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O assédio moral: artigo 24.º do Código de Trabalho de 2003

4. O assédio moral

4.2 O assédio moral a nível nacional

4.2.2 O assédio moral: artigo 24.º do Código de Trabalho de 2003

Nesta contextualidade, só com o Código de Trabalho de 2003 é que a figura em análise foi consagrada no seu artigo 24.º641, preceito este enquadrado na subsecção destinada à “Igualdade e não discriminação”.

A disposição para a qual remete o n.º 2 do artigo 24.º consagrava que “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”642.

Apesar do reconhecimento expresso da figura do “Assédio” na lei portuguesa, tal previsão se afigurava redutora a vários níveis643.

Destarte, a terminologia adotada pelo legislador, “Assédio”, não fazendo referência ao “Assédio Moral”, é já censurável e faz adivinhar a inexistência de um regime jurídico específico para o tratamento do fenómeno.

Acresce que, no artigo 24.º, n.º 2, não foi dada uma definição legal de “Assédio” mas, antes, uma noção ampla do que constitui assédio recorrendo à técnica

639 Projeto-lei n. º 334/VIII. 640

Lei n.º 99/2003, de 27 de Fevereiro.

641 Artigo 24.º Assédio, N.º 1 “Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador. N.º 2- Entende-se por

assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos fatores do n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou efeito de afetar a dignidade da pessoa humana ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante ou desestabilizador. N.º 3 - Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referidos no n.º anterior”.

642 Artigo 23.º do C.T., de 2003.

643 ANA TERESA VERDASCA, ANTÓNIO GARCIA PEREIRA, Assédio Moral no Local de Trabalho: O Caso do Sector Bancário Português,

Instituto Superior de Económica e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa, Socius Working Papers, n.º 9/2011, disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/WP_9_2011.pdf (20.03.2014), p. 7.

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jurídica da “cláusula geral”, a ser depois concretizada e desenvolvida pela Doutrina e pela Jurisprudência, através da ponderação dos casos concretos644.

A respeito dos sujeitos parte da relação de assédio, o legislador ordinário não se pronunciou sobre as diferentes modalidades ou tipos do fenómeno classificadas em função da identidade do sujeito ativo, porém, fez referência expressa ao trabalhador ou candidato a emprego como sujeitos passivos de assédio, à semelhança do que se passa na legislação laboral francesa.

Nesta medida, retira-se, que o sujeito ativo será sempre a entidade patronal ou o superior hierárquico da vítima e exclui-se a existência de assédio moral horizontal, aquele que é estabelecido entre colegas de trabalho, e de assédio moral vertical ascendente que, ainda que menos provável, deve ser ponderado.

Outro aspeto negativo presente neste preceito legal diz respeito à inexistência de uma medida que proteja aqueles que testemunhem e relatem a situação de assédio, ao invés do que se passa na lei laboral francesa, impedindo que venham a ser sancionados.

Este aspeto reflete uma falha inaceitável pois como se sabe o assédio moral é composto por condutas subtis e ardilosas e, por isso, na maioria das vezes a prova testemunhal é essencial para se aferir da existência do fenómeno, como tal será necessário que a lei ofereça às testemunhas a segurança necessária para que não sejam coagidas a não testemunhar.

A respeito da avaliação da conduta assediante, o legislador português parecia querer aludir “que cabe à vítima, de acordo com a impressão, princípios e reação particular, determinar se certa conduta é ou não, para si ofensiva, considerando ainda a realidade social da sociedade ou comunidade da época em que se insere, pelo que, um mesmo comportamento, dependendo das circunstâncias, pode ou não afetar a dignidade”645.

Nesta medida, o carácter indesejado do comportamento era essencial para que o artigo 24.º atuasse. Contudo, existem condutas que dependendo do ambiente em que estão inseridos podem não concretizar uma prática de assédio moral, por

644 RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 196, entende que a definição de assédio recorrendo a uma cláusula geral pareceu ser a opção

mais acertada uma vez que uma definição legal do fenómeno se apresentaria demasiado redutora perante a realidade dos factos já que o assédio moral se materializar sob as mais diversas formas.

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exemplo, quando a entidade patronal, com pouca polidez, tem o hábito de proferir palavrões sem que tenha o efeito de atingir os trabalhadores.

Na verdade, ainda no que às condutas diz respeito, não tendo o legislador ordinário feito qualquer distinção, apreendemos que o comportamento assediante tanto se poderia manifestar através de ações ou omissões, manifestando-se, assim, num comportamento ativo ou omissivo646.

Relativamente à letra da lei, o artigo 24.º n.º 1647 aludia no sentido de que todo o assédio, pensa-se que similarmente o assédio moral, é discriminação, o que faz levantar a questão de se saber se o norma, por si só, pretendia proteger unicamente as vítimas de assédio moral discriminatório, ou se conferia também proteção às vítimas de assédio moral não discriminatório648.

Desta forma, o Código do Trabalho de 2003 não contemplava diversas condutas e práticas de assédio que não se apoiassem num fator discriminatório entre trabalhadores, pois, ao considerando que todo o assédio é discriminação negligenciou o facto de que muitos dos comportamentos que constituem assédio moral no trabalho poderem não ter nenhum intuito discriminatório, visando, pura e simplesmente, hostilizar a vítima com o objetivo de que, por exemplo, esta desocupe o local de trabalho649.

Nesta conformidade, o legislador de 2003 tratou somente de uma das modalidades de assédio moral, o assédio discriminatório, omitindo aqueles casos em que, por exemplo, a entidade patronal tem a seu cargo apenas um trabalhador e mesmo assim assedia-o moralmente com o intuito que este abandone o local de trabalho.

E, também, aquelas situações de assédio moral horizontal nas quais um trabalhador assedia outro colega de trabalho por, pura e simplesmente, se sentir amedrontado pelo facto de aquele ser mais capaz profissionalmente, sem que exista, desde logo, qualquer intuito discriminatório baseado no estado civil, ascendência,

646

SÓNIA KIETZMANN LOPES, ob., cit., p. 260.

647 Código do Trabalho de 2003. 648

Sintetizando as palavras de SÓNIA KIETZMANN LOPES, o legislador, naturalmente influenciado pelos normativos comunitários, designadamente pela Diretiva 2000/43/CE, Diretiva 2000/78/CE e especialmente pela Directiva76/207/CEE, de 9 de Fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva n.º 2002/73/CE, ao incluir o preceito na Subsecção da “igualdade e não

discriminação”, remetendo na noção de assédio para comportamentos baseados em fatores de discriminação estatuídos no artigo

23.º, no artigo 24.º, n.º 2 do Código do Trabalho limitou a figura, tratando o fenómeno em causa apenas na numa das suas vertentes, o assédio discriminatório, não apontando no mesmo sentido do conceito de assédio moral trabalhado pela Jurisprudência e Doutrina.

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idade, sexo, capacidade de trabalho reduzida, orientação sexual, situação familiar, património genético, nacionalidade, religião, origem étnica, convicções políticas, ideológicas ou filiação sindical.

Na esteira do legislador comunitário na Diretiva n.º 76/207/CEE com a redação que lhe foi dada pela Diretiva n.º 2002/73/CEE, o Código do Trabalho apresentou todo o assédio como uma forma de discriminação que arroga duas modalidades, o assédio moral discriminatório sobre trabalhador ou candidato a emprego, cuja conduta de assédio é fundada num dos fatores de discriminação indicados no artigo 23.º, n.º 1650, e o assédio sexual, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis têm conotação sexual, podendo assumir forma verbal, gestual ou física651652.

Destarte, no que diz respeito ao assédio moral não discriminatório, não sendo este protegido pelo princípio da não discriminação, não foi inserido no artigo 24.º, o que nos leva a verificar que o assédio moral no local de trabalho considerado em toda a sua amplitude não se encontrava projetado no Código do Trabalho.

Uma outra nota, refere-se ao facto de o artigo 24.º do Código do Trabalho de 2003 não fez referencia à continuidade ou reiteração das condutas assediantes como elemento essencial do tipo “Assédio”, o que “poder-se-ia ser levado a considerar que bastaria um único ato para que se desse por verificada a previsão, o que é reforçado

pelo facto de se admitir a existência da figura aquando do acesso ao emprego”653.

Esta opção do legislador afastar este requisito para a verificação do fenómeno em estudo é criticável porque parece indicar que bastará um único ato isolado, para que seja considerado assédio moral e, por outro lado, o artigo 24.º, n.º 2 ao ampliar a situação de assédio aos casos de acesso ao emprego fortificou a ideia de que o

650

Cfr., artigo 24.º, n.º 1 e n.º 2 do C.T.

651 Cfr., artigo 24.º, n.º 1 e n.º 2 do C.T.

652 Neste âmbito a figura do assédio sexual, a Doutrina e a Jurisprudência dividem-se, por um lado, há quem julgue esta figura

como sendo uma realidade distinta da figura do assédio moral, por outro lado, há quem entenda que o assédio sexual é mais uma das modalidades do conceito mais vasto de assédio moral. Para RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 182 e 183, por exemplo, não distingue em absoluto as duas figuras e, desta forma, inclui as condutas características do assédio sexual na mesma classe de comportamentos que consubstanciam o assédio moral, sustentando que em ambos os casos o direito à dignidade humana é ofendido, que um e outro criam um ambiente de trabalho humilhante, hostil e intimidatório e, até, que os dois fenómenos podem produzir danos emocionais e físicos. Neste contexto, entendemos, ao lado de parte da Doutrina, o assédio sexual como uma figura distinta do assédio moral, uma vez que aquele abrange condutas de conteúdo sexual, de carácter físico ou palavras e insinuações que visam o envolvimento sexual com a vítima, o que não se passa no caso de assédio moral. Acresce que, o assédio moral tem como elementos característicos a reiteração e o prolongamento no tempo das condutas assediantes, ao passo que no assédio sexual estes requisitos não são essenciais, pode bastar um único comportamento para que este se verifique e adquira relevância jurídica. Apesar de muitas vezes uma situação de assédio sexual resultar em assédio moral quando, por exemplo, a vítima não cede às investidas de cariz sexual do assediador e este inicia um processo de assédio moral dirigido o sujeito passivo como forma de represália, e não se afastando, ainda, as hipóteses de uma situação de assédio moral se transformar em assédio sexual, quando as condutas passam a ter conteúdo sexual ou tendem o relacionamento íntimo com a vítima, continuamos, assim, a perceber os dois fenómenos como figuras jurídicas distintas.

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fenómeno poderia se verificar sem estar assente na repetição de comportamentos assediantes654.

Para sintetizar, poderíamos referir que o artigo 24.º, n.º 2 não é suficientemente claro relativamente a este requisito da reiteração e da sistematização dos comportamentos para a verificação de uma situação de assédio moral no local de trabalho, deixando a cargo da Jurisprudência e da Doutrina o adimplemento desta lacuna, que, têm entendido o assédio moral como um fenómeno que é composto por condutas hostis que se repetem.

Destrate, só do exame concreto de cada caso e das condutas que o compõe observadas no seu conjunto se revelará a existência ou não de uma situação de assédio moral no local de trabalho.

Mas nem todo o preceito é criticável, merecendo louvores relativamente à parte disjuntiva que estabelecia “ com o objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador”655.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana serve de fundamento tanto ao direito à igualdade e não discriminação como a qualquer outro direito fundamental suscetível de ser afetado no caso de assédio moral, como seja o direito à integridade física e moral, à imagem, o direito ao bom nome e à reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, entre outros.

E outrossim, o artigo 24.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, revelou-se preocupado com a dificuldade que existe na prova da intenção do agente assediador em afetar a dignidade do assediado.

Assim, exigia-se de forma alternativa a prova da intenção do assediador, quando se lê “com o objetivo”, ou a verificação de uma situação de assédio pelo resultado, na parte que determina “ou o efeito”656.

654 O legislador deveria ter sido mais claro, fazendo distinção entre os casos regra de assédio, que se desenvolvem durante o

cumprimento do contrato de trabalho e que dependem, obrigatoriamente, do requisito da repetição das condutas assediantes e do seu prolongamento no tempo para que se verifiquem, da exceção, que recebemos de bom grado, que será aceitar como assédio uma situação pontual de ataque à dignidade humana aquando do acesso ao emprego. Não o fazendo, da interpretação literal do artigo 24.º, n.º 2 do C.T., 2003, quando se refere a “todo o comportamento”, apenas podemos aprontar que o conceito de assédio avançado afastava o elemento de reiteração das condutas assediantes, o que acabará na confusão do evento com meros conflitos pontuais, habituais e característicos da relação laboral, o que poderá reconduzir à banalização do fenómeno.

655 Vide, artigo 24.º, n.º 2 in fine do Código do Trabalho de 2003.

656 Nesta conformidade vide, MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, ob., cit., p. 214. Mas em sentido oposto RITA GARCIA

PEREIRA, ob., cit., p. 200 “Onde o dispositivo legal ora em análise nos merece mais críticas é quanto à exigência de preenchimento

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Nesta conformidade, a intenção ou a finalidade do sujeito ativo em molestar o trabalhador não é requisito indispensável para que se verifique uma situação de assédio moral no local de trabalho, chegando o resultado produzido, ou seja, a ofensa da dignidade humana ou a criação de um ambiente intimidativo, degradante, hostil, humilhante ou desestabilizador, para que exista assédio moral no ambiente de trabalho657.

A opção do legislador ordinário em considerar que existe assédio moral mesmo quando não há intenção do assediador em afetar a dignidade do trabalhador ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, foi bem aceite pela Doutrina maioritária658, uma vez que desonerou o assediado da prova da intencionalidade do comportamento indesejado.

No que concerne ao efeito lesivo, a lei positivou em termos alternativos dois resultados possíveis, ou a violação da dignidade da pessoa ou a criação de um ambiente intimidativo, degradante, hostil, humilhante ou desestabilizador.

Como já foi referido, aprova-se a inclusão do bem jurídico lesado como sendo o da dignidade da pessoa, já que este se apresenta como a pedra de toque de todos os valores do ordenamento jurídico estabelecendo a ligação com os direitos fundamentais violados pela prática de assédio moral.

No entanto, o legislador ordinário limita a norma a uma única modalidade de assédio moral, a discriminatória. Nesta medida, ao lado de RITA GARCIA PEREIRA659, resta-nos suscitar a questão de saber porque não é feita nenhuma alusão ao direito à igualdade, já que por razões de mera lógica era o que faria mais sentido.

Acresce o facto de a lei consagrar duas possibilidades alternativas no que toca ao efeito lesivo, que reduz, a dificuldade na prova dos factos em sede de julgamento, uma vez que abrange um maior número de comportamentos assediantes, todos os comportamentos que afetem ou sejam suscetíveis de afetar a dignidade da pessoa ou de criar um ambiente de trabalho prejudicial660.

intencionalidade malévola e como o efeito lesivo. Compreendendo-se o alcance da última, não se vislumbra por que motivo o legislador português foi repescar o progetto discriminatorio do agente ativo, exigindo que se faça prova de uma intenção para efeitos de qualificação da conduta como “assédio””.

657 Neste sentido, INÊS ARRUDA, ob., cit., p. 110.

658 Mesmo por aqueles Autores que julgam o assédio não intencional uma hipótese remota, por exemplo, ALEXANDRA MARQUES

SEQUEIRA, ob., cit., p. 254.

659 Cfr., RITA GARCIA PEREIRA, ob., cit., p. 201.

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Por outro lado, este preceito em análise não fez depender da existência de danos físicos ou psicológicos do assediado, sendo, suficiente a existência de lesão de bens jurídicos ou a criação de um ambiente de trabalho degradante.

Destrate, o assediado terá de demonstrar que foi ofendido na sua dignidade ou que lhe foi criado um ambiência de trabalho hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

Como sabemos, o assédio moral expressa-se de várias formas e feitios o que na maioria das vezes o torna praticamente imperecível, até porque do evento podem não resultar sequelas para o exterior. Contudo, este caracter silencioso e aparentemente inocente desses atos tornam praticamente impossível a produção de prova da existência de assédio moral no local de trabalho.

Dispõe o artigo 23.º, n.º 3 661a proibição da discriminação e “cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se sente discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no n.º 1, ou seja “ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.

O que significava que caberia ao assediado apresentar em juízo a sua situação fática na qual fundamentava a discriminação, ficando a cargo da entidade patronal provar que tais factos não constituem discriminação porque se justificam com razões objetivas662.

No entanto, do artigo 24.º, do supra referido Código, não consagrava uma medida idêntica relativa à produção de prova, entretanto, como este preceito estatuía o assédio moral na sua modalidade discriminatória, tudo leva a crer que foi intenção do legislador que esta figura fosse regulada pelo regime jurídico da discriminação, ficando assim consagrada a inversão do ónus da prova para os casos de assédio moral

661 Do Código de Trabalho de 2003.

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discriminatório, quando o bem jurídico ofendido fosse o direito à igualdade e não discriminação663.

Na verdade, o artigo 24.º não contempla o assédio moral em toda a sua amplitude e, desta forma, este regime jurídico da proibição da discriminação só poderá ser aplicado nas situações de assédio moral discriminatório.

Nesta medida, importa referir, que é crucial que se construa um regime específico para o assédio moral e que, à semelhança do que acontece com o assédio discriminatório, se determine a inversão do ónus da prova, como acontece em frança664, a fim de acabar com a reserva dos visados em recorrerem ao Tribunal porque, como se sabe, na maioria das vezes estes não se encontram na posição mais privilegiada para acusar o assediador, por não terem ao seu alcance as provas que estão na mão daquele665.

No que diz respeito à análise de uma situação de assédio moral, a apreciação da existência de lesão de bens jurídicos ou de uma ambiência intimidativa, hostil, degradante, humilhante e desestabilizadora deve ser feita com base na análise do conjunto de todos os comportamentos individualmente considerados.

Neste caso, para se perceber se estamos ou não num caso de assédio, “o Juiz terá de proceder a uma apreciação casuística, avaliando todos os indícios probatórios,

de modo a apurar a existência ou inexistência de um comportamento sistemático”666.

Segundo os ensinamentos RITA GARCIA PEREIRA667, “mais do que a natureza concreta de cada um dos factos que se aleguem para denunciar uma situação, o que resulta indispensável para se poder qualificar uma conduta como mobbing é que se verifique uma sucessão de circunstâncias durante um lapso de tempo. Assim, o que proporciona unidade a esta conduta ilícita, com múltiplas formas de expressão é o total desprezo pela dignidade e pela pessoa do visado, independentemente dos concretos danos que possa originar”.

De sorte, o que releva para a ponderação de uma situação como sendo de assédio moral é a análise dos vários comportamentos praticados contra o assediado

663

Vide MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, ob., cit., p. 219.

664Consultar, article L. 1154-1 du Code du Travail.

http://www.legifrance.gouv.fr/affichCodeArticle.do;jsessionid=FEF93E5CC8C6FA085F703937BD45ACDE.tpdjo08v_2?cidTexte=LEG ITEXT000006072050&idArticle=LEGIARTI000006900831&dateTexte=20140221&categorieLien=cid#LEGIARTI000006900831 (21.02.2014).

665 A propósito desta solução vide, ALEXANDRA MARQUES SEQUEIRA, ob. cit., p. 258. 666 Cfr., MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, ob., cit., p. 220.