• Nenhum resultado encontrado

2.5 INTELIGÊNCIA DE ENXAME

2.5.3 A INTELIGÊNCIA DE ENXAME NO CONTEXTO DA COMPUTAÇÃO NATURAL

A humanidade, no princípio de sua história, utilizava os recursos naturais para obter abrigo e alimentos. Rapidamente, o homem aprendeu a manipular a natureza, fazendo surgir a agri- cultura e a pecuária, e adquirindo a capacidade de construção de artefatos, de controlar o fogo, etc. Num segundo momento, tendo como objetivo explicar e entender como a natureza opera, a humanidade passou a observar e estudar os padrões e fenômenos biológios, físicos e quími- cos. Com isso, a capacidade humana de manipular a natureza foi potencializada: o entendi- mento das leis do movimento e da gravidade, por exemplo, permitiu a concepção e contrução de aeronaves, e, por meio do entendimento dos princípios básicos da vida, foi possível culti- var alimentos transgênicos e controlar epidemias (de Castro, 2007).

Naturalmente, ao estudar e observar os fenômenos naturais, o homem percebeu que na natu- reza há diversos comportamentos, processos, sistemas e fenômenos que realizam tarefas si- milares àquelas necessárias para a solução dos problemas complexos enfrentados pela huma- nidade. A natureza passa, então, a ser enxergada como uma fonte de inspiração para o projeto e a contrução de artefatos e sistemas. A Computação Natural corresponde a uma versão com- putacional desse processo de extração de ideias, a partir da natureza, para o desenvolvimento

de sistemas computacionais artificiais7, ou à utilização de materiais e mecanismos naturais pa- ra realizar computação (de Castro, 2007). Ideias extraídas de sistemas naturais já vêm sendo utilizadas com muito sucesso para o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas capazes de resolver problemas de complexidade elevada, cujas soluções eram, até então, desconhecidas ou inatingíveis.

A Figura 2.3 apresenta as três grandes áreas que constituem a Computação Natural8 (de Castro & Von Zuben, 2004; de Castro, 2005; de Castro, 2006; de Castro, 2007):

1. Computação Inspirada na Natureza (Computação Bioinspirada ou Computação Inspirada na Biologia). Uutiliza a natureza como fonte de inspiração para o desenvol- vimento de novas técnicas para a solução de problemas. A ideia principal dessa área é desenvolver ferramentas computacionais – algoritmos, tendo como inspiração fenô- menos e processos da natureza, com o objetivo de prover soluções para problemas complexos. Como exemplos, podem-se citar:

a. As Redes Neurais Artificiais, inspiradas nos neurônios (Haykin, 1999).

b. A Computação Evolutiva, inspirada na teoria da evolução das espécies (Bäck,

et al., 2000a; Bäck, et al., 2000b).

c. A Inteligência de Enxame, inspirada nos insetos sociais e outras sociedades de animais (Bonabeau, et al., 1999), (Kennedy, et al., 2001).

d. Os Sistemas Imunológicos Artificiais, inspirados na imunologia (Dasgupta, 1999; de Castro & Timmis, 2002).

e. Os Sistemas Nebulosos, inspirados na forma de pensar dos humanos (Jang, et al., 1997).

f. A Inteligência Artificial Simbólica, inspirada nos aspectos cognitivos e do ra- ciocínio humano (Russel & Norvig, 1995).

2. Síntese Computacional de Fenômenos Naturais. Envolve a utilização de mecanis- mos computacionais para a síntese de comportamentos naturais, padrões e processos similares (não necessariamente) àqueles conhecidos da natureza. Os resultados obtidos

7 A palavra "artificial" nesse contexto significa apenas que os sistemas são desenvolvidos por seres humanos, em

vez de serem resultantes de processos naturais.

8 No endereço http://lvcon.tuilux.com.br/ (acesso em 02/10/2012) está disponível o Laboratório Virtual em

Computação Natural, que possui, além de materiais conceituais sobre a Computação Natural, uma série de simu- lações que contemplam as suas três grandes áreas.

podem ser utilizados para mimetizar os fenômenos naturais correspondentes, o que é útil não apenas para ampliar o entendimento sobre como a natureza opera, mas tam- bém para alimentar abstrações que conduzam à construção de modelos computacio- nais. Dentro dessa área, as linhas de pesquisa de destaque são:

a. O estudo sobre Vida Artificial e organismos artificiais (Langton, 1988). b. A Geometria Fractal da Natureza9 (Falconer, 2003).

3. Computação com Materiais Naturais. Constitui um novo paradigma de computação no qual mecanismos naturais, tais como cadeias de DNA e bits quânticos, são utiliza- dos como “hardware” para o desenvolvimento de “computadores naturais”. Nessa área, os principais campos de investigação são:

a. A Computação Molecular (Ruben & Landweber, 2000). b. A Computação Quântica (Deutsch, 1992).

Figura 2.3: As Três Grandes Áreas que Constituem a Computação Natural – Computação Inspirada na Natureza, Síntese Computacional de Fenômenos Natureis e Computação com Novos Materiais Na- turais (Fonte: adaptada de de Castro (2007)).

Em síntese, a Computação Natural pode ser definida como um campo de pesquisa que, tendo

a natureza como elementro construtivo ou como inspiração, permite o desenvolvimento de novas ferramentas computacionais – software, hardware ou “wetware10”, para a resolução de problemas, podendo conduzir à síntese de padrões naturais, comportamentos e organis-

9 Simulações que utilizam a Geometria Fractal para simular o crescimento de plantas estão disponíveis no ende-

reço http://zool33.uni-graz.at/schmickl/Artificial_life/Growth_of_plants/growth_of_plants.html (acesso em 02/10/2012).

10 A palavra “wetware” é utilizada para descrever os protocolos e dispositivos moleculares utilizados em biologia

molecular e biologia sintética e, nesse contexto, faz alusão à Computação de DNA (Ruben & Landweber, 2000).

Computação Natural Computação Inspirada na Natureza Síntese Computacional de Fenômenos Naturais

Computação com Novos Materiais Naturais

mos, e podendo resultar na concepção de novos sistemas que utilizem materiais ou mecanis- mos naturais para realizar a computação (de Castro & Von Zuben, 2004; de Castro, 2005; de

Castro, 2006; de Castro, 2007).

A Computação Natural, cuja filosofia está resumida na Figura 2.4, é uma área de pesquisa inerentemente multidisciplinar e evidencia que a combinação dos conhecimentos construídos nas mais diversas áreas de investigação científica é uma premissa básica para que a vida (sua origem, seu desenvolvimento e seus mecanismos) seja mais bem compreendida, para que o estudo e a simulação de sistemas e processos naturais progridam e para que sejam alimentadas abstrações que conduzam à construção de modelos computacionais para a solução de proble- mas complexos de engenharia. Esse campo de pesquisa tem patrocinado a proposição de po- derosas ferramentas computacionais para a solução de problemas complexos em diversos campos de aplicação e também permitido a geração de novos paradigmas de computação (Paton, R., 1994; Yokomori, 2002; Paton, et al., 2003).

Para que a Computação Natural possa progredir, tendo todo o seu potencial explorado, faz-se necessária uma colaboração sinérgica entre físicos, engenheiros, químicos, biólogos, psicólo- gos, cientistas da computação e estudiosos de outros campos, de modo que ideias, aborda- gens, conceitos e conhecimentos sejam compartilhados e “misturados”.

Essa sinergia, além de introduzir novas ideias no âmbito da computação, engenharia e mate- mática, representa grandes benefícios para as ciências naturais, especialmente a Biologia, bem como para as Ciências Sociais e outras áreas do conhecimento: muitas ferramentas computa- cionais desenvolvidas a partir de ideias originadas da natureza e das Ciências Biológicas são aplicadas na solução de problemas dentro do próprio contexto das Ciências Naturais, como ocorre nos campos de investigação da Bioinformática e da Biologia Computacional (Attwood & Parry-Smith, 1999; Waterman, 1995).

É importante ressaltar que a pesquisa interdisciplinar apresenta dificuldades que são inerentes à própria ideia de interdisciplinaridade, não apenas em função da necessidade de serem cons- truídos conhecimentos sobre novos sistemas e conceitos, mas, especialmente, em função de que a interdisciplinaridade impõe a necessidade de o pesquisador se ajustar às tradições de pesquisa e comunicação de áreas distintas daquelas que constituem a sua formação. Assim, não é surpreendente que se estabeleça certa relutância, até que se construa uma linguagem comum que permita a troca efetiva de ideias entre as diferentes disciplinas. Para alguns, isso pode simplesmente representar um obstáculo. Para outros, entretanto, essa “dificuldade” cons-

titui um elemento de fascinação da Computação Natural.

Figura 2.4: A Filosofia da Computação Natural. A Computação Natural integra os estudos teóricos e experimentais da Biologia, da Física e da Química, combinando-os com observações empíricas dos fe- nômenos naturais e com conhecimentos de diversas outras ciências, de modo a permitir a síntese de fe- nômenos, o projeto de novas formas de resolver problemas, além da concepção de novos paradigmas de computação (Fonte: adaptada de de Castro (2007)).

A Computação Natural permite também a contrução de modelos abstratos da natureza que podem contribuir para a sua compreensão, bem como dos processos inerentes à vida: esses modelos conduzem a abstrações sobre como a natureza opera, alimentando não apenas as ci- ências naturais, mas também e, especialmente, a primeira das três grandes áreas que constitu- em a Computação Natural – a Computação Inspirada na Natureza.

A maioria das ferramentas computacionais com as quais a Computação Natural trabalha é ba- seada em abstrações simplificadas dos processsos e mecanismos presentes no fenômeno natu- ral correspondente. Há duas razões essenciais para isso (de Castro, 2007):

1. Primeiramente, simplificações são necessárias para que a computação envolvendo um grande número de entidades seja tratável.

2. Em segundo lugar, é vantajoso, especialmente em termos computacionais, destacar as características mínimas necessárias que permitam que alguns aspectos particulares de um sistema sejam reproduzidos e observar algumas propriedades emergentes. Isso

Síntese de Fenômenos Novas Formas de Resolver Problemas Novos Paradig- mas de Computação

Computação

Natural

Conhecimentos Multidisciplinares Observações Empíricas E st udo s E x p eri m en

ta

is

E st udo s T ri co s

simplifica a construção de ferramentas inspiradas na natureza, bem como a concepção de modelos para a sua síntese computacional.

Qualquer fenômeno natural é inerentemente complexo e permeado de detalhes e, mesmo que ele seja governado por um conjunto finito de regras, descobrí-las e entendê-las não é uma ta- refa trivial. Reproduzir essas regras com grande fidelidade é, portanto, uma tarefa complicada. Cabe, pois, ressaltar que a aceitação de um novo paradigma não é vinculada à sua fidelidade à fonte de inspiração ou ao fato de representar uma verdade absoluta, mas sim a dois aspectos fundamentais: a sua factibilidade e a sua utilidade (de Castro, 2001).

É claro que o nível apropriado de abstração e investigação está diretamente vinculado às ques- tões científicas a serem esclarecidas, ao tipo e complexidade do problema que se deseja resol- ver, ou ao fenômeno que se deseja sintetizar (de Castro, 2006). As regras comportamentais simples que governam o funcionamento de sociedades de insetos discutidas neste capítulo, por exemplo, bem como os princípios básicos da Adaptação Social do Conhecimento basea- dos na Teoria da Dissonância Cognitiva, são suficientes para que sejam criadas metáforas computacionais que levam à concepção de algoritmos e ferramentas úteis tanto para a resolu- ção de problemas complexos, quanto para a construção de simulações de sistemas biológicos no contexto da Vida Artificial.

A capacidade de resolução de problemas de certos sistemas naturais, ou biológicos, é conside- rável, podendo, em alguns contextos, ser equivalente ou até superior àquelas das estratégias tecnológicas equivalentes existentes na atualidade. Portanto, elucidar e aplicar um conjunto geral de princípios que governem o comportamento desses sistemas naturais pode levar ao de- senvolvimento de novas formas de engenharia (Wolfram, 1986).

A natureza fornece muitos exemplos de sistemas compostos por unidades simples, cuja inte- ração cooperativa e competitiva resulta num comportamento global complexo, como, por exemplo, colônias de insetos, o sistema imunológico e o sistema nervoso central. Uma das principais características desses sistemas é a robustez, expressa sob a forma de uma tolerância a pequenas perturbações em componentes individuais. Essa robustez engloba o princípio da distributividade, em que componentes (agentes) individuais do sistema contribuem de forma parcial para o desempenho global.

Esses exemplos oferecidos pela natureza reafirmam a capacidade de resolução de problemas de um Sistema de Enxame, reiterando também o quanto buscar inspiração na natureza é perti- nente para encontrar metáforas para a solução de problemas complexos de engenharia.