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INTERDIÇÃO E APAGAMENTO DA AUTORIA

Para que haja matéria telejornalística é preciso um trabalho de constituição de uma discursividade. Mas para que produza eficácia de uma realidade, torna-se necessário que tal constituição seja reduzida a uma transmissão de conteúdo, de um dado que requer do sujeito apenas a capacidade de expô-lo para ser visto. E, em contrapartida, do expectador, a condição de receber o que se quer visto. O ritual telejornalístico precisa negar, contínua e infinitamente, a existência do autor, para que, no funcionamento apagado da autoria, a posição-jornalista sustente o efeito de ausência dessa mesma autoria.

Re-dizendo, para que o discurso telejornalístico produza eficácia, é necessário

fazer crer que os sentidos se originam na própria realidade, independente dos sujeitos de linguagem. E, mesmo na condição de repórter, este seria (ilusoriamente) apenas um elo entre telespectadores e realidade social. Tal discurso requer uma universalidade, um “não- eu”, que não suporta a autoria na sua configuração e funcionamento, mas que, ao mesmo tempo, necessita dela, embora apagada.

A autoria é requerida no contraponto do sujeito não-institucional telejornalístico, de quem se cobra a assunção, a origem de um dizer, a coerência e a responsabilidade pelo que diz. Também, pela credibilidade que o sujeito-jornalista, cuja competência profissional se faz re-conhecida na relação com o público, transfere ao telejornal e à emissora. É no reconhecimento individualizado do sujeito-jornalista que o telejornal se faz universalmente reconhecido. Mas é também no reconhecimento institucional que se reconhece o sujeito-jornalista.

O que dá identidade ao discurso telejornalístico não é o funcionamento da função-autor, mas a retomada atualizada das regras por um sujeito institucional(izado) que, desse lugar, dessa posição-jornalista, constrói, re-significa esse mesmo institucional, conforme as relações entre língua, sociedade e história vão requerendo re-construções daquilo a ser visto como verdade. Ou seja, como princípio de controle da produção do discurso, a disciplina “fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras”, retomando Foucault (2000a, p. 36).

A autoria é interditada, em primeira instância, para que o dizer telejornalístico pareça ser autônomo, mas, ao mesmo tempo, ela se mantém como efeito nas relações institucionais, já que a instituição se marca como produtora do dizer em última instância. Daí se ter as siglas da emissora no nome do telejornal: Jornal da Band, Jornal da Record, SBT Brasil; marcas de uma propriedade e de uma individualização. Quanto a este último, procura dimensionar sua abrangência nacional mediante a inscrição do nome da emissora (SBT) na relação com o nome do país (Brasil), juntamente com o nome da jornalista Ana Paula Padrão, de modo a construir uma relação mútua de status e credibilidade para o telejornal.

No caso do Jornal Nacional, a ausência da emissora no nome do telejornal não é indicativo de sua não-presença. Pelo contrário, inscreve-o no contexto nacional como elemento inerente a este, extrapolando a capacidade de identificação entre jornal e nação, até pelo fato de o JN, de certa forma, ter relação com a história da tv no Brasil e do próprio País38. O que implica considerar que esse telejornal põe em funcionamento, desde sua fundação, um discurso nacionalista calcado num marketing comercial e político, vendendo uma imagem de nação integrada. Assim, apagando e silenciando as tensões e contradições de um Brasil desigual. Segundo Lima (2001), a consolidação da Rede Globo foi paralela à implantação de um modelo econômico de exclusão e de um regime autoritário, sendo a Globo tanto aliada quanto cúmplice. Sua programação, veiculadora de um “otimismo desenvolvimentista”, foi fundamental para sustentar e legitimar a vigência do autoritarismo.

38 Tal discussão que relaciona Jornal Nacional, política e história da tv no Brasil é desenvolvida na subseção 4.3, intitulada “Trajetos do dizer na institucionalização de sentidos”.

Além disso, o Jornal da Globo existe como nomeação de outro produto, veiculado em outro horário. Também consideramos que a ausência de inscrição do nome da emissora (Globo) no nome do telejornal (Jornal Nacional) contribui para manter funcionando o efeito de isenção que se busca imprimir, continuamente, ao JN na manutenção de um formato padrão-tradicional de apresentação. Tal formato se marca por uma narrativa objetivante também na ancoragem do apresentador-âncora. Squirra (1993) esclarece que opinar, no caso da Rede Globo, significa, entre outras coisas, controle editorial.

Quando se trata de impresso, a imagem-visual do sujeito-jornalista não se dá à visibilidade. Diferentemente, no caso do sujeito-apresentador, sua imagem é constitutiva do dizer, assim como a inscrição do seu nome, também parte desse dizer. Seria possível, então,

re-pensar a posição de autoria, levando-se em conta que sujeitos e sentidos se constituem

ao mesmo tempo? Assim, que “o sujeito se constitui como autor ao constituir o texto”, como entende Orlandi (2000b, p. 56), ou mesmo, “o autor se constitui à medida que o texto se configura”, segundo Lagazzi-Rodigues (2006, p. 93)? No caso do telejornalismo, que o autor é interditado na medida mesma em que se configura o texto?

O texto oralizado pelo sujeito-apresentador só se corporifica, só se textualiza, na relação com a imagem do apresentador, sua gestualidade e gestos de interpretação (em nível discursivo). O acontecimento ritual só acontece porque se estabelece uma relação de expectação à distância. É pressupondo um tele-espectador que se torna possível o acontecimento ritual.

Em termos normativos a que se submete uma instituição ou aos quais ela faz submeter, “estamos sob a injunção da textualização, mas negados como autores possíveis”. A relação de autoria é sobre-determinada pela generalização sustentadora do discurso jurídico, que invisibiliza o autor e responsabiliza o sujeito (LAGAZZI-RODRIGUES, 2006, p. 99).

Um duplo movimento, exterior e interno à instituição telejornalística, coloca-se em funcionamento. O primeiro produz a substituição do autor pelo sujeito-apresentador individual, nomeado, localizável num lugar e tempo determinado, demarcados. É

responsabilizado pelo dizer na medida em que representa um dizer institucional. Fala em nome da instituição. Como sujeito-apresentador, só tem existência na e pela emissora.

O segundo movimento, interno à instituição, é a interdição à autoria. Não se pode pensar a existência de um autor para o texto. É preciso crer que ele tenha existência autônoma, logo, independente. Dar visibilidade ao sujeito-apresentador significa aqui reforçar o efeito de constituição separada entre sujeitos e sentidos. O sujeito apresentaria um dizer já lá, que precisaria apenas ser exposto, revelado. Daí Ana Paula Padrão também não cumpre a função de autoria, nem sua atuação resulta em um efeito autoria, mas sim a apropriação de sua imagem e de seu nome, publicitariamente, é que geram um efeito autoral na relação com o telespectador.

No entanto, nas relações com o sujeito-tele-espectador, o apresentador participa da constituição dos sentidos no momento mesmo de seu acontecimento ritual. Tanto reforça o lugar de “autonomia do dizer”, para este se fazer crível – ou seja, é preciso separá-lo do apresentador de modo a ser aceito como “verdadeiro” –, quanto o lugar de dependência do dizer, para se ter um dizer independente – primeiro é preciso que se reconheça a influência do sujeito-apresentador para que ao dizer se atribua relevância, independência e veracidade. Essa contradição constitutiva em funcionamento, interditando, apagando e requerendo uma autoria, invisibilizando e dando visibilidade ao sujeito, vai se fazendo presente nos telejornais, na relação de autorização e de transferência. Como discutimos quanto ao funcionamento da instituição telejornalística, esta autoriza o sujeito-apresentador a falar em seu nome, e, este, ao falar desse lugar, autoriza o dizer institucional. O ritual só acontece porque se dá num espaço legítimo (institucional – estúdio da emissora), por

sujeitos legítimos (apresentadores institucionais) que se colocam em relação de acontecimento legítimo (ir ao ar – ao vivo), com espectadores também legítimos

(espectadores à distância, postos a ver). É também porque o sujeito se reconhece como telespectador no funcionamento ritual que este produz a sua eficácia.

O sujeito-apresentador não aparece ou tem seu nome assinado como sendo a origem do dizer – ao menos não institucionalmente. Por outro lado, o efeito de um dizer autônomo, no telejornal, não se sustenta num dizer anônimo. Pelo contrário. Para se fazer

próprio dizer. Quanto ao SBT Brasil, o sujeito-telespectador, no funcionamento (do) ritual, associa o dizer ao sujeito apresentador-âncora pelo efeito de criticismo funcionando na e

pela posição de porta-voz. E, desta condição, também pela circulação da notícia, que se

quer autônoma; logo, não se originando no sujeito, mas, supostamente, originando-se na realidade (empiricizada). Nos outros telejornais, o reconhecimento do apresentador como

tal atesta o apagamento do autor, significando-o num espaço de conexão: permitir o acesso

à realidade.

O apresentador é colocado de forma mais ou menos marcada pelo modo como se relaciona com o dizer, na interpretação sonora e gestual. Daí a apresentadora Ana Paula Padrão ser mais identificada com o que diz do que a apresentadora Adriana Araújo. Também entra a questão da familiaridade e do re-conhecimento público-institucional, resultante de um trabalho publicitário. Seria como confundir o sujeito-ator com o personagem que ele interpreta. Não se trata simplesmente de representação.

O sujeito assume um papel, ocupa um lugar social, uma posição-sujeito de discurso. O mesmo dizer apresentado por um ou outro apresentador não produz o mesmo efeito. Coloca outros sentidos em funcionamento, pois a função-apresentador se cumpre de diferentes formas por diferentes sujeitos, em diversos contextos e épocas. Também a narrativa telejornalística, em sua forma oralizada, possui sua especificidade. Não se trata, simplesmente, de uma oralização cotidiana.

O discurso telejornalístico não produz o mesmo efeito da oralidade (ou a sua transcrição), já que, diferente desta39, passa por um processo de legitimação. Assim como no caso da língua nacional, é por um instrumento lingüístico que se instaura a legitimidade do telejornal, e pela sua circulação pública que tal legitimidade é naturalizada. Só que, nesse caso, o instrumento legítimo são, antes, os manuais de redação da mídia impressa.

Tais manuais não só legitimam o discurso institucional como naturalizam essa legitimidade ao circularem publicamente e se colocarem como modelos de escrita. Produzidos por empresas jornalísticas de comunicação impressa, esses manuais, cujos fundamentos básicos estão calcados na idéia de objetividade, verdade e isenção, e que

39 Para Gallo (1992, p. 55), a oralidade, apesar de suas semelhanças com a escrita, “produzirá sempre um sentido diverso, inacabado e ambíguo, exatamente por não ter passado pelo processo de legitimação”.

permitem sua eficácia pelo reconhecimento social, também fundamentam a produção telejornalística. Isso talvez explique a ausência de manuais de redação produzidos e postos em circulação na sociedade, especificamente, por empresas telejornalísticas, com exceção do Manual de Telejornalismo da Globo, de 1985. Mesmo este, está longe de ser uma produção propriamente autêntica do telejornalismo brasileiro, além de seu acesso estar limitado a um número reduzido de exemplares. Segundo Squirra (1993), como tal manual não chegou a ser publicado, restringiu-se a uma distribuição interna aos profissionais da emissora.

As referências ao livro Television News, logo na introdução do Manual de

telejornalismo da Globo, apontam-no como fonte básica para a normatização do fazer telejornalístico apresentado pela Central Globo. Tal observação já havia sido feita por Squirra (1993) ao discutir a influência do padrão norte-americano como modelo seguido no jornalismo eletrônico brasileiro, envolvendo tanto a feitura do noticiário quanto formato, estilo e “equipamentos periféricos”. Influência norte-americana cuja origem já se encontra no jornalismo impresso do Brasil, mas que não se reduz à importação da fórmula do lead e da técnica da pirâmide invertida40, inscrevendo-se no “próprio processo histórico de constituição e consolidação da sociedade capitalista industrial brasileira na sua relação com as trasnformações sociais no ocidente – mais especificamente nos Estados Unidos”, segundo Pimentel41 (2002, p. 84-85), com base em Carlos Eduardo Lins da Silva, Ciro Marcondes Filho, Luiz Amaral, entre outros autores.

Se, no reconhecimento (com o) público, o manual da mídia impressa cumpre esse papel de instauração legítima do “verdadeiro” (do jornalismo), e se a base de sustentação do jornalismo televisivo são as mesmas do impresso quanto aos ideais de verdade, objetividade e isenção, não há porque a instituição televisiva fazer circular manuais específicos de telejornalismo. Isso considerando que já detém o reconhecimento público da notícia como verdade; re-forçado e naturalizado pelo efeito de equivalência que

40 Termo empregado na redação jornalística para indicar a estrutural textual que subverte a ordem cronológica dos acontecimentos, narrando-os conforme critérios jornalísticos de importância noticiosa.

41 Em nossa dissertação de mestrado, discutimos a dimensão histórico-social do fazer jornalístico, explorando como o jornalismo brasileiro vai se configurando, entre outras, sob a influência do capitalismo industrial, sustentado em, e sustentando, mitificações como objetividade, neutralidade e imparcialidade.

se produz mediante uma identificação, pelo telespectador, da imagem em movimento com a realidade.

Ao discutir os manuais da imprensa no Brasil, Silva (2001) explica que eles devem representar o cotidiano coletivo do fazer jornalístico, como resultado dessa própria rotina profissional, que é coletiva. Os textos assinados pelos diretores de redação, na apresentação das obras, funcionam de modo a constituir tal espaço coletivo de representatividade que se identifica por meio do nome da empresa. Já o nome de jornais e revistas, reconhecidos nacionalmente42, dará ao jornalista a legitimidade requerida para que possa ter autoridade no emprego da língua.

No discurso jornalístico, e, por extensão, no telejornalístico, já consideradas as suas condições de produção, o trabalho individual e coletivo deve sustentar e corroborar o efeito notícia, calado numa unidade imaginária e no apagamento da ambigüidade. Trata-se de recorrer, tecnicamente, a uma “necessária” (requerida) coerência e objetivação normatizadoras, pressupondo início, meio e fim, ou seja, fechamento (ilusório) dos sentidos, porque, embora interditada, pensando-se o ritual já em sua relação com o público, a autoria continua funcionando. Em alguns momentos, a ambigüidade é até requerida, mas de forma controlada, sustentada em versões para o mesmo fato, das partes envolvidas, direcionada para determinadas interpretações unilaterais, como certo ou errado, culpado ou inocente. O efeito de fechamento textual se expõe, necessariamente, no momento da veiculação, pressupondo uma relação de emissão e recepção entre emissora e telespectador.

Nesse sentido, podemos afirmar que a autoria presente no ritual que antecede o ir ao ar é coletiva, mas é interdita, apagando-se para o próprio sujeito-jornalista, de modo que o efeito notícia continue funcionando. É este efeito mobilizado que deve prevalecer na relação com o público. Isto é, a autoria, embora condição da própria existência do telejornalismo, e, portanto, ainda que em funcionamento, é interditada e apagada no fazer telejornalístico, e na própria circulação do ritual, na relação com o público, pois os sujeitos institucionais não se assumem, e não podem se assumir, como autores, nem antes nem

42 Em seu estudo, Silva (2001) toma como materiais de análise manuais de redação da chamada grande imprensa brasileira. São publicações da: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Editora Abril e Rede Globo de Televisão.

durante a exibição. A não assunção da autoria é justamente uma exigência para “qualificar- se” como jornalista na prática telejornalística.

Explicando, ainda, de outra forma, tal interdição não significa que a autoria inexista ou deixe de existir, mas sim que não pode ser reconhecida e assumida como tal para que o ritual produza eficácia na relação com o público. Ao mesmo tempo, institucionalmente o sujeito-jornalista se responsabiliza pelo dizer ao ser identificado com aquilo que produz no cumprimento de uma dada função, seja enunciando como repórter, editor, comentarista, entre outras. Trata-se de uma individualização e de uma

personificação, como já discutido, pela qual os sujeitos-jornalistas também vão construindo

reconhecimento e credibilidade no meio profissional.

Quanto ao repórter e o apresentador ou apresentador-âncora, isso também abre a possibilidade de empatia com o telespectador. Mas essa responsabilidade individualizante, no telejornalismo, é convertida em responsabilidade profissional, institucional. Não significa, contudo, desconsiderar que, juridicamente, há uma imputação de autoria, mas que essa mesma autoria já é atribuída ao sujeito-jornalista, institucionalmente, colocado como responsável pelo dizer de uma dada programação telejornalística, em cuja formulação, especificamente quanto ao telejornal, é coletiva.

Na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), que regula a liberdade de manifestação do pensamento e da informação, essa imputação jurídica de autoria pode ser observada no Capítulo V, Da Responsabilidade Penal, mais especificamente na Seção I, onde se explicitam, no Art. 37, quem são os responsáveis por crimes cometidos tanto por meio da imprensa quanto das emissoras de radiodifusão. No caso destas últimas, a responsabilidade recai, nesta ordem, sobre:

1) O autor da transmissão incriminada, conforme o previsto no art. 28, parágrafo primeiro, do Capítulo III (Dos Abusos no Exercício da Liberdade de

Manifestação do Pensamento e Informação). Diante da dificuldade em se determinar o

autor das expressões faladas ou das imagens transmitidas, o parágrafo primeiro do Art. 28 tem como autor: a) o editor ou produtor do programa, se declarado na transmissão; b) o diretor ou redator registrado de acordo com o Art. 9 (inciso III, letra b), no caso de

programas de notícias, reportagens, comentários, debates ou entrevistas; c) o diretor ou proprietário da estação emissora, em relação aos demais programas.

2) O diretor ou redator registrado de acordo com o artigo 9 (inciso III, letra b)43, caso o responsável esteja ausente do País, ou “não tiver idoneidade para responder pelo crime”.

3) Se estes responsáveis também não estiverem no País ou não tenha “idoneidade para responder pelo crime”, conforme prevê o inciso III do Art. 37, no caso específico da radiodifusão, quem responde é o diretor ou o proprietário da estação emissora.

Em caso de processos, a jurisprudência44 prevê que repórter e editor responsável pelo veículo sejam identificados na condição de autores dos danos. Mas a responsabilização varia conforme cada caso, cabendo ao juiz a análise de qual dos dois “autores” é o responsável principal. No julgamento da reparação penal, repórter e editor respondem conjuntamente. A pena é atribuída de acordo com a intensidade de responsabilidade pelo ato. Mas, no caso da reparação civil, procura-se o responsável pelo dano.

Pensando tais questões legais na relação com nosso percurso de análise, entendemos que essa exigência do sujeito-de-direito, sobre o qual discute Haroche (2002), e do qual se exige a responsabilidade pelo dizer, funciona na contradição entre se individualizar ou ser individualizado juridicamente. Assim, mesmo que o sujeito-jornalista seja legalmente responsabilizado pelo dizer, tal ação, de certa forma, envolve a própria empresa no processo, como instância maior de autoridade institucional. Assim, um “erro” na apresentação do telejornal, criminalmente imputável, pode ser atribuído ao sujeito- jornalista, mas já afetado por sua condição de sujeito institucionalizado.

É nesse espaço institucionalizante, tomado por normatizações da própria instituição –, mas já afetada, em seu funcionamento, pela inscrição do sujeito-de-direito –,

43 No Capítulo II (Do Registro), o Art. 9 (inciso III, letra b), que se refere ao pedido de registro em cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, estabelece que tal pedido deve conter as seguintes informações, no caso de empresas de radiodifusão: “nome, idade, residência e prova de nacionalidade do diretor ou redator-chefe responsável pelos serviços de notícias, reportagens,comentários, debates e entrevistas”.

na especificação de quem responde pela notícia numa escala hierárquica de poderes –, que antes se definem responsabilidades, a quem compete tais responsabilidades e como elas se

marcam ou não, ou ainda se apagam, na relação com o telespectador.

Como o nosso foco é o acontecimento ritual propriamente dito (“ir ao ar”), sua

circulação já na relação com o público, ressaltamos que a eficácia do efeito notícia está

condicionada ao apagamento da autoria. A imagem de um autor deve ser substituída pela imagem de intermediador, como aquele que serve de intermédio entre o público e a realidade. Esse papel se cumpre como se existisse apenas uma realidade possível, ou seja, a veiculada pelo telejornal.

Nos créditos finais do telejornal, vislumbra-se uma autoria coletiva, ao mesmo tempo explicitada na nomeação/individualização dos sujeitos e apagada no funcionamento do discurso, na sustentação do efeito notícia. Para Pereira Júnior (200745, p. 13), tais créditos, que mostram “quem são os seus autores”, são um “indício de que os produtores ocupam um papel importante na elaboração do produto, o que não acontece em outras áreas”, como, por exemplo, numa linha de montagem, cujos carros não saem com os