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Intenção do assediador

2. Aproximação ao conceito jurídico: elementos característicos:

2.4 Intenção do assediador

No que concerne à exigência de um elemento volitivo ou da intenção do agressor, a doutrina diverge, “ (…) para alguns autores o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas (…) ”204.

Partindo do conceito social de assédio moral, o elemento teleológico, percebido como a intenção de expulsar da organização de trabalho ou de prejudicar a vítima, é elemento próprio do fenómeno em causa205.

Em sentido diverso, há ainda quem considere como caraterística essencial do conceito, para além da intenção de levar a vítima a desocupar o seu posto de trabalho, a finalidade acrescida de a humilhar e desprezar, ou, o dolo específico206.

Trazendo à colação, HEINZ LEYMANN, o autor defende, por exemplo, que o único propósito do assediador é que a vítima acabe por deixar o seu local de trabalho207. Por sua vez, MARIE-FRANCE HIRIGOYEN considera como objetivo do assédio moral no local de trabalho não é só o despejo da vítima da organização mas também a deterioração do ambiente de trabalho208.

No quadro da psicóloga, IÑAKI PIÑUEL Y ZABALA carateriza o assédio moral como tendo o “ (…) objetivo intimidar, menosprezar, diminuir, amedrontar, e consumir emocionalmente e intelectualmente o indivíduo, a fim de satisfazer a necessidade insaciável de atacar, controlar e dominar do assediador, que se aproveita de uma

204 Vide, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, Direito do Trabalho …, ob., cit., p. 436. 205

Identicamente, RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 84 e 85.

206 Cfr., RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 86. 207

Nas palavras de HEINZ LEYMANN, “ (…) The scientific definition of the term mobbing thus refers to a social interaction, through

which one individual (seldom more than one) is attacked by one or more (seldom more than four) individuals on almost a daily basis and for periods of many months, forcing the person into an almost helpless position with a potentially high risk of expulsion”

disponível em http://www.leymann.se/English/frame.html.

208 Vide, MARIE – FRANCE HIRIGOYEN, “ Assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, fala,

comportamento, atitude...) que afetam sua repetição e sua dignidade sistematização ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, utilizando-se ameaçando o uso dele ou ambiente de trabalho degradante” vide Comprendre et Combattre les Violences Psychologiques, disponível em http://www.mariefrance-hirigoyen.com/fr/harcelement-moral-au-travail (13.11.2013).

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situação organizativa (reorganização ou redução de custos, burocratização, mudanças rápidas, etc...) para canalizar seus impulsos e tendências psicopatas”209.

Por sua vez, MOLINA NAVARRETE recostando-se numa conceção de assédio moral mais amplo, expõe que o intuito do comportamento assediador pode ser alcançar a estigmatização e o isolamento da vítima, fazendo-a perder a sua reputação profissional e a sua autoestima, bem como para poder atestar as suas “vantagens competitivas” de um estilo de gestão autoritário, certificando o seu poder, ou ainda provocar a sua demissão por uma forma alternativa, criando a aparência de autoexclusão, expulsão encapotada ou demissão provocada210.

Assim podemos aferir que, parte dos teóricos não conseguem concretizar uma situação como se de assédio moral se tratasse quando se afasta a intencionalidade ofensiva do comportamento do assediador, mesmo que esta seja a expulsão da vítima do local de trabalho, a deterioração psicológica desta ou a deterioração do ambiente de trabalho. Melhor dizendo, estas correntes salientam o teor psicológico ou subjetivo da noção de assédio moral no local de trabalho.

No que concerne à expulsão da vítima do local de trabalho, como única finalidade dos comportamentos ofensivos praticados pelo assediador, não entendemos que este seja o requisito ou elemento essencial da noção jurídica de assédio moral.

Deste modo, ainda que em grande parte dos casos de assédio moral a intenção do empregador seja que a vítima abandone o local de trabalho sem custos para a empresa, outros casos existem em que os comportamentos assediadores miram outros desfechos que não a autoexclusão ou o despedimento.

Neste sentido, RITA GARCIA PEREIRA, refere que “ (…) se as intenções do sujeito ativo são, na maioria, as de conseguir a saída da vítima, verificam-se casos em que se manifestam outros propósitos lesivos contra a autoestima ou a dignidade do trabalhador, sem que sejam obrigatoriamente condutas dirigidas em exclusivo ao despedimento indireto deste, mas, ao invés, à sua “neutralização” dentro da empresa,

209 Cfr., IÑAKI PIÑUEL Y ZABALA, Mobbing, la Lenta y Silenciosa Alternativa al Despido, la Nueva plaga Laboral del Siglo XXI,

disponível para consulta em http://translate.google.pt/translate?hl=pt-PT&sl=es&u=http://www.mobbing.nu/pinnuel-2003- lalentaysilenciosa.rtf&prev=/search%3Fq%3DMobbing,%2Bla%2Blenta%2By%2Bsilenciosa%2Balternativa%2Bal%2Bdespido,%2Bla %2Bnueva%2Bplaga%2Blaboral%2Bdel%2Bsiglo%2BXXI,%26biw%3D1209%26bih%3D553 (13.11.2013).

210 Assim, CRISTOBAL MOLINA NAVARRETE, "Violencia Moral" en el Trabajo: Conducta Prohibida y Formas de Tutela en los

Derechos Europeos, Mobbing Opinion, Boletín de 132, noticias sobre Acoso Psicológico, disponível para consulta em http://mobbingopinion.bpweb.net/artman/publish/article_610.shtml (13.11.2013).

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seja como profissional reputado, seja como rival, podendo até falar-se de descargas

emocionais do assediador, sem qualquer intenção de sujeição da vítima”211.

Por outro lado, se consideramos como pressuposto do conceito jurídico de assédio moral que a intenção do sujeito ativo seja a de que a vítima desocupe o seu posto de trabalho tal teria de ser provado em sede de julgamento, o que imporia que a vítima antecipadamente desocupasse o seu posto de trabalho e só depois pudesse intentar a respetiva ação judicial, sob pena de não conseguir fazer prova do alegado e muito menos poder invocar o assédio moral212.

No que respeita à destruição psicológica da vítima, como compreendemos, a corrente psicológica concentra a sua tónica no dano psicológico, sustentando que uma dos objetivos do assédio moral é a destruição emocional e psíquica da vítima que a incita o abandono do posto de trabalho. Contudo, este requisito da intenção do sujeito ativo como sendo a de destruir psiquicamente a vítima não é relevante para o direito.

Conquanto, quer o provável dano psíquico praticado na vítima, quer o eventual abandono do posto de trabalho por parte desta, constituem meras consequências e, como tal, não devem integrar o conceito jurídico de assédio moral, apenas podem ter importância para efeitos de indemnização213.

Importa ressalvar, que não é a maior ou menor resistência psicológica ao assédio moral que deve prescrever quem pode, ou não, invocar o fenómeno em análise.

Por outras palavras, o que deve revelar para o Direito, como requisito essencial para a existência de uma situação de assédio moral, não é a intenção do sujeito ativo em querer provocar na vítima um dano psíquico que a leve a sair do seu posto de trabalho, pois isso seria muito redutor, uma vez que algumas pessoas dotados de maior resistência psíquica podem não sofrer qualquer dano psicológico e continuarem no seu posto de trabalho, ainda que ofenda na sua dignidade enquanto pessoa humana devido aos comportamentos assediantes214.

Reconhecemos que deve relevar para o Direito é a potencialidade lesiva do ato do assediador e não a sua intencionalidade lesiva, ou seja, a intenção ou o objetivo do

211 Vide, RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 101.

212 Assim, MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, ob., cit., p. 107 e 108. 213 Identicamente, MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, ob., cit., p. 109. 214 Vide, as críticas da tipificação em RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 98 e 99.

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assediador não deve entrar na equação quanto à existência do fenómeno em análise. Vejamos, em primeiro lugar, porque o obstáculo de prova da intenção é excessivamente complicado215, por outro lado, o que é juridicamente importante é a efetiva lesão da dignidade da pessoa humana, além de ser esta, ou outra, a intenção do assediador.

Apesar de a intenção de causar um dano esteja patente no conceito clínico de assédio moral, do ponto de vista legal é essencial, a objetivação dos comportamentos constitutivos de assédio moral, mesmo entre os autores e as decisões judiciais que criam o elemento estrutural da intencionalidade do fenómeno. Por sua vez a intenção é obtida através de provas objetivas e não da análise psicológica do comportamento do sujeito ativo216.

Acolhendo a linha de pensamento de GUILHERME DRAY, entendemos que o conceito jurídico de assédio moral deve compreender “ (…) não apenas as hipóteses em que se vislumbra na esfera jurídica do empregador o objetivo de afetar a dignidade do visado, mas também aquelas em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Neste sentido, o assédio moral é a “ (…) prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respetivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, (…), a qual tem por objetivo ou como efeito afetar a dignidade do visado (…) ”217.

Face a todo o exposto, podemos concluímos que, é fundamental uma análise objetiva e integral dos comportamentos praticados pelo assediador que, para além de se repetirem e prolongarem no tempo, possuem como objetivo ou efeito a ofensa da

215 Neste sentido, RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 97. 216

INSTITUTO DE ESTUDIOS LABORALES (IEL), “ (…) No es posible por tanto trasladar sin mas al ámbito jurídico el concepto clínico

de acosso moral fundamentalmente porque el concepto psicológico o psiquiátrico de acoso moral se construye en torno a la producción del daño psicológico, sus causas y consecuencias, y en cambio, desde el punto de vista jurídico, la conducta de hostigamiento psicológico es reprochable per se, en la medida en que supone un atentado contra la integridade moral y la dignidad del trabajador, com independencia de la producción efectiva de un daño psicológic.”, in Calidad del Trabajo en la Europa

de los Quince, El Acoso Moral, Informe Randstad, ESADE – RANDSTAD, Randstad work solutions, p. 32, disponível para consulta em http://www.mobbing.nu/estudios_randstad_2003.pdf (13.11.2013).

217 Vide, anotações de GUILHERME DRAY in PEDRO ROMANO MARTINEZ LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, PEDRO

MADEIRA BRITO, GUILHERME DRAY; LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 188.

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dignidade do visado, ou, ainda a criação de um ambiente hostil, vexatório, e degradante218.

Se porventura, afastarmos as pretensões do assediador da definição de assédio moral torna-se mais simples aferir da existência de uma situação de assédio pois parte- se do resultado, a violação da dignidade da pessoa humana, para tal averiguação.

Entendemos assim que se deve desatar da noção jurídica de assédio moral o elemento subjetivo intencional uma vez que não é a intencionalidade lesiva do comportamento abusivo necessário para que a situação ganhe importância jurídica, é necessário apenas, que se considere a potencialidade lesiva do mesmo, procedendo à análise objetiva dos atos, já que tais comportamentos por si só conjeturam uma violação da dignidade da pessoa humana, para se classificar uma situação como sendo de assédio moral no local de trabalho.

Parafraseando RITA GARCIA PEREIRA, no conceito de assédio moral, “ (…) não deve atender-se à intencionalidade concreta do agente ativo para se valorar se se produziu um efetivo e continuado ataque à dignidade do trabalhador mas antes à

conduta propriamente dita, considerada de forma objetiva”219.

Deste modo, aferimos que o assédio moral no local de trabalho consiste na soma de diversos atos que se repetem por um período mais ou menos prolongado no tempo220 que, além da intenção do assediador ou das sequelas que estes atos tenham originado, ofende a dignidade da pessoa humana ou, por sua vez, cria um ambiente de trabalho hostil e degradante.