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SOCIEDADES DE INSETOS COMO ARQUÉTIPO PARA A CONCEITUALIZAÇÃO E O ESTUDO DA INTELIGÊN-

Numa sociedade de insetos não há administração, não há controle central (Hölldobler & Wilson, 2009). Esse fato fascina desde as pessoas que se interessam apenas pelos insetos até aquelas que estudam a natureza e a condição humana. Para nós, humanos, a ideia de uma or- ganização ativa e consistente sem que exista um mecanismo de comando central se apresenta como algo muito estranho, pois associamos o sucesso à gestão. É provável que sejam justa- mente os aspectos que tornam uma sociedade de insetos tão diferente das sociedades humanas os seus elementos de fascinação. Como nas sociedades de insetos não existe um controle cen- tralizado, nenhum inseto dá ordens a outros e tampouco os instrui a realizar alguma atividade segundo um comportamento específico. Nenhum inseto tem conhecimento sobre o que deve ser realizado para que, no âmbito da colônia, uma tarefa progrida. Os insetos, entre encontros e desencontros, cuidam de seus afazeres, percebendo-os apenas no contexto local delimitado pela sua individualidade (Gordon, 1999). Todavia, é justamente essa sucessão de pequenos eventos que cria um padrão responsável pelo comportamento coordenado das colônias. Esse

comportamento coordenado permite que os insetos, mesmo sem a utilização da razão, criem civilizações organizadas e estruturadas (Gadau & Fewell, 2009).

A vida é estruturada em camadas, de moléculas a ecossistemas, passando por células, órgãos, indivíduos e populações, e uma das questões centrais da biologia é entender como os eventos que se dão nesses diferentes níveis se relacionam (Gordon, 1999). Uma colônia de insetos é, essencialmente, uma concatenação de níveis de organização que, curiosamente, em função de duas razões principais, constitui um arquétipo para a compreensão da natureza e origem evo- lucionária da transição entre níveis de organização:

1. Transição entre níveis de organização. De organismo para superorganismo emerge uma transição entre níveis de organização, que ocorre quando a sociedade é, em fun- ção da ocorrência de processos emergentes e auto-organizados, fortemente vinculada por altruísmo e alocação de tarefas (Hölldobler & Wilson, 2009);

2. Simplicidade, abertura e tratabilidade experimental. Essa tratabilidade experimen- tal permite que hipóteses sejam testadas, especialmente aquelas relacionadas aos pro- cessos emergentes e auto-organizados, além de promover a geração de ricos conjuntos de dados para apoiar o desenvolvimento de modelos matemáticos e simulações com- putacionais mais realísticos (Gadau & Fewell, 2009): os entomologistas, ao contrário dos pesquisadores que estudam o comportamento social de primatas e pássaros, por exemplo, não precisam passar meses ou anos em localidades remotas para construir uma base de dados rica e consistente; colônias de formigas e de abelhas de muitas es- pécies, por exemplo, quando retiradas do ambiente e levadas para ninhos artificiais simples em laboratórios, rapidamente recuperam o seu repertório normal de compor- tamentos sociais (Gadau & Fewell, 2009).

A Sociobiologia é um ramo da biologia que estuda o comportamento social dos animais, utili- zando conceitos da Etologia, da Evolução, da Sociologia e da Genética de Populações (Wilson, 1975). No contexto do estudo dos insetos, a Sociobiologia amadureceu de forma considerável nos últimos anos. As teorias da Auto-organização (Camazine, et al., 2001) e dos

Sistemas Complexos (David, 1987), em conjunto com os resultados dos diversos experimen-

tos realizados por biólogos, revolucionaram o entendimento dos aspectos organizacionais das sociedades de insetos e até mesmo das sociedades humanas (Gadau & Fewell, 2009).

Atualmente, a Sociobiologia dos insetos é centrada na hipótese de que uma colônia é um sis- tema complexo, que é aquele em que unidades bastante simples geram um comportamento

global que extrapola a soma dos seus comportamentos individuais. Essa abordagem faz com que os insetos sociais constituam um framework teórico e empírico para a compreensão da complexidade social, especialmente nas áreas da Auto-organização e Emergência, em que as propriedades e os fenótipos gerados pela interação dinâmica dos membros do grupo, bem co- mo os mecanismos pelos quais essa interação dinâmica ocorre, são examinados.

Como a Sociobiologia utiliza uma grande variedade de abordagens para a criação de modelos para os diversos aspectos do comportamento de animais sociais, ela representa um verdadeiro esforço de pesquisa interdisciplinar, permitindo que metodologias e ideias sejam compartilha- das entre os pesquisadores das diferentes disciplinas envolvidas. Como exemplo, pode-se citar a Teoria de Redes (Albert & Barabasi, 2002), particularmente o “efeito de mundo pequeno” (Newman, 2002), que foi estabelecida na Matemática e na Sociologia e é atualmente aplicada no estudo dos padrões de interações em grupos sociais de animais (Fewell, 2003; Couzin, et al., 2005).

A própria complexidade dos modelos utilizados na Sociobiologia teórica forçou os biólogos a interagirem com matemáticos, engenheiros e cientistas da computação, enquanto a complexi- dade dos sistemas artificiais concebidos pelo homem instigou os engenheiros, matemáticos e cientistas da computação a buscarem inspiração para a resolução de problemas em sistemas biológicos com semelhantes níveis de complexidade. Essa interação introduziu não apenas novas ideias à Biologia, particularmente aos estudos da organização das sociedades de inse- tos, mas também novas ferramentas, como simulações baseadas em indivíduos1, além de ou- tras técnicas matemáticas e de computação (Gadau & Fewell, 2009).

Considerando-se os pontos de vista da Ciência da Computação e da Engenharia, já se tem consolidada a percepção de que os insetos sociais evoluíram soluções para alguns problemas complexos, como o forrageamento, cujas características, dentre as quais merece destaque a necessidade de encontrar uma solução ótima (ou pelo menos satisfatória) utilizando-se apenas informações locais e imprecisas (Mallon, et al., 2001), são, em muitos aspectos, semelhantes àquelas dos problemas encontrados nesses campos.

1 No endereço http://zool33.uni-graz.at/schmickl/index.html (acesso em 01/10/2012) está disponível uma coleção

de simulações e modelos biológicos.

Dentre as diversas ferramentas computacionais e de engenharia inspiradas no comportamento de forrageamento, podem ser destacadas:

1. Aplicação de um algoritmo baseado no forrageamento de formigas controlado por fe- romônio para roteamento em redes de telecomunicações (Dorigo & Stützle, 2004); 2. Controle descentralizado de migração de processos em redes de computadores, tendo

como inspiração o comportamento de formigas do gênero Temnothorax albipennis (Marshall, et al., 2006);

3. Agrupamento (Lumer & Faieta, 1994); 4. Alocação de tarefas (Bonabeau, et al., 1999); 5. Job Shop Scheduling (Cicirello & Smith, 2004);

6. Agentes de software (Parunak, 1997; Weiss, 1999);

7. Otimização de redes de comunicação (DiCaro & Dorigo, 1998); e 8. Robótica coletiva (Brooks & Flynn, 1989; Krieger, et al., 2000).

Ao se estudar o comportamento dos insetos, busca-se descobrir como cada um deles decide o que fazer e de que maneira isso contribui para as realizações das colônias. Cada inseto é um ser distinto, que tem a liberdade de se movimentar como quiser, mas nada do que ele faz tem sentido fora do contexto da colônia (Costa, 2006).

É difícil conceber o modo como uma colônia de insetos opera: além de seu comportamento ser complexo, construído por uma infinidade de ações de indivíduos, a reunião de todos esses pequenos eventos faz emergir uma dinâmica completamente diferente daquela de qualquer outra sociedade conhecida. Fica, pois, a questão: se os insetos não podem ser entendidos co- mo uma sociedade inteligente em escala reduzida, como um grupo de indivíduos tão simples consegue construir uma colônia tão organizada e eficiente? Essa questão remete a outra, mais elementar: como os insetos podem reagir a eventos locais de maneiras simples de forma que, coletivamente, seja definido o comportamento complexo da colônia? Questões como essa são onipresentes na Biologia (Gordon, 1999):

• Como os neurônios reagem de forma a produzir pensamentos?

• Como as células reagem de modo a produzir diferentes tecidos em um embrião? • Como as espécies interagem para produzir mudanças (previsíveis) ao longo do tempo

As respostas para essas questões permitirão que, a partir de diferentes campos da ciência, os processos complexos – especialmente no âmbito dos seus resultados, de células a ecossiste- mas, quando vistos em ação, sejam percebidos como semelhantes, o que facilitará a sua com- preensão.

Os insetos sociais permitem o entendimento, mesmo que por analogia, de um fato geral sobre como a natureza opera: qualquer sistema de unidades que careçam de identidade ou atividade próprias, cujo comportamento decorra das interações desses componentes, tem algo em co- mum com as colônias. É inclusive provável que os mesmos tipos de relações que vinculam in- setos e colônias permitam aos neurônios produzir o comportamento dos cérebros e a um gran- de número de células diferentes produzirem respostas imunes consistentes (Gordon, 1999). A principal lição que se pode aprender com os insetos é que, para compreender um sistema como o deles, não é suficiente desagregá-lo. O comportamento de cada unidade decorre de suas interações com o resto do sistema. Considerando-se essa hipótese, essas interações, em diferentes situações, devem ser rastreadas, para que se possa compreender como os compo- nentes produzem a resposta global do sistema (Costa, 2006).

Todos os sistemas naturais que funcionam como colônias de insetos podem ter processos par- ticulares em comum. Entretanto, conforme cresce o aprendizado sobre esses sistemas, cresce também a probabilidade de que sejam descobertas diferenças. Compreender qualquer sistema natural é, na verdade, entender os seus detalhes e são justamente os detalhes que tendem a tornar único qualquer sistema. Porém, ainda assim é interessante especular sobre a generali- dade dos padrões de comportamento e fluxo de informação em sistemas naturais: as formigas, as abelhas, as vespas e os cupins são os organismos não-humanos mais socialmente avança- dos de que se tem conhecimento, possuindo, portanto, muito a ensinar (Gordon, 1999). Esses organismos mostram como é possível transmitir mensagens complexas utilizando-se feromô- nios e como algoritmos comportamentais flexíveis podem promover a alocação de tarefas e otimizar a eficiência de um grupo de trabalho, constituindo inspirações em diversos sentidos e em diversas áreas do conhecimento (Pratt & Sumpter, 2006; Pratt, et al., 2005).

A Inteligência de Enxame emerge quando dois ou mais indivíduos com capacidade individual limitada, de forma independente ou parcialmente independente, adquirem informações. Esses diferentes pacotes de informação são combinados e processados por meio de interações soci- ais, fazendo surgir um comportamento coletivo inteligente que permite a construção de uma

solução para um problema de uma forma que não é passível de ser realizada por indivíduos isolados (Krause, et al., 2009).

Levando-se em conta o que foi discutido nesta seção, fica evidente que a complexidade social de uma colônia de insetos resulta da interação dinâmica entre os insetos que, por meio de inte- rações sociais, combinam e processam as informações obtidas por cada um. Assim, os insetos sociais constituem um framework teórico e empírico para a compreensão da complexidade social, permitindo a observação de processos auto-organizados e emergentes, constituindo, portanto, um arquétipo para a conceitualização e o estudo da Inteligência de Enxame.