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INTERACIONISMO E INTERAÇÃO NOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

3. INTERAÇÃO EM CLASSES DE EJA

3.1 INTERACIONISMO E INTERAÇÃO NOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

A realidade da interação como aspecto observável e relevante para os estudos lingüísticos situa-se no bojo das discussões sobre interacionismo. As teorias interacionistas surgiram como resposta ao cognitivismo e ao inatismo que dominavam a lingüística em meados do século XX. Os domínios desta ciência que optam pela perspectiva interacionista da linguagem

interessam-se não apenas ou tão somente pelo sistema que [a linguagem] é, mas pelo modo através do qual ela se relaciona com seus exteriores teóricos, com o mundo externo, com as condições múltiplas e heterogêneas de sua constituição e funcionamento (MORATO, 2004, p. 312).

Com o amadurecimento das pesquisas, o interacionismo se apresentou como uma das mais fecundas perspectivas teóricas, marcando e estimulando as relações da lingüística com outras áreas de conhecimento; o interacionismo, no dizer de Morato (2004, p.314), “representa um esforço pluridisciplinar com vistas ao entendimento das relações entre indivíduo e sociedade".

Notadamente, no âmbito da Lingüística Aplicada, os estudos interacionistas têm sido uma fonte profícua de reflexões para a área do ensino,

considerando que “os modelos lingüísticos oriundos de correntes tradicionais da lingüística não dão conta de fatores que são relevantes para o ensino de línguas” (MOITA LOPES, 1996, p.137).

Segundo Morato (2004), voltando-se para a interação, a lingüística restringiu seus interesses, no início, à interação verbal. A autora destaca, entretanto, que o interacionismo, além da noção teórica de interação, trouxe outras contribuições metodológicas para a lingüística, como a prioridade para o discurso oral, a reabilitação do empirismo descritivo, a identificação de fatos tidos como relevantes para a análise da "realização interativa", a consideração de elementos não-verbais e do contexto situacional, a arbitragem interdisciplinar no tratamento da linguagem, entre outras.

No quadro teórico do interacionismo, a noção de interação é importante para estabelecer epistemologicamente as relações entre linguagem e exterioridade. Outro postulado importante é o de que a relação entre linguagem e interação não é isomórfica: na certeza de que toda a ação humana procede de interação, é preciso encontrar caminhos teóricos que considerem a diversidade de relações que se estabelecem no seio de uma determinada interação humana. Para isso, o interacionismo voltará seus interesses para aqueles elementos que as dicotomias saussureanas da lingüística clássica deixaram de lado:

as práticas sociais nas quais a linguagem está imersa e que a constituem, as normas pragmáticas que presidem a utilização da linguagem, as múltiplas atividades psicossociais que desenvolvem os falantes, os aspectos subjetivos e variáveis da língua e seu funcionamento, as condições materiais, psíquicas e ideológicas de produção e interpretação da significação, a existência de semioses co-ocorrentes nas práticas discursivas, o estatuto do 'outro' no processo de aquisição da linguagem pela criança etc.“ ( MORATO, 2004, p.313-314)

Marcuschi (2001a) apresenta o interacionismo lingüístico como um conjunto teórico pouco sistemático, constituído de uma série de postulados desconexos entre si, mas que vêem a língua como fenômeno interativo e dinâmico.

A perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produção de sentido tomando-os sempre com situados em contextos sócio- historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tem muita sensibilidade para fenômenos cognitivos e processo de textualização na oralidade e na escrita, que permitem a produção de coerência como uma atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido. (MARCUSCHI, 2001a, p.34)

Tal modo de conceber a língua sob o prisma sociodiscursivo tem suas principais bases teóricas nos postulados de Bakhtin (2004), segundo os quais a linguagem se inscreve necessariamente numa ordem social e a interação verbal constitui “a realidade fundamental da língua” (BAKHTIN, 2004, p.123).

A concepção do social perpassa a teoria do autor russo, afirmando que o centro organizador de toda expressão não é interior ao homem, como advogava o subjetivismo idealista; antes, a expressão organiza, modela e determina a atividade mental dos sujeitos enquadrados pelas condições reais da enunciação, pela situação social mais imediata. Compreender o social aqui ultrapassa o âmbito meramente interpessoal, o contexto imediato e o local de produção da significação, ultrapassa o conceito psicológico de sujeito, para vislumbrar os mecanismos de constituição e determinação das condutas humanas, por sua vez baseados nas condições materiais e ideológicas de vida em sociedade. A enunciação, conforme o dialogismo bakhtiniano, é, pois, puro produto da interação social de interlocutores, através do qual a língua se realiza. Para Bakhtin (2004, p.124), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.

A interação, por seu turno, é para Bakhtin “a verdadeira substância da língua”, a sua realidade fundamental (BAKHTIN, 2004, p.123). Como elemento constitutivo da natureza dialógica da linguagem (relativa a todo tipo de interação verbal, todo ato enunciativo, toda condição ou forma de existência da linguagem) a interação associa-se a uma idéia de 'outro' como interlocutor e como interdiscurso.

A interação implica uma dinâmica e a instauração do outro. Quando se fala, o outro já está incluído. A língua é tomada como um instrumento dialógico e de interação. O sentido não é dado, ele é construído a partir da experiência, do contexto, enfim, da situação. (ZOGHBI, 2003, p.21)

Ainda concordando com Zoghbi (2003), o conceito de interação remete a toda ação conjunta, conflitual e/ou cooperativa, realizada entre dois sujeitos. Deste modo, ainda que as linhas interacionistas sigam por vezes caminhos teóricos diferentes, há certo consenso em se tomar a interação como uma das categorias de análise dos fatos da linguagem, e não apenas o seu locus, de modo que se discutam a qualidade e a circunstância da reciprocidade de comportamentos humanos diversos, em variados contextos, práticas e situações (MORATO, 2004).

A lingüística elege para análise uma parte do fenômeno da interação – a interação verbal – "também ela algo heterogêneo e historicamente situado" (MORATO, 2004, p.316), e assume o pressuposto de que a linguagem é uma ação humana e que a ação humana atua também sobre a linguagem – concepção interacionista de linguagem. Na relação interioridade-exterioridade, a linguagem encontra a significação, sua função precípua, quando se reitera o postulado de que a linguagem não é um mero meio de comunicação entre os indivíduos, mas o fruto dos jogos interacionais entre sujeitos numa dada situação social.