Scioldo-Zucher, 2010, p. 181).

Os retornados eram igualmente a classe dominante na hierarquia colonial dos territórios portugueses em África, já que “no caso específico do fluxo migratório para o ultramar, há que ter em conta que o migrante tem a perceção de que no destino se irá enquadrar no estrato dominante da sociedade, independentemente da sua posição social e económica” (Castelo, 2007, p. 203). Contudo, “a esmagadora maioria da população das colónias é formada por autóctones negros: em território angolano oscilam entre os 98% e 94% dos habitantes e em território moçambicano entre 99% e 96%” (idem, p. 216). Confirma-se, tal como na Argélia, uma desigualdade latente nas sociedades coloniais que os colonos brancos, na sua maioria, aceitavam como normal.

Os repatriados portugueses distinguem-se, porém, dos pieds-noirs quanto à naturalidade, uma vez que a maioria (63%) nasceu em Portugal e esta relativa homogeneidade da população terá facilitado a sua integração.

“O mecanismo de Carta de Chamada, em vigor até aos anos sessenta, induzia efeitos seletivos e de fechamento do campo de recrutamento na emigração para as colónias, concentrando social e regionalmente os fluxos” (Pires, 2003, p. 220). E mesmo quando deixou de ser obrigatória, o “padrão migratório que esta cristalizou, sobreviveu-lhe. (…) Continuou-se a «mandar ir» familiares e conhecidos até ao fecho do ciclo do império” (Oliveira, 2008, p. 3). Além disso, a intensificação da emigração para as colónias africanas, nos anos cinquenta e sessenta, especialmente para Angola e para Moçambique, dava preferência a indivíduos dos grupos etários mais jovens e com uma qualificação escolar média mais elevada. Acresce que a definição legal do estatuto de nacional português e, portanto, do retornado que poderia conservar a nacionalidade portuguesa, efetivada “tendencialmente em termos rácicos (…), pela adoção de uma conceção de nacionalidade baseada no ius sanguinis15, selecionava maioritariamente os

15

Ius Sanguinis – sistema em que a nacionalidade é atribuída a todos os descendentes de nacionais desse país. Opõe- se ao sistema Ius Solis, no qual a nacionalidade original é atribuída a todos os que nasceram no país. O Decreto-lei 308 – A/75, de 24 de Junho de 1975 “diferenciou o repatriamento das ex-colónias da imigração de estrangeiros com a mesma origem (…) pela consolidação da substituição do critério Ius Solis pelo do Ius Sanguinis na lei geral” (Pires, 2003, p. 128).

que dispunham em Portugal de redes familiares de suporte” (Pires, 2003, p. 228). No entanto, e na ausência de dados rigorosos, calcula-se que “25.000 a 35.000 dos retornados de África tinham ascendência africana. (…). Estes (…) tinham provavelmente menos laços familiares e menos recursos financeiros” (Lubkemann, 2003, p. 89).

A miscigenação nas colónias, embora reduzida, era vista como um fator problemático no repatriamento: “A situação complicava-se dado que os portugueses, do ponto de vista racial, foram muito menos seletivos que os europeus do norte, e contraíram matrimónios com indígenas com uma frequência relativa. Assim, muitos dos seus habitantes das colónias eram mulatos” (Chamberlain, 1997, p. 130). Também na Eritreia, “la colónia primogénita” italiana, estabelecida em 1890, “os colonos italianos misturaram-se com a população e já havia uma pequena população de ítalo-eritreios. Mas, em 1935, a Itália tentou eliminar esta «permissividade colonial», inspirando-se na ideologia nazi de superioridade, adotada por Mussolini” (Lyob, 1995, p. 61). Em Portugal, o “empenho político, tanto ao nível do discurso como da prática, de combater a alta taxa de masculinidade de migração para as colónias, fomentando a saída de mulheres e famílias, teve resultados a médio prazo” (Castelo, 2007, p. 184).

O enraizamento dos colonos portugueses, numa perspetiva de mistura de raças, incentivado por uma permanência persistente em territórios africanos, iria contribuir, após o repatriamento, para uma maior diversidade étnica na metrópole: “África foi portugalizada nos últimos séculos, Portugal africanizado nos últimos decénios” (Dacosta, 1998, p. 224). Todavia, “enquanto os retornados brancos foram gradualmente aceites e não se diferenciam, legalmente ou na prática social, dos outros portugueses, os repatriados negros ou mulatos não receberam o mesmo tratamento igualitário nas interações sociais. A atrofia do termo «retornado» no discurso público não se traduziu numa perceção desta minoria como «portugueses», mas, paradoxalmente, resultou numa maior identificação com outras populações de origem africana” (Lubkemann, 2003, p. 91). O percurso de integração desta minoria, presumivelmente concentrados nas zonas urbanas, e especialmente em Lisboa, o porto de acolhimento, permanece ainda um mistério, focando-se a investigação realizada nos retornados brancos, os “estrangeiros

internos” (idem, p. 84)

Na metrópole, a distribuição regional do repatriamento das colónias portuguesas é bastante desigual, o que pode ser explicado pelas motivações de fixação: o apoio familiar e comunitário como fator determinante da escolha, seguido de uma maior capacidade de absorção dos mercados de trabalho urbanos, em especial a zona metropolitana de Lisboa. No processo de fixação, apesar de se “acentuar o facto de parte dos retornados, sobretudo os grupos etários mais elevados, continuarem a encarar o meio original como um local de passagem, não desejando aí refazer as suas vidas” (Martins, 1986, p. 163), a migração interna, ou para outros países, é pouco significativa.

Quanto à população ativa, os retornados eram predominantemente jovens e do sexo masculino. Ao nível profissional, se “a maioria dos passageiros embarcados na metrópole para as províncias ultramarinas se dedicava à atividade comercial” (Castelo, 2004, p. 15), verifica-se que muitos prosseguiram a mesma ocupação, pois concentraram-se maioritariamente no sector terciário (65%). Contraria-se a perceção de um perfil rural dos retornados, vistos pelos metropolitanos como grandes proprietários no setor agrícola, registando-se nas colónias uma “elevada percentagem de empregados do comércio, funcionários públicos e operários e a fraca presença dos que se dedicavam à agricultura” (Castelo, 2007, p. 227). Também não residiam, na sua maioria, nas zonas rurais, havendo “uma nítida tendência para se concentrarem nas cidades, contrariando a visão ruralista difundida pela propaganda oficial” (idem, p. 221). Assim, “em 1970, 75% da população europeia de Moçambique vivia nas áreas urbanas (quase metade destes nas duas maiores cidades: Lourenço Marques e Beira), enquanto em Angola cerca de 50% vivia nas cinco maiores cidades” (Lubkemann, 2003, p. 83).

As habilitações escolares representam também vantagens para a integração e maior mobilidade profissional, sabendo-se que “o grau de instrução dos embarcados era mais elevado que o dos portugueses metropolitanos, ainda que no período áureo da corrente migratória ultramarina tenha havido um abaixamento do nível médio de escolaridade” (Castelo, 2004, p. 21).

Conclui-se que a biografia da população retornada facilitou a sua inclusão, incluindo a sua relativa homogeneidade, dado que “o objetivo principal da política

portuguesa de emigração parece ter sido não o estancamento do fluxo migratório, mas a seleção do elemento emigrante” (Monteiro, 1994, p. 9). Eram maioritariamente emigrantes de primeira geração, jovens16 e com um nível escolar médio superior à população residente na metrópole. No que respeita aos menores, três quartos da população de segunda geração, nascida nas ex-colónias, e com previsíveis dificuldades de integração, situavam-se nos escalões etários abaixo dos quinze anos de idade, desempenhando a escola um papel preponderante na inclusão deste grupo.

O repatriamento ocorreu em contexto adverso que previa “um impacto brutal sobre uma economia frágil e vulnerável e uma situação política e social explosiva” (Guerra, J.P., 1996, p. 114). Para além das causas comuns aos países desenvolvidos, e em especial aos europeus, cujos “governos tiveram que enfrentar fortes pressões inflacionistas, o desabar do sistema monetário internacional de Bretton Woods (1971) e o choque da subida do preço do petróleo, imposta pela OPEP, em 1973-74” (Mateus, 1998, p. 102), no caso específico da economia portuguesa convém sublinhar razões distintas para essa desaceleração produtiva: o adiamento sistemático no ajustamento da Balança de Pagamentos, conseguido apenas após dois programas de estabilização apoiados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); o arrastar do ajustamento do equilíbrio orçamental; as alterações no direito de propriedade que conduziram à nacionalização de parte importante da atividade económica em 1975; a ‘explosão’ dos salários nominais (as remunerações totais subiram 35% em 1974 e 34,6% em 1975) e os consequentes aumentos dos custos unitários do trabalho (28%, em termos reais, em 1974 e 1975) e da taxa de desemprego (de 1,5% para 5%, em finais de 1976); o crescimento do défice externo que esgotou a reserva de divisas do país e a forte quebra nas quotas de mercados externos, com a perda dos mercados coloniais, aliada às perturbações nos fornecimentos, provocadas pelos distúrbios nas fábricas, neste período (idem, pp. 104-109).

No entanto, a integração dos retornados, “fenómeno ímpar de absorção social” (Dacosta, 1998, p. 224), em especial a profissional, pode ser explicada pelo facto de “o

16

“O crescimento relativo do grupo de indivíduos com 40 e mais anos, na reta final do colonialismo português, pode estar relacionado com a atração de quadros técnicos e pessoal dirigente com experiência profissional consolidada” (Castelo, 2004, p. 12).

seu regresso se ter verificado numa (…) altura de profundos reajustamentos na composição do mercado de trabalho (em particular por crescimento de empregos públicos), bem como uma forte retração dos investidores tradicionais, abrindo espaço à iniciativa empresarial de novos agentes, o que, em conjunto, favoreceu a sua integração” (Correia, 1991, p. 179).

Destacam-se, contudo, como no caso dos pieds-noirs, as diferenças entre os repatriados do setor público, que beneficiaram da criação de um Quadro Geral de Adidos, e os do privado que se depararam com maiores dificuldades de integração no mercado de emprego português, as quais seriam ultrapassadas a médio prazo: “ao fim de seis anos sobre o repatriamento, só uma fração reduzida de retornados (6%) se conservava dependente dos subsídios especiais de desemprego” (Droux, 1986, p. 124).

A integração dos retornados e dos pieds-noirs baseou-se sempre num princípio de ‘reinstalação’, não se discutindo a questão da ‘indemnização’, a qual só será conseguida parcialmente, nos anos 70, e apenas para os repatriados franceses. Os custos desta reinstalação parecem ter sido sobrevalorizados.

Em Portugal, “números tornados públicos, apontam verbas da ordem dos 56 milhões de contos, gastos em aluguer de navios e aviões (30 milhões), alojamento, alimentação, transporte (26 milhões), a que se juntam 17.230.512 contos de créditos atribuídos pelo C.I.F.R.E.17 (Financiamento de Atividades Económicas dos