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Interação vítima/ profissional de justiça:

Capítulo III: Análise dos Resultados

Anexo 6 – Descrição das categorias referentes aos Psicólogos Forenses 1.Experiência Profissional dos Entrevistados

3. Interação vítima/ profissional de justiça:

- engloba todas as questões abordadas pelos profissionais que nos permitem caracterizar a interação entre a criança e os elementos de justiça, entre as particularidades

desenvolvimentais e as estratégias de inquirição, entre as necessidades da criança e as falhas do Sistema.

87 3.1.2. Sobrepreocupação dos PJ com as crianças: descreve as tentativas dos profissionais de proteger a criança e evitar, no máximo das suas possibilidades, os processos de revitimização.

3.1.3. Minimização do ato abusivo com adolescentes: ao contrário do que se passa com as crianças, no caso dos adolescentes, não só não se verifica esta tendência para proteger e preservar, como ainda ocorre uma minimização, uma desvalorização da situação abusiva e da experiência traumática.

3.2 Estratégias adequadas: define um conjunto de estratégias que os psicólogos apontam como bem sucedidas e adaptadas a estes casos e a estas testemunhas.

3.2.1. Estabelecimento de empatia: reflete a tentativa inicial do juiz de tentar conhecer a criança, abordar questões neutras e familiares à criança de modo a diminuir o seu grau de ansiedade, o seu desconforto e a facilitar a abordagem das situações abusivas.

3.2.2. Questionamento aberto: descreve uma linha de inquirição caracterizada pelo uso de questões abertas que permitem à criança verbalizações livres e a partilha das suas experiências segundo as suas próprias perspetivas, e não as do inquiridor.

3.2.3. Afastamento da sala de audiências: reflete a sensibilidade dos juízes quanto ao impacto das condições físicas, sobretudo das características austeras da sala da audiência de julgamento para a criança, e para o seu testemunho, e, consequentemente, a procura de espaços alternativos para a condução das inquirições (e.g., gabinetes, bibliotecas).

3.3.Estratégias inadequadas: refere-se a um conjunto de abordagens consideradas inconvenientes para o bem-estar da criança, assim como para a recolha de uma boa prova testemunhal eficaz.

3.3.1.Reinquirições: descreve as repetições contínuas do ciclo perguntas-respostas entre a vítima e diferentes inquiridores que obriga a vítima a recontar os factos

e as suas experiências diversas vezes .

- Reviver situação traumática: enuncia a consequência mais direta das reinquirições, ou seja, a necessidade da criança relembrar e reviver os sentimentos e os pensamentos inerentes aos episódios de abuso.

- Reorganização da Memória: descreve outro efeito das repetições e, igualmente, do tempo que passa entre os diferentes testemunhos, ou seja, a reorganização das informações e dos pormenores referentes a uma determinada situação que se reflete em:

a) Esquecimento: refere-se ao não ser capaz de recordar pormenores verbalizados X meses antes, em consequência do desvanecimento do traço mnésico

b) Incongruências: relaciona-se, por seu turno, com a verbalização de aspetos incompatíveis com as versões dos acontecimentos anteriores, muito provavelmente pela distorção do traço mnésico.

- Repensar a sua versão dos factos: esta componente reflete mais uma das consequências das reinquirições ao longo do tempo, o facto de a criança ponderar se devia ter denunciado aquela situação ou não, em função de:

a) Sentimentos de Insegurança: descreve sentimentos de medo, de não proteção da criança em relação ao processo, ao agressor e a todos os intervenientes.

b) Pressões Familiares: enuncia a alteração da sua versão em consequência de um mau ambiente familiar, da culpabilização da vítima pelos familiares relativamente à situação abusiva, dos pedidos das famílias para negar tais acontecimentos.

88 - Antecipação das intenções do inquiridor: por último, esta componente caracteriza o cansaço e a habituação da criança às mesmas abordagens e aos mesmos procedimentos e a respetiva reação; passa a desempenhar, não só a função de entrevistada, mas também de entrevistador, pois antecipa, junto do inquiridor, os seus pedidos e questões.

3.3.2. Inquirição sugestiva e confirmatória: descreve uma linha de entrevista que agrupa duas estratégias contraproducentes, pois, ou adota um estilo de inquirição cujas questões direcionam o testemunho da criança para determinadas questões, ou limita-se, ao longo da inquirição, a confirmar pormenores anteriormente verbalizados e aspetos que o juiz pensa serem fidedignos.

3.3.3. Linguagem inadaptada: enuncia o uso de vocabulário incompreensível para a criança.

3.3.4. Inquirições demasiado extensas: reflete a duração inadequada das inquirições aos tempos da criança, às suas competências e ao seu bem-estar.

3.3.5. Confronto: descreve uma linha de inquirição onde o entrevistador apresenta, de forma agressiva, uma versão dos factos e insiste para que a criança se pronuncie sobre ela.

3.3.6. Pressão de resposta: indica a impaciência do Tribunal face aos tempos de resposta e de reflexão da criança, insistindo para que seja mais diligente nas suas respostas.

3.3.7.Emissão de Juízos de Valor/ Interpretações erróneas: descreve estratégias inadequadas dos juízes, nomeadamente, a partilha de avaliações negativas do comportamento da criança, ao mesmo tempo que indica a realização de interpretações incorretas pelos PJ do que é verbalizado pela criança.

3.3.8. Infantilização da interação/ procedimento: enuncia uma crítica dos psicólogos à atuação infantilizada dos juízes que convida a criança à brincadeira e à fantasia, mas que depois exige um testemunho estruturado e sério.

3.3.9. Descredibilização da vítima : descreve a não valorização e o descrédito do testemunho da criança pelo juiz.

3.4. Impreparação do Sistema: caracteriza um sistema desenhado para adultos que ainda não se reestruturou eficientemente para receber e acolher crianças, sobretudo

crianças vítimas de crime.

3.4.1.Condições físicas e humanas: caracteriza a desadequação dos espaços físicos e do ambiente interaccional durante os procedimentos e o testemunho

- Inadequação do espaço físico à receção/inquirição da vítima: enuncia a inexistência de um espaço específico e construído para receber ou inquirir crianças.

- Ambiente formal e hostil durante os procedimentos: refere-se ao testemunho da criança num ambiente demasiado formal e adulto que a intimida e com o qual ela não está familiarizada, a par do recurso a uma abordagem hostil e agressiva à criança durante a colocação de questões.

3.4.2. Limitações de formação dos PJ: enuncia alguns aspetos que denunciam a ausência de formação especializada e adaptada a estes casos pelos juízes, sobretudo ao nível das:

- Dinâmicas do abuso sexual de crianças: desconhecimento dos rituais de abuso, das dinâmicas de silêncio, das estratégias de controlo e manipulação desenvolvidas pelo agressor.

- Desenvolvimento infantil e formas pertinentes de inquirição: descreve a insuficiência de conhecimentos dos juízes relativamente às especificidades desenvolvimentais das crianças e, consequentemente, às formas mais adequadas de a abordar e de interpretar as suas verbalizações nas diferentes fases desenvolvimentais.

89 - Impreparação prévia das inquirições: outra questão importante neste tipo de inquirições é a preparação do juiz, mas esta categoria reflete, mais uma vez, a ausência de formação específica, dado que os profissionais não registam uma preparação prévia e cuidada da inquirição, encarando-a como qualquer outra das inquirições que desenvolvem ao longo dos processos.

- Desconsideração do bem-estar da vítima: auto-justificandosse com as suas obrigações e os seus objetivos profissionais, a sua falta de formação também é visível na subvalorização do bem-estar de uma testemunha face aos interesses judiciais.

3.4.3. Incompreensão da vítima relativamente à pertinência das reinquirições: a impreparação do sistema não se traduz somente na inadaptação espacial e na formação empobrecida dos PJ, como também no esquecimento da criança ao longo do processo, e, consequentemente, na anão compreensão, por parte desta, da importância da sua postura e dos diversos procedimentos em que é envolvida, dado que não existe uma figura definida para acompanhar a criança e explicar-lhe as exigências e os propósitos de cada etapa processual.

3.5. Procedimentos legais dependentes de ―sensibilidades pessoais‖: esta categoria é importante para a compreensão da variabilidade das atuações judiciais, pois, segundo descrições dos PF, a qualidade da condução dos procedimentos e das inquirições não parece dever-se a rituais padronizados e transversais a estes casos, mas sim

com as competências individuais e com atuações particulares.

3.5.1. Mesmo procedimento/ diferentes condições: as diferenças levam a que, muitas vezes, o mesmo procedimento decorra de formas muito variadas e as abordagens às crianças divirjam.

3.5.2. Cooperação/ reuniões informais : esta dependência das “sensibilidades individuais” pode ter consequências negativas, como a realização, por livre decisão dos participantes, de reuniões informais de partilha de perspetivas e de reflexão sobre as diferentes versões sobre os acontecimentos.

3.5.3. Casos bem sucedidos: dado que existem profissionais muito conscientes que procuram (in)formar-se e conhecer as particularidades da vítima, há registo de casos céleres e muito bem conduzidos, quer em termos processuais, quer adaptado às necessidades da criança.