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CAPÍTULO II OUTRAS BRINCADEIRAS

2.2 Cultura da convergência

2.2.3 Inteligência coletiva

Lévy (2015) estabelece reflexões a respeito das influências que as tecnologias exercem sobre a sociedade, além de ressaltar a potencialidade dos meios de comunicação no compartilhamento de ideias entre as pessoas. O autor apresenta uma teoria para o pensamento fundamentado nas interações otimizadas pela velocidade e pelas transformações da informática e do que chamo de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs). São dele esses três conceitos importantes:

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inteligência coletiva, ciberespaço e cibercultura.

A inteligência coletiva é um projeto epistemológico de interações entre indivíduos:

É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. Acrescentemos à nossa definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas (LÉVY, 2015, p. 29).

“Uma inteligência distribuída por toda parte”, pois tem como princípio que não há ser humano capaz de saber ou ignorar tudo – parafraseando Freire (1987, p. 39), com a inteligência coletiva, ninguém educa ninguém ou educa a si mesmo, sendo todos educados uns pelos outros, mediatizados pela cibercultura. Trata-se de uma “inteligência incessantemente valorizada”, ao contrário do que fazemos todos os dias, queimando “mil bibliotecas de Alexandria”, como cantam os poetas Tiago Iorc e Humberto Gessinger (2016). “Coordenada em tempo real”, como forma de fazer do ciberespaço o espaço móvel das interações e de coordenação dessas interações no universo virtual de conhecimento. “Mobilização efetiva das competências”, para reconhecer no outro seus saberes e suas contribuições, de forma a mobilizá-lo, viabilizando ações que o implicarão em projetos coletivos. Segundo Jenkins (2009, p. 56), “[...] a inteligência coletiva refere-se a essa capacidade das comunidades virtuais de alcançar a expertise combinada de seus membros. O que não podemos fazer sozinhos, agora podemos fazer coletivamente”.

No que tange ao conceito de ciberespaço, muito além de um território de comunicação, constitui um local de afluência de uma variedade midiática de interfaces e plataformas, capazes de serem encontradas tanto em videogames, telefone, cinema, televisão, livros, jornais, museus, revista, rádio, entre outras bem como em inúmeras interfaces de interação, síncrona ou não, como blogs e vlogs, chats, fóruns de discussão e muito mais.

O ciberespaço constitui um campo vasto, aberto, ainda parcialmente indeterminado, que não se deve reduzir a um só de seus componentes. Ele tem vocação para interconectar-se e combinar-se com todos os dispositivos de criação, gravação, comunicação e

40 simulação (LÉVY, 2015, p. 106).

O ciberespaço torna-se, então, o território da gênese da inteligência coletiva oriunda das interações entre as pessoas que proporcionam a troca de informações e conhecimento por meio das comunidades virtuais.

O ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17).

A cibercultura é consequência de práticas e atitudes pensantes, constituídas no ciberespaço. São essas práticas, nesse espaço de interações, que findam por produzir um cotidiano social e cultural com novas constituições de ensino e aprendizagem e novas implicações nas concepções de arte, de espaços e de territórios.

Entre os inúmeros conceitos apresentados por Lévy, mantivemos o foco em sua concepção de Inteligência Coletiva (IC), que não é algo a ser criado e também não surgiu com a criação da internet. Ela já existia antes, até mesmo no reino animal, demonstrando capacidade de cooperação. Nos seres humanos, a IC acontece de forma especial. O que diferencia a IC em humanos são, principalmente, a linguagem, a tecnologia complexa, as instituições complexas, as interações econômicas complexas... No mundo animal, por mais que haja uma IC, não há inteligência no indivíduo. Na humanidade, há inteligência também no indivíduo, portador de uma consciência pessoal de seu papel inserido no todo. O ser humano, diferentemente dos animais, não atua somente com os reflexos, mas com a capacidade contínua e consciente de inteligência.

Ao fazermos uma análise histórica, cultural e social, percebemos na humanidade uma evolução não biológica da IC, evolução essa influenciada pela tecnologia, que, entre outros, nos permite acumular, administrar e acessar a informação com muito mais eficiência e em uma escala gigantesca. A ideia de Lévy

41 (2014) é, com as novas mídias algorítmicas e o advento da internet, aumentar a IC, tornando-a ainda melhor, em comparação àquela existente nos tempos da imprensa escrita, sem ruptura com as formas de conhecimento anteriores, com um aumento do conhecimento, em camadas. Em cada estágio, há a criação de um novo conhecimento, mais amplo, poderoso e complexo, que utiliza um tipo de conhecimento anterior e cria algo novo, que não substitui os conhecimentos anteriores, que ainda se fazem presentes.

Para Lévy (2014), o próximo avanço tecnológico deve ser cultural, criando uma IC reflexiva, diferente da Inteligência Artificial, em uma perspectiva humanista, centrada no desenvolvimento humano. A perspectiva é bastante clara e simples, aumentar as capacidades cognitivas, aumentando a reflexão de todos esses processos, ou seja, deixando-nos mais cientes da forma pela qual pensamos, como nos comunicamos ou do que fazemos juntos quando nos comunicamos. É uma espécie de continuação da principal força da inteligência humana, a capacidade de refletir, de olharmos para nós mesmos.

A noção de IC traz implícita a noção de interdependência, em diferentes aspectos. Lévy (2014) apresenta uma tabela como forma de organização das relações dessa interdependência entre o Real e o Virtual com os Seres, Coisas e Signos.

Quadro 1 Versão do autor, em língua portuguesa, da tabela apresentada por Lévy (2014)

Real e Virtual: Real é o que está no mundo material, o que possui localização

Redes de Redes de Redes de

SIGNOS SERES COISAS

VIRTUAL Conhecimento Ética Epoderamento

desenvolvimento Ciências Governança Competências

humano Artes Valores Coragem

Sabedoria Direitos / Obrigações Finanças

REAL Mensagens Pessoas Equipamentos

desenvolvimento Conteúdo Papéis Sociais Tecnologia

humano Comunicação Confiança Saúde

42 temporal e espacial; Virtual é o que não possui essa localização – por exemplo, a noção de justiça. A ideia de oposição que se faz entre real e virtual está equivocada. Na verdade, há uma interdependência entre a ordem do “tenho” do real e a ordem do “terás” do virtual.

A palavra virtual vem do latim virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar–se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes (LÉVY, 1996, p. 15).

A Inteligência Coletiva surge a partir da interdependência que ocorre entre o Real e o Virtual, entre as redes de Signos, Seres e Coisas e entre todos os aspectos apresentados no Quadro 1, de forma fractária, ou seja, pode-se sempre aprofundar e analisar mais complexidades nesses aspectos.

A ideia é que, no futuro, sejamos capazes de construir mapas de IC para todas as comunidades. Seremos também capazes de identificar as contribuições de comunidades diferentes para essa interdependência global, para que possamos ter o controle de nosso desenvolvimento. Como fazer crescer o desenvolvimento humano se não entendemos como ele funciona nem quais as relações entre os diferentes aspectos? Quais as contribuições interdependentes entre IC e a Educação? Qual a função de professores e professoras nessa complexidade?

Ao apresentar um conjunto de habilidades – na verdade, um ciclo de aprendizagem – a serem desenvolvidas por professores/as em seus/uas alunos/as, Lévy (2014) defende a ideia de que é necessária a esses/as professores/as a iniciação de seus/uas alunos/as no processo de IC, tornando-os/as capazes de contribuir com o bem comum, mesmo que de forma incipiente. Assim, torna-se possível aprender e ensinar com a IC, ou seja, as interações entre as pessoas são capazes de fazer não só que elas aprendam, mas também que compartilhem de seu aprendizado. Constitui- se uma ação recíproca, que nos obriga a reavaliar os conceitos de Educação, reformulando-os, para que tenham alunos/as e as TDICs como aliados à aprendizagem.

43 intelectuais mútuos; seus membros trabalham juntos para forjar novos conhecimentos, muitas vezes em domínios em que não há especialistas tradicionais; a busca e a avaliação de conhecimento são relações ao mesmo tempo solidárias e antagônicas (JENKINS, 2009, p. 48).

Para o gerenciamento de seu conhecimento pessoal, faz-se necessária a presença do/a professor/a para instruir o/a aluno/a em como fazer isso. No entanto, uma vez que ele/a sabe como fazê-lo, o aprendizado passa a acontecer por meio da participação no universo on-line. No entanto, há a necessidade de o/a aluno/a ser usuário/a ativo/a; caso não o seja, caso não haja participação crítica nessas conversas, ele/a simplesmente não aprende. Dessa forma ativa, além de aprender, ele/a ajuda outras pessoas a também aprenderem, já que outras pessoas podem acessar tudo o que foi feito e assim por diante.

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